Hadley Arkes |
Na altura pensei apenas que a jovem senhora, apesar de
ser professora de Direito, era tremendamente limitada ao nível intelectual.
Nunca me ocorreu que era uma mostra dos tempos que aí vinham. Estávamos em
meados dos anos 90 e um grupo de colaboradores do First Things estava a
defender os nossos argumentos sobre o aborto e os abusos do poder judicial numa
faculdade de Direito em Nova Orleãs. Não querendo dizer que os nossos
adversários estavam em inferioridade, para além de mim estavam a lidar com o
padre Richard Neuhaus, Robert George e Russell Hittinger.
Num dos painéis eu estava a argumentar novamente que a
prole no útero nunca muda de espécie; que é humana em todas as fases da sua
existência; que o seu estatuto humano não pode depender do tamanho nem do peso
e que a criança é sem dúvida inocente de qualquer crime.
Foi nessa altura que a jovem professora de Direito me
surpreendeu. “Mas está no meu útero”, afirmou. Respondi rapidamente que na
minha opinião a questão essencial é que a criança é um ser humano inocente e
que a localização geográfica é totalmente irrelevante no que toca à licitude de
se matar um ser humano inocente. “A vítima podia estar numa paragem de
autocarro”, disse eu, que não faria
diferença nenhuma.
Foi aí que a jovem professora respondeu, indignada: “Está
a dizer que o meu útero é igual a uma paragem de autocarro?”. Respondi: “Espero
bem que não seja”.
Isto passou-se há cerca de 18 anos. Mas a cada dia que
passa parece que encontramos provas de que mesmo pessoas com educação superior
parecem ter dificuldade em compreender a noção de “princípio” que se aplica a
um argumento.
Costumo recorrer a um exemplo, como modelo de raciocínio
baseado em princípios, o texto que Lincoln escreveu, sobre uma conversa
imaginária com um esclavagista, em que se questiona a legitimidade de se
possuir escravos. Seria o escravo menos inteligente que o seu dono? Se for esse
o caso, então o dono sujeita-se a ser escravizado pelo próximo homem branco
mais inteligente que ele. Era uma questão de cor, podendo o mais claro
escravizar o mais escuro? Se sim, então um branco com pele mais clara do que a
sua poderia torná-lo escravo também.
Por outras palavras, qualquer princípio apresentado
servia tanto para justificar a escravatura de brancos como de negros.
Muitos de nós utilizamos o mesmo argumento em relação ao
aborto, ao perguntar porque é que o nascituro não está protegido pela lei. E da
mesma forma, descobrimos que não há qualquer princípio que possa justificar o
aborto que não seja aplicável a muitas pessoas que já se encontram bem fora do
útero. A criança não é desejada? Por
esse critério há muito que nos teríamos livrado de Joe Biden. A criança está dependente de outros? Não consideramos
que as pessoas perdem a sua humanidade na medida em que se tornam dependentes
dos cuidados de outros.
Na discussão sobre a homossexualidade a incompreensão é
ainda maior e é agravada por revolta. Já afirmei que mesmo os activistas
homossexuais considerarão que certas “orientações sexuais” são ilegítimas.
Discutem se a Associação de Amor entre Homens e Rapazes devia poder marchar na parada gay e podem ter reservas em relação
ao excitamento sexual conseguido através de sexo com animais, ou asfixia. Poderão
ter dúvidas, por isso, como todos nós temos, sobre se as pessoas comprometidas
com estas “orientações” deviam poder adoptar crianças.
Mas então como é que podemos justificar leis que, de
forma geral, proíbem toda a discriminação com base em “orientação sexual”? Entretanto
alguns dos licenciados da minha faculdade, hoje com sessenta e tal anos,
acusam-me de dizer que o sexo homossexual equivale a ter sexo com animais, ou
que estou a tratar os dois como analogia.
Mas não faço qualquer sugestão de “analogia”. Se eu
avançar a proposição de que “as pessoas deviam ser livres para fazer o que quiserem”,
isso abrange tanto o direito ao homicídio como ao plágio. Mas ninguém estaria a
sugerir que o homicídio é igual, ou análogo, ao plágio.
Um dos meus comentadores preferidos, Charles Krauthammer,
afirmou recentemente que se deve banir os abortos no terceiro trimestre porque
o bebé no útero podia agora ser visto claramente nas imagens das ecografias. Mas
para além disso ele não parece dar qualquer importância no nosso debate
político a um assunto que envolve a morte de mais de um milhão de pequenos e
inocentes seres humanos, por ano, neste país.
Mas certamente Krauthammer não pensa que um sexagenário
de 60 anos é mais humano que um ser humano pequeno no útero; nem admito que ele
possa achar que matar um sexagenário seja pior do que matar uma criança de dois
anos.
Aconteceu alguma coisa enquanto eu estava distraído?
Alguma coisa que tenha afectado até as nossas “melhores cabeças”? Ouvimos falar
tanto da polarização da nossa política, mas a maior preocupação, presente em
ambos os partidos, é a profunda erosão das mentes das pessoas que compõem as
nossas classes políticas.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone of the Natural Law.
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