Michael Pakaluk |
Uma vez que a escalada exige confiança máxima, é natural
os atletas formarem das mais próximas amizades humanas. Dizem que só a
irmandade sentida por soldados em batalha é que se compara. Se virmos a vida como
um desafio parecido com a difícil subida de uma montanha, então os parceiros de
escalada podem representar a verdadeira amizade. Não admira que tantos cristãos
se sintam atraídos pela escalada, ou por histórias de escalada.
Existe uma modalidade que se chama “livre solo” em que um
atleta sobe “livre”, isto é, sem a proteção dos cabos, e “solo”, isto é, sem a
ajuda de um parceiro. Nestes casos a colaboração não só se torna desnecessária
como seria mesmo um obstáculo. Um amador que se faz a um muro de escalada no
ginásio está a fazer “livro solo”, mas em segurança, a baixa altitude e por
cima de colchões.
Mas alguns escaladores verdadeiramente dotados praticam o
solo livre a alturas perigosas, onde um erro é morte certa. O melhor de todos é
o Alex Honnold, conhecido por ter subido em livre solo a Dawn Wall e o El
Capitan, em Yosemite. O “National Geographic” fez um documentário sobre a
segunda destas subidas.
O livre solo é eticamente controverso, mas antes de mais
consideremos a sua atratividade. O escalador pode mover-se mais depressa, logo
conserva melhor a sua força. E é uma coisa muito pura: rocha, céu e homem. Um
escalada bem-sucedida é um hino à perfeição: que demonstração de mestria
poderia ser mais suprema do que alguém que tem tanta confiança no seu controlo
que mal considera que a sua vida está em risco?
Do ponto de vista ético, o espírito do praticante de
livre solo parece altamente admirável. É a velha escolha de Aquiles: preferia
morrer em busca da perfeição, do que manter-se vivo mas a fazer algo que lhe
parece medíocre. Não foi Aristóteles quem disse que devíamos preferir uma “vida
boa” a “simplesmente viver”? Enquanto cristãos nós admiramos as pessoas que
arriscam tudo. O cardeal Newman ensinava que não estamos verdadeiramente a
viver como cristãos se não estivermos a arriscar todos os dias a nossa vida
inteira na premissa do Cristianismo ser verdade. (Ver a sua homilia “Ventures
of Faith”)
Podemos ainda olhar para as conquistas de Alex Honnold
com orgulho pela nossa humanidade partilhada. Ele parece colocar a raça humana
no cume da natureza. Nem uma cabra-montês conseguiria subir a Dawn Wall em
Yosemite. (Um insecto conseguiria, mas jamais o faria.) Chegado ao topo da
subida Honnold poderia afirmar, com razão “este é um salto de gigante para a
humanidade…” Agora, mais do que nunca, precisamos dessas fontes de orgulho. Os
ecologistas não o admitem, mas essa é a verdadeira razão por detrás da
popularidade de Honnold.
E por fim, entre a raça humana, o praticante de solo
livre parece provar a realidade daquilo a que Aristóteles e São Tomás chamaram
a virtude sobre-humana – uma virtude de tal maneira poderosa que excede os
limites normais da humanidade (tal como existe uma bestialidade no pecado). A
imagem de Honnold a ultrapassar uma Saliência particularmente difícil perto do
topo do El Capitan, suspenso mil metros por cima do vale, parece reveladora de
uma coragem sobre-humana.
Mas a modalidade de livre solo é também vista como
eticamente questionável. A escalada, dizem alguns, não é uma atividade “séria”
como é o combate, mas “recreativa” como o desporto e o entretenimento. Não vale
a pena arriscarmos a vida por ela, consideram. Desse ponto de vista praticar o livre
solo é tão insensato como tentar acabar um jogo de golfe no meio de uma
tempestade. E mesmo que os maiores feitos de livre solo mereçam esse risco,
outras tentativas claramente não valem a pena e nesse sentido celebrar os
feitos de homens como Honnold apenas encoraja outros a tentar o mesmo.
Se está a pensar em ver o documentário “Free Solo” do “National
Geographic”, então devo avisá-lo que só os últimos 15 minutos é que mostram a
famosa subida. O grosso do filme lida com a sua relação com a namorada, que
vive com ele na sua carrinha. Ele trata-a como uma fã monogâmica ligeiramente
irritante, enquanto que ela claramente gostaria que ele deixasse a escalada
para se casarem. O “National Geographic” viu-se obrigado a transformar este
documentário sobre escalada num “reality show” porque descobriu, ironicamente,
que Honnold simplesmente não se conseguia concentrar totalmente com uma equipa
de sete homens armados com câmaras a segui-lo escarpa acima. Por isso acabaram
por ter muito poucas imagens da própria subida, todas captadas a grande
distância, através de teleobjetivas.
Mas para os sábios a presença da namorada revela umas
verdades profundas sobre o amor e o casamento. Por exemplo: Ele não a ama a ela
mais do que à escalada (isto é, mais do que se ama a si mesmo). Ou, ele
comprometer-se a casar com ela implicaria comprometer-se a deixar de escalar,
mostrando que o casamento é uma instituição que nos eleva do egoísmo. Ou então,
se queremos ver a coisa pelo lado positivo, o celibato é necessário para um
modo de vida comparável ao de Honnold (basta pensar no sacerdócio).
Mas a sua presença revela ainda outra coisa
verdadeiramente perturbadora sobre a atração pelo livre solo. Se a escalada em
equipa representa a amizade, então o livre solo deve ser visto como
representando um tipo de autonomia que quase toca o autismo. Honnold, que foi
criado pela mãe divorciada, numa casa onde, segundo ele, não se falava em amor,
tem de bloquear, deliberadamente, toda a afetividade pela sua namorada para ter
sucesso. Ao ponto de lhe pedir que abandone a carrinha onde vivem nos dias
antes da escalada.
Eu fico maravilhado com pessoas como o Honnold. Mas isso
preocupa-me. Preocupa-me que nos maravilhamos – a nossa cultura maravilha-se –
com o livre solo, em vez de o achar desprezível. E isto porque nos atrai a
ideia da autonomia, mesmo que seja uma autonomia temerária, que arrisca tudo
por ambições que não têm qualquer valor para além da criação da vontade.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 19 de Fevereiro de
2019)
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