Pe. Carter Griffin |
Esta é uma solução que, nas palavras de um crítico
literário, é “limpa, plausível e errada”.
O problema não é o celibato. Dizer que os abusos sexuais
entre o clero são causados pelo celibato é como dizer que a culpa do adultério
é do casamento. Em ambos os casos estamos perante violações de votos sagrados,
promessas que beneficiam da ajuda do Senhor para serem vividas fielmente. Por
outras palavras, permitir aos padres que se casem não evitaria as transgressões
sexuais. O casamento, infelizmente, não é um espaço imune ao escândalo e ao
abuso sexual.
O problema não está no celibato, está no celibato mal
vivido. É causado por padres que não vivem castamente. A resposta não é a
eliminação do celibato, mas exigir que os padres, tal como as pessoas casadas,
vivam a exigência da sua vocação.
De facto, o celibato é em si um dom precioso e
insubstituível para a Igreja. Costuma ser definido de forma negativa, como “não
casar”, mas é antes uma escolha positiva, uma forma poderosa de amar, com uma
unicidade de propósito e uma abertura de coração única. Permite a um padre
viver a sua paternidade espiritual com particular força e eficácia.
Durante séculos os benefícios espirituais do celibato
sacerdotal enriqueceram a Igreja e até a cultura mais alargada. Abolir o
celibato num momento de desespero não só não resolveria o problema dos abusos
sexuais, como também privava as gerações futuras das inúmeras graças de
paternidade espiritual que nos chegam através do celibato sacerdotal.
Mas então como é que podemos explicar esta tempestade de
escândalos? A história não é bonita, mas há boas notícias para o fim.
Em primeiro lugar, durante décadas houve
surpreendentemente pouco escrutínio dos candidatos à formação sacerdotal.
Normalmente bastava a recomendação de um pároco e uma demonstração de aptidão
académica, não havendo investigação rigorosa da maturidade espiritual nem do
carácter moral, referências ou exames psicológicos.
A Igreja insistiu persistentemente que homens com
inclinações homossexuais não deviam ser admitidos ao seminário (o documento
mais recente neste sentido foi aprovado pelo Papa Francisco em 2016). Todavia,
estes homens eram admitidos em grande número.
A maioria dos padres com atração pelo mesmo sexo não são,
claro, culpados de abusos sexuais e vivem fielmente. Ainda assim, a grande maioria dos casos de abusos por padres envolvem o abuso homossexual de
rapazes. Por mais controversa que tenha sido, a sabedoria da Igreja tornou-se hoje claríssima.
Ignorá-la tem tido consequências terríveis para a vida de milhares de jovens ao
longo de várias décadas.
Em segundo lugar, durante anos os seminaristas receberam
uma formação lamentavelmente inadequada para viver o celibato casto. Segundo o
testemunho de padres formados nesses anos turbulentos entre as décadas de 70 e
80, a vida interior e as práticas ascéticas necessárias para sustentar uma
castidade saudável não eram inculcadas. Muitos homens foram mesmo ordenados com
a ideia errada, reforçada pelos formadores no seminário, de que a obrigação do
celibato seria em breve abolida.
Nalguns seminários existia uma cultura de libertinagem
sexual entre seminaristas e até entre formadores que corrompia jovens
vulneráveis ou afastava, enojados, os que procuravam a virtude. A situação era
tanto pior quanto, em muitos seminários, a dissidência teológica e a
experimentação litúrgica eram uma praga, levando a uma duplicidade hipócrita
que os homens levaram com eles para o sacerdócio.
A infidelidade intelectual conduz, invariavelmente, à
infidelidade moral. Se eu posso distorcer os ensinamentos da Igreja ao sabor
das minhas opiniões, preferências e desejos, porque é que hei de limitar essa
arrogância às proposições dogmáticas e normas litúrgicas? Porque não aos
preceitos morais também? O preço a pagar na Igreja pela dissidência que durante
anos fermentou nas faculdades de teologia tem sido muito alto tanto em termos
de confusão doutrinal e litúrgica como, diria, em termos de abusos sexuais.
Por fim, depois de ordenados, alguns dos padres que
cresceram neste clima de duplicidade permissiva foram, sem grandes surpresas,
infiéis. E raramente foram censurados por isso pelos seus superiores. Alguns
foram transferidos para novos serviços, quase nenhum foi demitido do estado
clerical. Muitos bispos perderam a coragem e a confiança. A dimensão da
corrupção entre o clero era uma vergonha embaraçosa para os bispos e o
resultado é que surgiu uma cultura de profundo secretismo que agora está a ser
revelada.
Felizmente a história não acaba aqui. Contra todas as
expectativas, muitos padres e bispos permaneceram fiéis através dessas décadas
negras e hoje honramos o seu testemunho heroico. Depois, em 1992, foi publicado
o documento seminal Pastores Dabo Vobis em que São João Paulo II propôs um retrato estimulante do
sacerdócio e da formação nos seminários.
Nos anos seguintes este documento foi aplicado de forma
desigual pelo mundo, mas o aumento da qualidade da formação foi inquestionável.
Os requisitos para admissão na maioria das dioceses têm aumentado e a qualidade
de formação na maioria dos seminários melhorou drasticamente. Embora muitas
pessoas não o compreendam, a reforma do clero começou há bem mais de duas
décadas.
Claro que ainda há muito para fazer. Uma vez que o
celibato é uma forma privilegiada de viver a paternidade espiritual, devemos
continuar a melhorar a seleção e formação de futuros padres à luz dessa
paternidade. Eles devem estar imbuídos de uma identidade masculina confiante e
um desejo normal e saudável pelo casamento e pela paternidade, bem como a
capacidade madura de poder abdicar destes grandes dons para se poderem focar na
paternidade sobrenatural e possuir, ou demonstrar aptidão para, as qualidades e
virtudes humanas dos melhores pais naturais.
Depois de ordenados, os padres devem ter de viver segundo
os mais altos padrões de castidade. Deve-se lidar com as violações desse
compromisso de forma consistente, imediata e justa, com a seriedade
correspondente a uma violação de confiança grave contra a família espiritual. A
castidade – serena, profunda e alegre – ao serviço da paternidade espiritual é
sem dúvida o caminho para uma reforma genuína no sacerdócio.
Com a melhor das intenções, os médicos medievais
costumavam tratar as doenças sangrando os seus pacientes. Sem o saber, estavam
a privá-los dos nutrientes de que precisavam para se curar. Aqueles que
procuram curar a doença dos abusos sexuais na Igreja sangrando-a da graça do
celibato não conseguirão curar a doença e privarão o corpo de Cristo dos
nutrientes tão necessários à restituição da saúde.
Se queremos abordar o problema dos abusos sexuais
praticados por membros do clero, podemos começar por exigir a mesma fidelidade
aos nossos padres que exigimos a toda a gente, convidando-os a abraçar, através
do dom do celibato, as bênçãos da paternidade sacerdotal de que precisamos mais
do que nunca.
O padre Carter Griffin é sacerdote da Arquidiocese de
Washington. Está envolvido, desde 2011, com a seleção e formação de
seminaristas no Seminário São João Paulo II, em Washington, DC. O padre Griffin
é licenciado pela Universidade de Princeton e é ex-oficial da marinha
americana. O seu livro Why Celibacy?: Reclaiming the Fatherhood of the Priest, será publicado pela Emmaus
Road na Primavera. Uma versão mais longa desta deste artigo pode ser
lido no site do First Things.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 24 de fevereiro de
2019)
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