A alegria do Natal brota da dádiva que Deus faz do seu Filho à humanidade. Mas o nascimento de Cristo é apenas a primeira fase de um acto de redenção que culmina na morte, ressurreição e ascensão de Cristo ao Céu, onde está à direita do Pai, e o envio do Espírito Santo, por quem “o amor de Deus é derramado nos nossos corações” (Romanos 5,5).
A palavra “graça” vem do latim
“gratia”, que significa “presente”. O maior presente de Deus para nós é o Seu
Filho, e esse é o presente que nunca se esgota. No Evangelho de João, depois de
Jesus ter lavado os pés dos seus discípulos, diz-lhes que deve “partir”, mas
que o faz “para seu bem”. Porque se não partir, “não virá o paráclito”. Mas se
Ele for, diz-nos, “enviá-lo-ei a vós” (João 16,7). Já antes Jesus tinha
identificado o Paráclito como “O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome”
(João 14,26).
Se Jesus não tivesse partido,
continuaríamos a procurá-lo para fazer tudo por nós – “Jesus, cura estes
doentes”, “Jesus, dá de comer a estes pobres”, “Jesus, cuida de nós” – quando
na verdade devemos tornar-nos membros do Corpo de Cristo. Nós somos os olhos,
os ouvidos e as mãos de Cristo agora. Nós curamos os doentes, alimentamos os
pobres, espalhamos a boa nova do amor de Deus, tornamo-nos instrumentos da
Graça de Deus.
Tornamo-nos alter Christus,
“outros Cristos”, “filhos adoptivos” do Pai. “Pois todos os que são guiados
pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus” (Romanos 8,14) “E, porque
vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho aos vossos corações” (Gálatas
4,6).
O Cristianismo entende que a
vida moral é uma participação na vida trina de Deus – a comunhão eterna de amor
que existe desde toda a eternidade. E no coração daquilo a que chamamos “graça”
está o dom do Espírito de uma parte desse amor trino e eterno.
Temo, porém, que por vezes
pensemos na “graça” como se fosse uma varinha mágica que nos transforma de um
sapo num príncipe, ou como a aranha radioactiva que transformou o Peter Parker
no Spiderman – como se quando a graça se infunde em nós passássemos a rebentar
de sabedoria, os nossos olhos e ouvidos irradiassem luz e a impureza do pecado
deixasse de nos tocar ou tentar.
Talvez seja assim para alguns,
mas talvez não seja isso que devemos esperar. Há uma longa e sábia tradição na
Igreja que diz que não devemos confundir a obra do Espírito Santo com certos
sentimentos ou uma experiência em particular. A Graça de Deus trabalhar
frequentemente de formas que não se vêem, nem se notem, tal como o dom que foi
o Seu Filho passou em larga medida despercebido e longe da vista.
E se a obra da graça nas
nossas vidas for tão despercebida e discreta como o aumento do amor nos nossos
corações? Os casais crescem em amor. Mas se forem ver todos os dias
provavelmente não notam uma diferença muito grande. Contudo, se simplesmente se
dedicarem ao bem-estar e à felicidade um do outro, um dia acordarão e
verificarão que o seu amor – o amor que os levou a dedicarem-se um ao outro –
cresceu.
Às vezes os pais dizem que
quando olham para os seus recém-nascidos apaixonam-se logo, e que isso muda as
suas vidas. E porém, a mudança de vida que se segue – de autocentrado para
altruísta e atento – costuma ocorrer ao longo de semanas e anos, e tende a
envolver muito menos desse sentimento “fofinho” inicial. Mas o Espírito Santo
está lá o tempo todo, mudando o coração, um bocadinho de cada vez, ao longo do
tempo.
Outro erro comum é imaginarmos
que a graça de Deus tem sempre resultados instantâneos, como um relâmpago de
Zeus. Mas há uma boa razão para muitas das parábolas de Jesus sobre o Reino
envolverem a plantação de sementes, e estações para crescimento.
Na teologia crista, porém, para
além das “virtudes adquiridas” temos a tradição das “virtudes infundidas”.
Quando reconhecemos que não possuímos as virtudes, podemos rezar por elas. Eu
posso não ter sido criado com coragem, sabedoria ou entendimento (e não fui),
mas posso rezar por eles. Isso não significa que deva esperar acordar amanhã a
rebentar de coragem, sabedoria e entendimento. Nem significa que já não precise
de fazer a minha parte para crescer nas virtudes da coragem, sabedoria e
entendimento.
A graça não viola a natureza,
aperfeiçoa-a. Deus não opera esta mudança em nós sem a nossa colaboração. A
graça não é magia; é o amor que ganha raízes e cresce ao longo do tempo, para
transformar aqueles que, tal como a Virgem Maria, dizem “sim”.
Quando a graça opera em nós é
possível que nem o sintamos ou reparemos. Pode parecer, à primeira vista, algo
muito natural, como o parto de uma criança. Mas não será essa uma das lições do
Natal? Que a graça pode entrar no mundo praticamente despercebida, em lugares e
de formas que podemos não esperar e dar frutos de formas que excedem as nossas
maiores esperanças?
Se decidirmos dedicar-nos ao
bem-estar e à felicidade uns dos outros, a Graça de Deus já está a operar em
nós. Se nos dedicarmos a isso, esse amor crescerá. Só precisamos de um pouco de
fé.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 27 de Dezembro de 2022)
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