Hadley Arkes |
Na Era de Obama aquilo que em tempos era inimaginável na
nossa política e no direito tem-se tornado gradualmente “normal”, de tal forma
integrado nas nossas vidas que mal se dá por ele. Em Setembro, como já fiz
questão de dizer, 177 democratas no Congresso votaram contra uma lei que
puniria “cirurgiões” que matam bebés que sobrevivem ao aborto. Até católicos
notáveis na imprensa não acham que o assunto seja suficientemente importante
para referir quando entrevistam Hillary Clinton, Donald Trump ou outros
candidatos.
E caso não tenham estado a prestar atenção às notícias
das últimas semanas, houve outra questão recente que tornou o bizarro não só
plausível mas mesmo obrigatório nas nossas leis. Um tribunal anulou a decisão
da Comissão de Educação do Estado da Virgínia, que obrigava as crianças a usar
as casas de banho nas suas escolas de acordo com o seu sexo biológico.
O juiz Henry Floyd, nomeado por Obama, decidiu a dar crédito
à ideia de que a Lei dos Direitos Civis [Civil Rights Act], que proíbe a
discriminação sexual, pode agora ser lida de forma a abranger a discriminação
de “género”. Ou seja, que a lei pode ser usada para obrigar a respeitar a visão
que um jovem tem da sua própria “identidade” sexual, independentemente da sua
anatomia.
O artigo IX das Emendas da Educação de 1972 torna claro que
ao proibir a discriminação sexual a lei não puniria as instituições de ensino
por manterem “residências separadas, com base no sexo”. O sentido de sexo,
aqui, era claramente de “homens e mulheres”, rapazes e raparigas, e seria muito
pouco plausível por parte da administração promulgar uma lei tão claramente
distante dos estatutos e do senso comum.
O juiz Floyd decidiu impor essa leitura da lei com base
apenas num parecer escrito pela Divisão dos Direitos Civis do Departamento de
Educação. Na mesma altura, a Procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta
Lynch, acusou o congresso estadual da Carolina do Norte de violar a Lei dos
Direitos Civis, fazendo uma leitura idêntica do estatuto.
O congresso estadual tinha anulado a política adoptada em
Charlotte, consagrando o direito de pessoas “transgénero” a usar a casa de
banho que quiserem, independentemente dos sentimentos de terceiros. A
procuradora-geral fez acompanhar a sua decisão de uma ameaça de cortar os
fundos federais que o sistema educativo da Carolina do Norte recebe, em todos
os níveis de ensino.
Vou deixar de lado, por hoje, a questão da
implausibilidade da fantasia do “transgénero”. O Dr. Paul McHugh, da Escola de
Medicina da John Hopkins, deixou de fazer operações de mudança de órgãos
sexuais. Segundo ele, os estudos revelam um triste encadeamento de depressão,
bem como um desejo de “voltar atrás” quando se torna claro que a operação não
consegue alterar os factos profundos da natureza sobre aquilo que nos constitui.
Estes jovens confusos precisam de aconselhamento sério e não de cirurgia.
Neste momento o meu enfoque é outro. Aquilo a que estamos
a assistir é, em primeiro lugar, a esquerda libertada de qualquer respeito pelo
lugar da “natureza” e das restrições morais em matéria de sexualidade.
Estamos ainda a assistir a uma vontade por parte da esquerda
de utilizar os poderes do Estado administrativo, separados de qualquer ligação
plausível aos estatutos que, por si só, constituem as bases de autoridade das
ordens administrativas.
E vemos ainda a disposição de alargar os poderes do
governo federal de tal forma que tornam nulas as barreiras e as restrições do
federalismo.
Entre 2001 e 2011, o financiamento federal das escolas na
Carolina do Norte aumentaram em cerca de 400 milhões de dólares. Quando eu era mais
novo, nos dias de Eisenhower, o financiamento federal da educação era uma
questão séria. À medida que esses subsídios foram sendo alargados, tanto aqui
como noutras áreas, temos visto crescer o poder do governo federal para
manipular os Estados, chegando ao ponto de impor uma política perversa.
Já escrevi antes neste espaço, registando o meu
desconforto, partilhado por muitos, sobre o facto de ter de escolher entre
Clinton e Trump e, por enquanto, decidi-me pelo “joker” em vez da “Coisa Certa
e Brutal”. Tenho amigos, porém, que dizem que mais vale esperar quatro anos,
deixar a Hillary nomear o sucessor de Scalia [juiz do Supremo Tribunal que
morreu este ano] e absorver o mal que for feito, em vez de arriscar ver o Trump
transformar o partido conservador.
Mas temo que os meus amigos sejam demasiado optimistas.
Subestimem seriamente a profundidade dos danos que podem ser infligidos se uma
administração de esquerda encher os tribunais federais menores de juízes como
Floyd. Esses juízes estarão mais que dispostos a defender as teorias dos
intelectuais de esquerda sobre sexualidade e a extensão dos poderes executivos
bem para lá dos limites da Constituição.
Estamos a subestimar seriamente o facto de que se estas
novidades e corrupções continuarem durante mais quatro ou oito anos, poderão
tornar-se de tal forma entranhados que serão impossíveis de desenraizar. Chegou
a hora de homens e mulheres prudentes morderem o lábio e fazerem o que é
preciso fazer.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone
of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 17 de Maio
de 2016 em The Catholic Thing)
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