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Ines A. Murzaku |
Santa Teresa de Calcutá e São João Paulo II tinham uma
relação especial, uma amizade que foi confirmada para a eternidade pela
canonização desta no passado dia 4 de Setembro. Lembram-se da imagem de São
João Paulo II a beijar a cabeça daquela pequena mulher enquanto ela segurava na
mão dele? Para o Papa polaco, nas palavras de George Weigel, a Madre Teresa era
uma “pessoa-mensagem” para o Século XX.
Madre Teresa e São João Paulo II, o homem e a mulher do
Século, juntos fizeram e mudaram a história. Eram peregrinos da paz, indivíduos
profundamente apaixonados por Deus e pelo próximo, defensores dos pobres e dos
marginalizados, promotores da liberdade e da dignidade humanas. Para além
disso, o que São João Paulo II testemunhou na Madre Teresa foi aquilo a que
chamou o mistério da mulher e as grandes obras de Deus em, e através de, a
mulher.
A Madre Teresa e São João Paulo II acreditavam nos mesmos
princípios de apostolado:
Abriram os braços da Igreja às pessoas e trouxeram para a
fé um sentido de família e de pertença. A sua amizade era tão profunda e gentil
que monsenhor Francesco Follo, Observador Permanente da Santa Sé na UNESCO, que
trabalhou de perto com as Missionárias da Caridade em Itália e em França,
escreveu no seu livro sobre João Paulo II que madre Teresa representava “a
dimensão feminina de João Paulo II”.
Madre Teresa e Karol Wojtyla, então Cardeal Arcebispo de
Cracóvia, conheceram-se pela primeira vez em Fevereiro de 1973, no 40º
Congresso Eucarístico Mundial, em Melbourne, cujo tema era o mandamento novo de
Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Foi a primeira vez que
Wojtyla esteve exposto ao Novo Mundo.
No seu diário pessoal, o futuro Papa mencionou ter
conhecido Madre Teresa. Ela, na verdade, sentia-se em casa em Melbourne, as
Missionárias da Caridade tinham inaugurado a sua primeira casa na Austrália em
1970, lidando com outras formas de pobreza, diferentes das que encontravam na
Índia, incluindo alcoolismo, toxicodependência e as necessidades espirituais
dos idosos. Ela acreditava que os homens e as mulheres alcoólicos da Austrália
deviam ter mais do que abrigo e comida, que precisavam de ser amados e
reabilitados para se poderem reintegrar na sociedade.
Em 1976 os dois encontraram-se novamente em Filadélfia,
noutro Congresso Eucarístico, desta vez subordinado ao tema Jesus, o Pão da
Vida. Por estranho que nos possa parecer, nem um nem outro era ainda muito
conhecido no mundo católico. Mas os seus discursos tiveram muito impacto. Madre
Teresa falou da fome física e do amor pelas coisas pequenas e o Cardeal, que
conhecia em primeira mão os regimes totalitários, fez um apelo em nome daqueles
a quem era negada a liberdade e que sofriam por detrás da Cortina de Ferro. Fome
de pão e fome de liberdade – bem como a luta contra o sofrimento humano –
estavam a contribuir para consolidar uma amizade duradoura e uma causa comum.
Os encontros em Melbourne e em Filadélfia com Madre
Teresa e com o seu trabalho missionário devem ter tido um impacto profundo no
Papa. Em 1986, durante uma visita de dez dias à Índia, ele rezou em Nirmal
Hriday – Casa dos Puros de Coração, gerido pelas Irmãs da Caridade em Calcutá.
Nessa casa, fundada em 1950 por Madre Teresa, dava-se assistência e tratava-se
o sofrimento dos doentes, pobres e moribundos. O Papa, liderado por Madre
Teresa, parou junto a cada um dos 86 doentes, alimentando à colher os doentes e
moribundos. No fim da visita disse que “Nirmal Hriday é um local de esperança,
uma casa assente na coragem e na fé, onde reina o amor”.
Ironicamente, foi numa casa localizada nos terrenos de um
antigo templo hindu dedicado à deusa Kali que o Papa encontrou o mistério do
sofrimento e do amor humano. Na verdade, o sofrimento e o amor humano são
universais, transcendem nações, religiões, afectam ricos e pobres. A visita
histórica de São João Paulo II à Índia e o seu encontro com Madre Teresa estão
imortalizados em duas estátuas de tamanho real do Papa e da missionária no
Santuário Nacional de São Tomé, Apóstolo da Índia.
O Papa ficou de tal forma emocionado pela pobreza e pelo
sofrimento humanos que testemunhou na Índia que em 1988, durante o Ano Mariano,
foi inaugurada a casa Dom de Maria, próxima da imponente colunata da Basílica
de São Pedro. Madre Teresa deu-lhe esse nome na esperança de que “seja sempre
possível experimentar, aqui, o amor da Virgem Santa”. A casa distribui comida e
roupa a centenas de pobres em Roma e fornece abrigo e assistência médica a
mulheres em situações de perigo.
São João Paulo II visitou a Albânia em 1993. Era a
primeira vez que um Papa estava no país. No seu discurso aos albaneses, uma
nação maioritariamente muçulmana e que tinha vivido debaixo do comunismo, o
Papa falou sobre a liberdade, conquistada recentemente depois de décadas de
perseguição severa e de martírio. Entre os albaneses que estavam lá para
receber o Papa estava a Madre Teresa.
Ela tinha visitado a Albânia em 1989, quando ainda estava
sob jugo comunista, por motivos “privados” – para rezar nas campas da sua mãe
Drane e da sua irmã Age Bojaxhiu, que estavam sepultadas em Tirana, a capital
da Albânia. Apesar dos esforços diplomáticos de mais alto nível, o Governo
comunista negou a entrada à Madre Teresa durante quase vinte anos. Se a sua
visita de 1989 foi um indicador dos primeiros sinais de abertura e da queda do
último bastião do Comunismo na Europa de Leste, a visita de São João Paulo II
em 1993 foi uma celebração da liberdade naquele que tinha sido o primeiro
“estado ateu” do mundo.
No seu discurso ao povo albanês o Papa expressou gratidão
à Madre Teresa e à sua missão universal para alimentar os famintos do mundo:
“Mesmo nos tempos do isolamento total da Albânia, foi esta humilde religiosa,
esta humilde servidora dos mais pobres dos pobres, que levou pelo mundo o nome
do vosso país. Na Madre Teresa a Albânia foi sempre estimada… Hoje,
agradeço-vos em nome da Igreja Universal, agradeço-vos, queridos albaneses, por
esta filha da vossa terra e do vosso povo”.
A Madre Teresa, canonizada no domingo passado, e São João
Paulo II, eram figuras universais a servir a Igreja universal com uma missão
universal. O que os unia e consolidava a sua amizade eram a compaixão pelo
sofrimento do mundo e um profundo respeito pela dignidade e liberdade humanas,
alimentado de forma particular pelo Catolicismo. Como todos os santos, eles
recordam-nos da profunda ligação entre o amor de Deus e o amor pelo homem.
Ines A. Murzaku é
uma nova colaboradora do The Catholic Thing. É professora de Religião na
Universidade de Seton Hall. Tem artigos publicados em vários artigos e livros.
O mais recente é Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics.
Colaborou com vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia)
durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na
Europa de Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.
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