Isso foi o suficiente para estimular o senador Ben Sasse,
do Nebraska – que nunca perde a oportunidade de fazer gestos de grande paixão
moral, mesmo quando não está disposto a fazer o trabalho necessário para os
levar a bom porto. Sasse já tinha introduzido no Senado o “Born-Alive Abortion
Survivors Protection Act” [Lei de Protecção de Nados Vivos Sobreviventes ao
Aborto] e então pediu imediatamente um voto para segunda-feira à noite, para
ver se a lei poderia ser aprovada “sem objecções”.
Claro que não pôde. O objectivo da lei é de restaurar as
penas que foram removidas da lei original, a “Born-Alive Infants’ Protection
Act” de 2002. Essa lei inicial tinha como objectivo colocar estabelecer no
direito esta premissa chave: que uma criança que sobreviva a um aborto e nasça
viva tem o mesmo direito que qualquer outro Ser Humano à protecção da lei.
Alguns dos leitores saberão que eu tive um papel em
redigir estas propostas de lei e em defendê-las. É uma história que remonta a
30 anos atrás. Num caso em particular, nos anos 70, uma criança sobreviveu a um
aborto durante 20 dias, foi sujeito a cirurgia e acabou por morrer. A questão
estava em saber se existia a obrigação de fornecer apoio médico àquela criança
e a resposta, segundo o juiz Clement Haynsworth, foi que não.
Ele “explicou” que a partir do momento em que uma mulher
grávida optava por um aborto “o feto neste caso não é uma pessoa cuja lei
estadual pode proteger”. Por outras palavras, o direito ao aborto corresponde
ao direito a um “aborto efectivo”, ou seja, uma criança morta.
Alguns de nós pensámos que poderíamos começar por aí,
para testar os limites desse “direito ao aborto”. Sugerimos então o “primeiro
passo mais modesto”: a proposta de simplesmente proteger a criança que tenha
sobrevivido ao aborto. [A história dessa lei, as razões que lhe eram subjacentes
e a forma como passou, são narradas no meu livro “Natural Rights and the Right to Choose”.]
Mas essa era uma proposta inaceitável para os defensores
do aborto, porque perceberam que assim toda a sua posição se desenvencilhava.
Se aceitassem que o nado-vivo era uma criança humana, com direito a protecção
da lei, nós poderíamos perguntar o que é que a mesma criança tinha de diferente
cinco minutos, ou cinco dias, ou cinco meses antes?
Ben Sasse |
Decidiu-se, contudo, retirar à lei as penalizações, tanto
civis como criminais, para evitar que o Presidente Clinton a vetasse.
Ficaríamos contentes com uma “lei pedagógica” que transmitisse informações que
chocariam o grande público: que o direito ao aborto, proclamado em Roe v. Wade,
abrangia a totalidade da gravidez, podendo mesmo chegar ao direito de matar a
criança depois de nascer.
Seja como for, sem as penalizações a lei tornou-se quase
impossível de aplicar. E viríamos a descobrir que estas coisas aconteciam muito
mais do que tínhamos pensado em 2002. Enfermeiras começaram a contar histórias
de bebés nados-vivos e colocados em salas para morrer.
Mas depois veio o choque
do caso de Kermit Gosnell, na Filadélfia. Era o momento ideal para
regressar à lei original e restaurar as penalizações, civis e criminais, que
lhe tinham sido retiradas. A lei foi aprovada duas vezes na Câmara dos
Representantes, em Setembro de 2015, com 248 votos a favor e 177 contra, e em
Janeiro de 2018, com 241 a favor e 183 contra.
Todos os republicanos apoiaram a lei, e todos os votos
contra foram dos democratas. Este foi o voto que revelou a grande verdade, que
de acordo com o entendimento do partido à esquerda no nosso quadro político, o
direito ao aborto não se limitava à gravidez, aplicando-se também ao direito a
matar o bebé sobrevivente.
Esse dado poderia ter ganho contornos enormes na eleiçãopresidencial de 2016, mas ninguém parecia consciente disso, incluindo católicos
influentes nos media como Bret Baier, que tinham à sua disposição os vastos
recursos das redes à sua disposição.
Quando, há anos, nos contentámos com uma “lei pedagógica”
pensámos que esta seria uma forma dramática de fazer esta informação chegar ao
grande público. O que não contávamos era que os media simplesmente ignorassem a
história, não lhe dando qualquer cobertura.
Este poderia ter sido o momento de redenção para Ben
Sasse. A energia que o possui agora teria sido mais útil o ano passado,
obrigando a uma votação da lei no Senado, depois de ter passado na Câmara
Baixa. Ou se aprovava a lei, ou então os democratas seriam obrigados a tomar
posição sobre o assunto antes das eleições.
A sua desatenção levou-nos a perder essa vantagem. A
questão agora está em saber se, desta vez, ele será capaz de levar a coisa até
ao fim. Conseguirá romper com o blackout dos media e colocar este assunto onde
merce estar, isto é, no centro do debate público e na eleição de 2020?
Leia também:
- Batimentos Cardíacos e a Imaginação Judicial
- Chegou a Hora de Agir
- Aborto Selectivo e a Distorção das Almas
- Aniversários
- Princípios, úteros e paragens de autocarros
- Dignitatis Humanae: Uma Lição para um Mundo em Desaparecimento
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination (2004), The Philosophy
of Human Nature (2008),
e The Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 7 de Fevereiro de
2019)
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