Enquanto procuram conduzir os jovens rumo à idade adulta os
pais dizem muitas vezes, sobretudo aos adolescentes: “pensa por ti”. Claro que
não é isso que querem dizer. Sob a capa dessa aparente liberdade, o que querem
dizer para não pensar, muito menos agir, como os idiotas dos amigos com quem te
dás. Mas pensar como os amigos – ao invés de pensar como os pais, professores
ou pastores – é precisamente o que as crianças imaturas entendem por “pensar
por si”.
Talvez a comparação seja injusta, mas lembrei-me deste
triste facto da natureza humana quando li a entrevista
recente da irmã Pat Farrell, presidente da Leadership Conference of Women
Religious (LCWR) à cadeia NPR, durante a qual ela disse que o actual conflito
entre as freiras americanas e o Vaticano resume-se à questão: “Pode ser-se
católico e ter uma mente interrogativa?”. Que fique claro que a irmã Farrell
enfrentou anos de perigo na América Latina, de onde regressou, como muitos
outros, com o que me parece ser um entendimento errado da teologia da
libertação. Mas arriscou a vida por aquilo em que acredita, e isso revela uma
atitude adulta.
Ainda assim, há algo mais do que um pouco adolescente – e paternalista
– sobre a pergunta. Amanhã [ontem] em St. Louis começa a conferência anual da LCWR, cujo tema é:
“Mystery Unfolding: Leading in the Evolutionary Now” [Um mistério que se
revela: Liderança no Agora Evolucionário]. Só pessoas com uma perspectiva que
ultrapassou o prazo de validade por volta de 1978 é que poderiam propor em 2012
um tema que mais parece pertencer a um “então reaccionário”. Farrell e as suas irmãs
são grandes fãs da evolução e de mudar as ideias para responder aos sinais do
tempo – sobretudo quando essas novas ideias nada têm a ver com o Catolicismo
tradicional. Tudo isto estará em cima da mesa quando discutirem as críticas do
Vaticano à LCWR na conferência.
Tudo isto tem tido grande ressonância nos media, que não se
têm dado ao trabalho de entrevistar religiosas que pertencem a ordens que
talvez ainda existam dentro de 20 anos. Mas ao celebrar a irmã Farrell e a LCWR
os media praticam uma forma subtil de ventriloquismo, passando a ideia de que os
verdadeiros católicos pensam por si, precisamente porque pensam como, por
exemplo, a NPR.
O meu entendimento disto é que um certo segmento de uma
geração mais velha de católicos comprou gato por lebre num período caótico –
aqueles anos depois do Vaticano II quando parecia que a Igreja não sabia em que
é que acreditava. Pensar por si é óptimo, mas nem sempre é fácil e nunca somos
os únicos a fazê-lo.
O caso mais famoso de uma pessoa a tentar pensar unicamente
por si foi Descartes com o seu cogito
ergo sum “penso, logo existo”. Uma antiga história francesa, provavelmente
apócrifa, conta como um tolo parisiense interrogou Descartes: “Mas monsieur
Descartes, e eu? Não penso, porém existo”.
Mas agora a sério, como é que Descartes poderia ter escrito
o cogito se não tivesse aprendido
latim com os jesuítas do College Royale em La Flèche? E porque é que criaria a
sua proposição se a sociedade europeia do seu tempo não estivesse a viver uma
crise epistemológica? Se podemos pensar é precisamente porque existem
comunidades humanas e pessoas que nos ensinam a falar.
Pode parecer recôndito, mas é importante para a questão que
temos diante de nós: “É possível ser-se católico e ter uma mente
interrogativa?” Ignorem o insulto escondido na formulação da pergunta. A forma
séria de colocar a questão seria: “Como é que podemos ser católicos nas nossas
interrogações, tão necessárias, e nas nossas demandas intelectuais?”
Religiosas da LCWR |
Ser um pensador ou um interrogador católico não é, ao
contrário do que indica a LCWR, acreditar que aquilo que nos passa pela cabeça
merece, só por si, algum relevo especial. Há questões de juízo e de experiência
e de pertença a uma comunidade que entram em jogo também.
Um dos fundadores de The Catholic Thing, Michael Novak,
disse que quando leu em Aristóteles que ninguém pode ser filósofo antes dos
quarenta anos, pensou para si mesmo: “Muito bem, então o que posso fazer
entretanto?”. Aí está a atitude de um jovem promissor.
A Igreja, que absorveu a sabedoria dos antigos pagãos, tem
sido a encarnação deste tipo de realismo. A expressão latina sentire cum ecclesia “pensar com a
Igreja”, pode parecer uma limitação à liberdade intelectual. Mas tudo se resume
a saber se somos católicos, isto é, uma pessoa a fazer perguntas no contexto de
uma tradição viva.
O Catolicismo não tem resposta para tudo, é certo. As
freiras americanas podem pensar que sabem acabar com a pobreza ou com a crise
financeira, mas a Igreja, como um todo, não sabe. Mas se em 2000 anos ela não
acumulou alguma sabedoria verdadeira, então mais vale desistir.
Atribuo grande parte destes juízos apressados, mesmo dentro
da Igreja, a uma atitude que persiste desde o tempo de Kant (1724 – 1804), um
grande pensador e um moralista sério. Mas o seu lema pessoal Aude sapere, “atrever-se a saber”,
muitas vezes associado à ideia de que a humanidade “atingiu a maioridade”, tem
tido algumas consequências infelizes.
Pela minha parte, sou demasiado novo para ter seguido de
perto o Concílio Vaticano II, mas lembro-me, um pouco mais tarde, de ouvir
católicos a falar com grande segurança sobre um mundo que tinha “atingido a
maioridade”, (um termo que aparece mesmo nos documentos do concílio) e a
fazerem-se corajosamente à estrada naquilo que pensavam ser um caminho de renovação.
Passaram-se dois séculos desde Kant e meio século desde o
Concílio. Temos tido melhorias materiais: contrariamente ao que dizem os
liberacionistas, o capitalismo, o industrialismo e a tecnologia têm aumentado o
nível de vida das pessoas comuns e retirado milhares de milhões a uma vida de
pobreza. Tem sido um percurso acidentado? Claro! Mas não tem paralelo na
história da humanidade.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 6 de Agosto
2012 em www.thecatholicthing.org)
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did
Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora
disponível em capa mole da Encounter Books.
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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