Curt Lampkin |
Os crentes costumam dizer que é em nome de um bem maior que
Deus permite os males que vemos no mundo. Mas pressionados a dizer que bem
poderá vir da dor e sofrimento que se segue a um terramoto terrível ou – como
acabamos de assistir em Boston – a um atentado terrorista, muitas vezes ficam
sem argumentos.
Este parece ser um poderoso argumento contra Deus e tem
levado não poucas pessoas a duvidar do seu amor por nós, ou mesmo da sua
existência. A principal objecção prende-se com o tamanho e a natureza repentina
do aparente mal.
Reflectindo, porém, as catástrofes repentinas ou grandes não
são desprovidas de sentido, como podem parecer, nem provam a inexistência de um
Deus que nos ama ou que permite o mal por boas razões.
A única forma de medir o amor é pelo sofrimento e sacrifício.
Quem não está disposto a sofrer e/ou sacrificar-se pelo seu amado revela um
amor que não é forte – que na verdade nem é amor. A profundidade do sacrifício
e do sofrimento revela a força do amor.
A Paixão e Crucificação de Jesus mostram o quão grande é o
seu amor por nós. Por isso parece razoável que Deus queira algum sinal do nosso
amor por Ele, tendo em conta que o primeiro mandamento nos pede que amemos Deus
com todas as nossas forças e todo o nosso coração. Isto pode servir de aviso de
que algum sacrifício e sofrimento farão parte do nosso futuro.
A ideia de um Deus a formar cruzes, ou caminhos de
sofrimento, para o nosso benefício é bem conhecida da Igreja. As pessoas com
vidas luxuosas e moles tendem a ter carácter fracos, resultantes de não terem
sido suficientemente desafiados ou testados. É tal como os atletas que não têm
verdadeira competição. Não chegam a desenvolver os seus talentos. A experiência
de muitos, ao longo dos séculos, comprova que a força de carácter é
desenvolvida quando lidamos com dificuldades.
Consideremos estes aspectos do sofrimento:
1. O sofrimento separa-nos do mundo e aumenta a nossa
capacidade de escuta da mensagem de Deus. Deus fala numa “voz mansa e
delicada”, que é facilmente abafada pelo ruído do mundo. O sofrimento capta-nos
a atenção.
2. O sofrimento pode envolver dificuldades económicas,
físicas, mentais ou espirituais, ou qualquer combinação dos mesmos. As
dificuldades podem levar-nos a concentrar as nossas atenções naquilo que
verdadeiramente nos faz falta.
3. O sofrimento pode alterar radicalmente a nossa relação
pessoal com outras pessoas, e pode mudar a nossa perspectiva sobre nós mesmos,
elevando ou diminuindo a nossa auto-estima.
Se os efeitos do sofrimento são benéficos ou prejudiciais a
longo prazo depende da nossa atitude, força de carácter e sentido de valores. A
ideia de um Deus que cria, ou pelo menos permite, uma “cruz pessoal” para cada
um de nós parece aceitável, ou até inevitável. Pensemos nele como um treinador
a tentar desenvolver o talento de um atleta.
Algumas pessoas pensam que as cruzes pessoais precisam de
tempo para alcançar os objectivos. Como é que se pode justificar isto à luz de
um terramoto ou atentado terrorista, em que a morte pode ser repentina? De
facto, uma morte repentina e inesperada não difere muito de qualquer outra
morte, como por exemplo de doença ou de idade ou de acidente.
Vigília pelas vítimas do atentado de Boston |
Do ponto de vista cristão a morte é a porta para a vida
eterna. Como os próprios pagãos compreendiam, essa porta está sempre aberta e é
bom que sejamos recordados dessa verdade. A tragédia está na angústia dos
sobreviventes que não tiveram tempo de se preparar. Em todo o caso, esse
sofrimento repentino não contradiz a ideia de um “Deus bom”.
Numa grande e repentina calamidade, a principal objecção a
Deus parece ser o número de mortes. Mas ao longo de uma semana o número de
pessoas que morre em acidentes de carro costuma ser bem maior que as vítimas de
qualquer terramoto ou atentado.
Num sismo, ou num atentado, os sobreviventes sofrerão perdas
económicas, pessoais, físicas ou mentais repentinas. Por isso um evento destes
faz-se acompanhar, de facto, de cruzes inesperadas. Mas mesmo que o sofrimento
nos chegue de forma repentina, a ideia de que tenha sido planeado ou pelo menos
permitido por Deus não é irracional, por uma série de razões.
Também é importante notar que um atentado resulta de um
exercício de livre-arbítrio por parte do terrorista. O terrorista poderá
subscrever uma crença que apoia tais actos, mas não deixa de ser um acto de livre-arbítrio.
O livre-arbítrio é uma característica essencial, o maior dos dons de Deus.
O sacrifício é um acto voluntário e pode ser combinado com o
sofrimento. Pode ser um esforço pessoal de, apesar de grandes dificuldades,
praticar boas acções. Pode ser a aceitação paciente de pequenas irritações ou
de um mal inevitável por forma a revelar amor por Deus. Isto não é fácil,
certamente, mas uma boa atitude pode atenuar o sofrimento, por vezes de forma
considerável.
No final de contas poderemos ter de enfrentar aquilo a que
São Paulo e Santo Agostinho chamam o mysterium
iniquitatis, o “mistério do mal”. Tal como o mistério do Bem, não temos
explicações para este tipo de realidade profunda. Mas podemos, ao de leve,
tentar compreender de que forma encaixam no bom plano de Deus.
Curt Lampkin, um físico reformado que vive no Texas, é um
colunista novo do The Catholic Thing.
(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 18 de Abril
2013 em http://www.thecatholicthing.org/)
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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