Randall Smith |
Muitos dos leitores já saberão que um grupo de 141 académicos católicos, na
maior parte da Europa e dos Estados Unidos, assinou algo que se chama a
Declaração de Wijngaards, que deriva o seu nome do Instituto Wijngaards de
Investigação Católica (“Promovendo a Igualdade de Género e a Partilha de
Responsabilidades na Igreja” desde 1983). Esta declaração foi posteriormente
apresentada nas Nações Unidas para – o quê precisamente? Aprovação? Diversão?
Leitura de tempos livres? Parece que os signatários consideram que a Igreja
deve mudar o seu ensinamento sobre contracepção. Ui, que modernos que eles são!
Felizmente, outro grupo de académicos católicos redigiu um documento de
resposta: “A afirmação do Ensinamento da Igreja Católica sobre o Dom da Sexualidade”. Este segundo documento, talvez goste de saber, conta actualmente
com mais de 500 assinaturas de académicos com doutoramentos ou o equivalente
nos ramos de Medicina, Direito, Filosofia e Teologia.
Muitos católicos pensam que a discussão sobre contracepção remonta à
encíclica Humanae Vitae de Paulo VI, de 1968. Mas isso não é bem verdade, uma
vez que as raízes desse ensinamento vêm bastante detrás. Em larga medida,
Paulo VI estava meramente a reiterar, nas suas palavras, um ensinamento
anterior. Alguns católicos poderão recordar-se (ou ter aprendido sobre) a
encíclica Casti Connubii de Pio XI de 1930. Também esta é importante, mas não é
a fonte original.
Então exactamente quão antiga é a oposição da Igreja à
contracepção? 1920? 1900? 1880? Afinal de contas, a contracepção é um fenómeno
relativmente recente, certo?
Acontece que não. Quem se der ao trabalho de dar uma
vista de olhos nos detalhes, por vezes grotescos, do livro “Contraception: AHistory of its Treatment by the Catholic Theologians and Canonists”, escrito
por John T. Noonan – algo que, a propósito, e por várias razões, não recomendo –
verá que as pessoas andam a enfiar substâncias terríveis pelas mulheres a
dentro para tentar evitar que tenham filhos há muito tempo. Há quanto,
precisamente? De acordo com Noonan, “cinco papiros diferentes, todos de entre
os anos 1900 e 1100 A.C. (Sim, antes de Cristo), incluem receitas para
preparações contraceptivas a serem usadas…” – bem, digamos que, de formas que
eu preferia não ter de descrever.
Tendo em conta os ingredientes – bosta pulverizada de crocodilo em mucilagem fermentada? Mel com carbonato de sódio? Estas mistelas dificilmente
poderiam fazer bem às mulheres que eram obrigadas a tomá-las. Digo “obrigadas”,
porque estamos a falar da época antes de os homens terem conseguido convencer
as mulheres que a contracepção é uma expressão potente da sua autonomia e não o
resultado evidente dos desejos sexuais vorazes daqueles.
Pode-nos parecer que estas misturas eram nojentas, mas
seriam assim tão diferentes da prática moderna de encher a mulher de hormonas
para convencer o seu corpo de que está gravida? E o estrogéneo todo que usam,
de onde acham que vem? Se for ver à internet que é sintetizado, terá de
perguntar, sintentizado a partir de quê? Como? Com que químicos? Como é que é “cultivado”?
De que animais é extraído? Quando se começa a ver a questão com mais atenção,
percebemos que a ideia de bosta pulverizada de crocodilo em mucilagem fermentada
afinal não é uma coisa assim tão estranha. Mas fosse qual fosse o ingrediente,
muitas civilizações antigas tinham métodos ou mezinhas que acreditavam poder
prevenir uma mulher de engravidar depois de ter relações sexuais. Nós, claro,
temos os nossos.
E como é que a Igreja primitiva via tudo isto?
Enfrentada por uma cultura romana que na maior parte não tinha qualquer
problema com contracepção e aborto, tanto quanto conseguimos perceber os
cristãos primitivos opunham-se a ela. No importante texto do primeiro século, o
“Didaqué”, ou “O ensinamento dos Doze Apóstolos”, o autor, cujo nome
desconhecemos, distingue a Via da Vida da Via da Morte.
A Via da Morte, como podemos supor, estava recheada de
pecados, um dos quais incluía fazer uso de pharmakeia que são “assassinos de
crianças, corruptores da imagem de Deus”. Parece ser uma referência a drogas
abortivas ou contraceptivas. O mesmo ensinamento surge na Epístola de Barnabé,
do século primeiro. Encontramos ainda na Paedagogus, de Clemente de Alexandria,
a admoestação moral: “Por causa da sua instituição divina para a propagação do
homem, a semente não deve ser ejaculada em vão, nem deve ser danificada, nem
deve ser desperdiçada”.
Para além destas condenações expressas, o que é mais
revelador é a insistência repetida, entre todos os padres da Igreja, da
inseperabilidade do acto sexual e do propósito procriativo. Trata-se de uma
preocupação constante e de um tema repetido nas pregações e no ensinamento. “Nós
cristãos”, escreveu o apologista Justino Mártir, “ou casamos para poder produzir
filhos ou, se nos recusamos a casar, somos absolutamente continentes”. De igual
forma, o bispo Atenágoras, do século II, afirmou numa carta escrita ao
imperador no ano 177 que os cristãos não praticam o coito para satisfazer os
desejos. Antes, “a procriação de filhos é a medida do desejo dos nossas
apetites.”
Naturalmente, o que temos aqui é um mero resumo
simplificado destes textos. Cada um deve ser lido no seu contexto original. Nem
cheguei ao desenvolvimento mais sério destes ensinamentos noutros padres como
Agostinnho, Aquino e muitos outros, ao longo dos séculos. Acredito que é seguro
dizer-se que o ensinamento que vemos reflectido no Humanae Vitae e nos
desenvolvimentos posteriores levados a cabo por João Paulo II – de que não se
deve separar as dimensões procriativa e unitiva do acto conjugal – remonta ao
início da Igreja e que tem sido constantemente reafirmada desde então.
Mas sabem como é… Agostinho, Aquino, os primeiros
padres da Igreja e 2000 anos de pensamento moral sobre esta questão de um lado
e 141 “académicos”, na maior parte da Europa, onde a Igreja está morta (uma das
signatárias é uma baronesa de verdade) a apresentar um documento numa reunião
da ONU do outro lado,
Ena, é difícil saber que posição, a favor ou contra, devemos tomar sobre esta questão. Talvez o melhor seja atirar uma moeda ao ar.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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