Brad Miner |
O que é que Pio XII sabia sobre o regime nazi na
Alemanha, e será que fez o suficiente para o combater? Terá feito o suficiente
para salvar os judeus de serem massacrados pelos nazis, tanto em Roma e no
resto da Europa? Estas e outras questões continuam em aberto, mas podem ser esclarecidas
se o Papa Francisco quiser.
O Canal National Geographic (NatGeoTV, para os amigos)
está a transmitir um novo “ecodrama” chamado “O Papa vs. Hitler”, sobre o braço
de ferro entre Pio XII e Adolfo Hitler. O filme recorre a uma dúzia de bons
historiadores, o principal dos quais é Mark Riebling, autor de “Church of Spies”. Outros peritos consultados incluem o padre George W. Rutler,
Eric Metaxas e Nigel Jones. Poderia nomeá-los a todos, mas mais vale avançar
com a recensão.
Respondendo à primeira questão apresentada em cima: O
Papa sabia muito. “O Papa vs. Hitler” demonstra que Pio XII se esforçou por
boicotar o regime nazi logo desde o início. E mesmo antes disso, uma vez que,
enquanto Secretário de Estado do Vaticano, foi ele o principal autor de “Mit
brennender Sorge” (Com Ardente Preocupação 1937), a única das encíclicas de Pio
XI que não foi originalmente publicada em Latim. Trata-se de uma forte
condenação dos ataques dos nazis à Igreja e aos judeus alemães convertidos ao
Catolicismo. Mas não diz nada sobre a desapropriação, deportação e detenção de
judeus por parte do regime. (O primeiro dos campos de morte começou a operar em
1939).
Houve uma primeira tentativa de assassinato de Hitler,
levada a cabo por membros da Abwehr, a divisão de informação do exército
alemão. O Papa Pio XII deu-lhe o seu apoio. Mas o plano acabou por não ser
bem-sucedido e depois disso as acções do Papa a este respeito tornaram-se mais
circunspectas. Na verdade, todas as nobres conspirações contra Hitler falharam.
Nas palavras de Nigel Jones: “É quase como se o Diabo
estivesse do seu lado”.
Pois… Sim.
Antes, durante e depois da guerra, o Papa Pacelli foi
avisado de que quaisquer intervenções mais fortes da sua parte levariam a um
aumento das já pesadas restrições contra a Igreja e os católicos nos países
ocupados pelos alemães.
Este estilo de programa, claro, mistura imagens de
arquivo, especialistas e encenações de eventos históricos. E nesse sentido é um
exemplo bem conseguido. A meu ver, é também uma avaliação globalmente positiva
de Pio XII. Mas não totalmente. O rabino Shmuley Boteach diz que entre os
historiadores existe um “consenso” de que a Shoah (o holocausto) “não poderia
ter tido a magnitude” que teve se o Papa tivesse condenado mais firmemente a
solução final nazi. O historiador britânico Geoffrey Robertson concorda: “A
condenação do Papa teria tido repercussões em todo o mundo”.
Não duvido que isso seja verdade, mas uma visita ao Museu
Americano do Holocausto em Washington D.C., mostra que os relatos sobre os
crimes dos nazis eram frequentemente ignorados ou desvalorizados, tanto pelo
New York Times como pela Administração Roosevelt.
Uma boa parte de “O Papa vs. Hitler” lida com as
conspirações falhadas contra o Führer, o que é interessante do ponto de vista
histórico, embora bastante conhecido, sobretudo no que diz respeito à tentativa
mais famosa, com nome de código Valquíria, levada a cabo pelo coronel Claus von
Stauffenberg no dia 20 de Julho de 1944. Quase que foi bem-sucedida.
Stauffenberg devia ser um católico devoto (os historiadores divergem neste
ponto), mas neste caso não recebeu qualquer apoio ou encorajamento do Vaticano.
Então porque é que aparece no filme?
Talvez porque na véspera de colocar a mala-bomba perto de
Hitler, Stauffenberg foi-se confessar e, segundo Riebling, pediu e recebeu a
“Absolvição de São Leão”. É a primeira vez que ouço falar de tal coisa: perdão
dos pecados antes de uma batalha, dada por vezes a soldados.
Resumindo, parece claro que Pio XII não era “o Papa de
Hitler”, como tem sido apelidado por alguns.
Mas isso leva-nos à segunda questão: Será que o Papa fez
o suficiente para livrar os judeus do genocídio? O rabino Boteach reconhece que
o Papa escondeu judeus sempre que possível – em mosteiros e em catacumbas – mas
quando centenas de judeus de Roma foram detidos e colocados em comboios para
seguir para os campos de morte (de entre os quais apenas uma mão cheia
sobreviveu), o Papa não reagiu. Se o Papa tivesse ido à estação e dito aos
soldados alemães – entre os quais certamente havia alguns católicos – que
estavam a colaborar com um pecado mortal, quais teriam sido as consequências?
Bom, esse é o problema, não é? Na história as coisas ou
se fizeram ou não se fizeram e apenas podemos julgar o que aconteceu, não o que
poderá ter acontecido.
E isso leva-me ao pedido: Papa Francisco, revele por
favor o material de arquivo do pontificado do seu venerável antecessor Eugenio
Pacelli relativo aos anos da guerra.
Passei vários anos a fazer investigação para um livro
(sobre o qual escreverei mais tarde) nos arquivos da Diocese de Nova Iorque e
compreendo porque é que o material de arquivo deve ser selado durante um certo
período. O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, não concorda, porque tem uma
visão absolutista de que a verdade nunca deve ser escondida. Isso é um
disparate, e não apenas no que diz respeito a dados secretos.
Tanto eu como o meu co-autor (o Sr. Marlin) não pudemos
ver vários ficheiros sobre o Cardeal John O’Connor, que morreu no ano 2000.
Isso pode dever-se ao facto de haver, nesses documentos, afirmações sobre
pessoas que ainda estão vivas e que são difamatórias, ou que não são verdade,
ou ambos. A regra é esperar 25 anos. Tanto quanto sei, o Vaticano espera 75.
Isso implica reter os arquivos de Pio XII, que morreu em
1958, até 2033. Mas porque não libertar alguns documentos agora? Pelo menos até
1940, com os restantes anos da guerra a serem tornados públicos até 2020?
Ajudaria certamente a responder a várias questões e isso é algo que a Igreja
deveria querer fazer o mais rapidamente possível.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 9 de Setembro
de 2016 em The Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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