Qual é a sua expectativa
para a sagração de quinta-feira?
Há alguma ansiedade, perfeitamente natural, dado que é um
momento muito significativo para a vida da Igreja e para a minha vida pessoal,
mas é sobretudo uma expectativa de alegria, de satisfação por este dia, por
esta cerimónia e este evento.
Fale-nos um pouco do
seu percurso pessoal.
Nasci numa família tradicional da Igreja Lusitana, sou de
quarta geração, portanto fui educado na fé em cristo desde criança e fiz o meu
percurso no seio da Igreja Lusitana. A minha vida foi sendo ocupada por
sucessivos cargos de responsabilidade no seio da Igreja. Fiz uma primeira
licenciatura em educação física e desporto, fui professor, mas depois percebi
que Deus me estava a chamar para outros caminhos e para outras
responsabilidades e então licenciei-me em ciências religiosas na Universidade
Católica.
A par disso fiz todo um percurso de envolvimento na Igreja,
naquilo a que Deus me foi chamando, e fundamentalmente foi um percurso de
sensibilidade e de escuta ao que Deus me foi chamando a fazer até este ponto.
Que planos tem para o
exercício da sua responsabilidade?
Não se trata de fazer planos. Olhando para o meu passado e
para a minha vida pessoal, percebo que os meus planos foram sempre
ultrapassados, e bem, pelos planos de Deus, por isso para o meu episcopado
procurarei ser fiel ao que Deus me está a chamar para realizar no seio da
Igreja Lusitana e, naturalmente, todo o trabalho pastoral com as outras
igrejas.
Mas fundamentalmente pretendo que seja um episcopado de
compromisso, de responsabilidade, de continuação do muito que já foi feito no
seio da Igreja, mas é acima de tudo uma abertura ao que o Espírito Santo me vai
chamar a realizar.
Acha que os
ordinariatos pessoais criados por Bento XVI foram uma medida positiva?
Foi uma medida que provocou tensão, a nível das Igrejas,
embora aquilo que tenha transparecido para a opinião pública tenha sido um
equilíbrio no tratamento da questão. O que soubemos foi que o próprio arcebispo
de Cantuária e o palácio de Lambeth foram apanhados de surpresa com a medida.
O que me parece é que ele dá um espaço para aquele grupo de
anglicanos que se revêem mais numa relação mais próxima com o Papa, com a
Igreja Católica Romana, e portanto diversos anglicanos, desde bispos,
presbíteros e leigos têm aderido a ele. De qualquer das maneiras, isto num
contexto de relação ecuménica não me parece muito relevante.
O que me parece de relevar é a boa relação entre Rowan
Williams, o anterior arcebispo de Cantuária e o Papa Bento XVI, o profundo
diálogo teológico que se travou entre os dois, que estou certo que criou ainda
mais pontes entre as duas comunhões, apesar das diferenças e das sensibilidades
que existem entre as duas comunhões eclesiais.
Vamos ver agora o que o futuro nos reserva, sendo que
naturalmente os líderes mudaram os dois no mês de Março. Penso que aos olhos da
fé e na sensibilidade do espírito estas coisas não vêm ao acaso, as duas comunhões
têm novas lideranças e portanto vamos ver o que é que cada um dos líderes, na
sua maneira de ser, na sua sensibilidade, vai conseguir estabelecer um com o
outro. Portanto é um tempo de expectativa.
Como é que tem
assistido a estes primeiros tempos do Papa Francisco?
Em primeiro lugar com alegria. É muito bom ouvir um Papa a
ter um discurso simples, acessível e compreensível pelas pessoas, sejam ou não
da Igreja. Realmente o Papa tem tocado nestas grandes questões que hoje tocam o
mundo, tocam a sociedade, tocam as pessoas. O tema da pobreza, as preocupações
de natureza social que as pessoas têm e tem sensibilizado a Igreja para outro
tipo de postura no seu relacionamento com o mundo. É uma figura muito
simpática, que cativa, mas vamos ver agora o que é que poderá vir daqui para a
frente.
São conhecidas as
divisões que há a nível mundial na Igreja Anglicana. Esta divisão é um caminho
sem retorno?
Para percebermos esses problemas, essas tensões, temos de
perceber o que é a própria natureza e eclesiologia da comunhão anglicana. A
comunhão anglicana sempre viveu numa grande diversidade de sensibilidades
litúrgicas, eclesiais, doutrinais, e sempre conseguiu manter esse equilíbrio ao
longo dos tempos.
Efectivamente tem havido, ultimamente, pontos de grande
tensão, que têm a ver com questões ligadas à sexualidade, neste caso concreto à
questão do bispo homossexual sagrado na Igreja Episcopal dos EUA. Isso provocou
uma reacção grande, mas ao mesmo tempo permitiu também um diálogo grande.
Parece-me que a tensão e a diversidade existente, apesar de causar, numa
primeira análise, uma vivência um bocado tensa, trazem também a necessidade de
diálogo e de um processo de escuta das diversas sensibilidades.
Aquilo que se tem passado nos últimos anos é precisamente um
diálogo muito intenso de confronto entre perspectivas diferentes e acho que é
assim que as questões no seio da Igreja se têm de tratar, dialogando e não
escondendo as diferenças.
Se me pergunta se isso vai trazer danos irreversíveis em
termos de unidade no seio da Comunhão Anglicana, neste momento não lhe sei
dizer. O que sei, e o que se percebe, é que há um forte desejo de manter a
unidade na Comunhão Anglicana, uma unidade nos aspectos fundamentais nos
aspectos da doutrina, sacramentos e liturgia. Nesse aspecto o novo arcebispo de
Cantuária, Justin Welby, vai ter um papel decisivo.
Portanto eu olho o futuro com muita esperança, muita
serenidade também. Nesta perspectiva que efectivamente é interessante
percebermos que nestes anos marcados por divisões, tem havido também um caminho
de unidade muito grande ao nível da criação de muitas comissões ligadas ao
trabalho social, ao trabalho da Bíblia, da cooperação entre as diversas
províncias. O que significa que é possível, apesar da tensão, construir pontes
e caminhos de unidade.
Em Portugal já há
sacerdotisas na Igreja Lusitana?
Sim.
E como é que a Igreja
Lusitana encara a ordenação de pessoas em relações homossexuais?
A questão pode pôr-se aqui, naturalmente. Na Igreja Lusitana,
como em qualquer igreja anglicana, estas questões mais polémicas, que exigem um
aprofundamento grande têm de ser debatidas e tratadas a nível do sínodo da
Igreja.
O sínodo é o órgão máximo da Igreja e reúne o bispo, o clero
e os leigos da comunhão anglicana. Até aqui não surgiu a necessidade de tomar
uma posição pública oficial dessa questão.
Naturalmente estamos atentos ao diálogo que tem havido a
nível internacional, e se vier a colocar-se iremos trata-la com abertura, com
sensibilidade, com maturidade e procurando discernir o que o Espírito Santo
está a dizer à Igreja. Não nos podemos fechar. Acho que aqui a meia via é a
posição equilibrada.
Essa meia via tem
sido um bocado a posição da Igreja de Inglaterra…
A questão da cultura é muito importante. A cultura é o
contexto em que a Igreja exerce a sua missão. Nem a Igreja se pode fechar à
cultura. A Igreja tem de ter uma prática de inculturação. Ou seja, de perceber
o que o Espírito Santo suscita na cultura que a rodeia, e depois procurar um
diálogo e procurar que a Graça do Espírito ajude a própria cultura e a
sociedade onde está inserida a perceber qual é a posição mais equilibrada e
mais positiva para os homens e para as mulheres.
No caso da Igreja Lusitana temos a nossa própria
sensibilidade cultural, diferente da da Igreja de Inglaterra e muito diferente
daquela das igrejas africanas. Cada questão tem de ser analisada no seio do seu
contexto cultural, naturalmente tendo por base os princípios de identidade da
Igreja, de doutrina, procurando discernir o que a tradição da Igreja nos dia e
o que a própria palavra de Deus nos diz.
São questões que têm de ser tratadas por nós, no nosso
relacionamento com a Igreja Universal, atendendo ao que é a sensibilidade e o
pensar da sociedade portuguesa nessa matéria também. A Igreja de Inglaterra
realmente caracteriza-se por conseguir, graças à sua capacidade de diálogo,
escuta e análise, reunir diversas sensibilidades, o que nem sempre é fácil e
naturalmente terá também momentos de tensão.
Portanto relativamente a essas questões diria que vamos
caminhando, discernindo o que o Espírito Santo procura dizer à Igreja de
Cristo, na qual também se insere a Igreja Lusitana.
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