Wednesday, 24 April 2013

Os Atentados de Boston e o Problema do Mal

Curt Lampkin
Os crentes costumam dizer que é em nome de um bem maior que Deus permite os males que vemos no mundo. Mas pressionados a dizer que bem poderá vir da dor e sofrimento que se segue a um terramoto terrível ou – como acabamos de assistir em Boston – a um atentado terrorista, muitas vezes ficam sem argumentos.

Este parece ser um poderoso argumento contra Deus e tem levado não poucas pessoas a duvidar do seu amor por nós, ou mesmo da sua existência. A principal objecção prende-se com o tamanho e a natureza repentina do aparente mal.

Reflectindo, porém, as catástrofes repentinas ou grandes não são desprovidas de sentido, como podem parecer, nem provam a inexistência de um Deus que nos ama ou que permite o mal por boas razões.

A única forma de medir o amor é pelo sofrimento e sacrifício. Quem não está disposto a sofrer e/ou sacrificar-se pelo seu amado revela um amor que não é forte – que na verdade nem é amor. A profundidade do sacrifício e do sofrimento revela a força do amor.

A Paixão e Crucificação de Jesus mostram o quão grande é o seu amor por nós. Por isso parece razoável que Deus queira algum sinal do nosso amor por Ele, tendo em conta que o primeiro mandamento nos pede que amemos Deus com todas as nossas forças e todo o nosso coração. Isto pode servir de aviso de que algum sacrifício e sofrimento farão parte do nosso futuro.

A ideia de um Deus a formar cruzes, ou caminhos de sofrimento, para o nosso benefício é bem conhecida da Igreja. As pessoas com vidas luxuosas e moles tendem a ter carácter fracos, resultantes de não terem sido suficientemente desafiados ou testados. É tal como os atletas que não têm verdadeira competição. Não chegam a desenvolver os seus talentos. A experiência de muitos, ao longo dos séculos, comprova que a força de carácter é desenvolvida quando lidamos com dificuldades.

Consideremos estes aspectos do sofrimento:

1. O sofrimento separa-nos do mundo e aumenta a nossa capacidade de escuta da mensagem de Deus. Deus fala numa “voz mansa e delicada”, que é facilmente abafada pelo ruído do mundo. O sofrimento capta-nos a atenção.

2. O sofrimento pode envolver dificuldades económicas, físicas, mentais ou espirituais, ou qualquer combinação dos mesmos. As dificuldades podem levar-nos a concentrar as nossas atenções naquilo que verdadeiramente nos faz falta.

3. O sofrimento pode alterar radicalmente a nossa relação pessoal com outras pessoas, e pode mudar a nossa perspectiva sobre nós mesmos, elevando ou diminuindo a nossa auto-estima.

Se os efeitos do sofrimento são benéficos ou prejudiciais a longo prazo depende da nossa atitude, força de carácter e sentido de valores. A ideia de um Deus que cria, ou pelo menos permite, uma “cruz pessoal” para cada um de nós parece aceitável, ou até inevitável. Pensemos nele como um treinador a tentar desenvolver o talento de um atleta.

Algumas pessoas pensam que as cruzes pessoais precisam de tempo para alcançar os objectivos. Como é que se pode justificar isto à luz de um terramoto ou atentado terrorista, em que a morte pode ser repentina? De facto, uma morte repentina e inesperada não difere muito de qualquer outra morte, como por exemplo de doença ou de idade ou de acidente.

Vigília pelas vítimas do atentado de Boston

Do ponto de vista cristão a morte é a porta para a vida eterna. Como os próprios pagãos compreendiam, essa porta está sempre aberta e é bom que sejamos recordados dessa verdade. A tragédia está na angústia dos sobreviventes que não tiveram tempo de se preparar. Em todo o caso, esse sofrimento repentino não contradiz a ideia de um “Deus bom”.

Numa grande e repentina calamidade, a principal objecção a Deus parece ser o número de mortes. Mas ao longo de uma semana o número de pessoas que morre em acidentes de carro costuma ser bem maior que as vítimas de qualquer terramoto ou atentado.

Num sismo, ou num atentado, os sobreviventes sofrerão perdas económicas, pessoais, físicas ou mentais repentinas. Por isso um evento destes faz-se acompanhar, de facto, de cruzes inesperadas. Mas mesmo que o sofrimento nos chegue de forma repentina, a ideia de que tenha sido planeado ou pelo menos permitido por Deus não é irracional, por uma série de razões.

Também é importante notar que um atentado resulta de um exercício de livre-arbítrio por parte do terrorista. O terrorista poderá subscrever uma crença que apoia tais actos, mas não deixa de ser um acto de livre-arbítrio. O livre-arbítrio é uma característica essencial, o maior dos dons de Deus.

O sacrifício é um acto voluntário e pode ser combinado com o sofrimento. Pode ser um esforço pessoal de, apesar de grandes dificuldades, praticar boas acções. Pode ser a aceitação paciente de pequenas irritações ou de um mal inevitável por forma a revelar amor por Deus. Isto não é fácil, certamente, mas uma boa atitude pode atenuar o sofrimento, por vezes de forma considerável.

No final de contas poderemos ter de enfrentar aquilo a que São Paulo e Santo Agostinho chamam o mysterium iniquitatis, o “mistério do mal”. Tal como o mistério do Bem, não temos explicações para este tipo de realidade profunda. Mas podemos, ao de leve, tentar compreender de que forma encaixam no bom plano de Deus.


Curt Lampkin, um físico reformado que vive no Texas, é um colunista novo do The Catholic Thing.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 18 de Abril 2013 em http://www.thecatholicthing.org/)

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