Wednesday, 28 December 2022

Os Dons do Espírito Santo

A alegria do Natal brota da dádiva que Deus faz do seu Filho à humanidade. Mas o nascimento de Cristo é apenas a primeira fase de um acto de redenção que culmina na morte, ressurreição e ascensão de Cristo ao Céu, onde está à direita do Pai, e o envio do Espírito Santo, por quem “o amor de Deus é derramado nos nossos corações” (Romanos 5,5).

A palavra “graça” vem do latim “gratia”, que significa “presente”. O maior presente de Deus para nós é o Seu Filho, e esse é o presente que nunca se esgota. No Evangelho de João, depois de Jesus ter lavado os pés dos seus discípulos, diz-lhes que deve “partir”, mas que o faz “para seu bem”. Porque se não partir, “não virá o paráclito”. Mas se Ele for, diz-nos, “enviá-lo-ei a vós” (João 16,7). Já antes Jesus tinha identificado o Paráclito como “O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome” (João 14,26).

Se Jesus não tivesse partido, continuaríamos a procurá-lo para fazer tudo por nós – “Jesus, cura estes doentes”, “Jesus, dá de comer a estes pobres”, “Jesus, cuida de nós” – quando na verdade devemos tornar-nos membros do Corpo de Cristo. Nós somos os olhos, os ouvidos e as mãos de Cristo agora. Nós curamos os doentes, alimentamos os pobres, espalhamos a boa nova do amor de Deus, tornamo-nos instrumentos da Graça de Deus.

Tornamo-nos alter Christus, “outros Cristos”, “filhos adoptivos” do Pai. “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus” (Romanos 8,14) “E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho aos vossos corações” (Gálatas 4,6).

O Cristianismo entende que a vida moral é uma participação na vida trina de Deus – a comunhão eterna de amor que existe desde toda a eternidade. E no coração daquilo a que chamamos “graça” está o dom do Espírito de uma parte desse amor trino e eterno.

Temo, porém, que por vezes pensemos na “graça” como se fosse uma varinha mágica que nos transforma de um sapo num príncipe, ou como a aranha radioactiva que transformou o Peter Parker no Spiderman – como se quando a graça se infunde em nós passássemos a rebentar de sabedoria, os nossos olhos e ouvidos irradiassem luz e a impureza do pecado deixasse de nos tocar ou tentar.

Talvez seja assim para alguns, mas talvez não seja isso que devemos esperar. Há uma longa e sábia tradição na Igreja que diz que não devemos confundir a obra do Espírito Santo com certos sentimentos ou uma experiência em particular. A Graça de Deus trabalhar frequentemente de formas que não se vêem, nem se notem, tal como o dom que foi o Seu Filho passou em larga medida despercebido e longe da vista.

E se a obra da graça nas nossas vidas for tão despercebida e discreta como o aumento do amor nos nossos corações? Os casais crescem em amor. Mas se forem ver todos os dias provavelmente não notam uma diferença muito grande. Contudo, se simplesmente se dedicarem ao bem-estar e à felicidade um do outro, um dia acordarão e verificarão que o seu amor – o amor que os levou a dedicarem-se um ao outro – cresceu.

Às vezes os pais dizem que quando olham para os seus recém-nascidos apaixonam-se logo, e que isso muda as suas vidas. E porém, a mudança de vida que se segue – de autocentrado para altruísta e atento – costuma ocorrer ao longo de semanas e anos, e tende a envolver muito menos desse sentimento “fofinho” inicial. Mas o Espírito Santo está lá o tempo todo, mudando o coração, um bocadinho de cada vez, ao longo do tempo.

Outro erro comum é imaginarmos que a graça de Deus tem sempre resultados instantâneos, como um relâmpago de Zeus. Mas há uma boa razão para muitas das parábolas de Jesus sobre o Reino envolverem a plantação de sementes, e estações para crescimento.

Há vários anos uma das minha alunas perguntou ao filósofo Alisdair MacIntyre como poderia adquirir as virtudes, uma vez que não conhecia ninguém que as possuísse. MacIntyre sugeriu que ela devia alistar-se nos fuzileiros, ou então na frota pesqueira. A chave está em trabalhar com os outros numa situação em que a nossa segurança e bem-estar dependem de eles cumprirem bem com as suas funções, e em que a sua segurança e bem-estar dependem de nós cumprirmos bem as nossas funções. É uma resposta interessante, ainda que nem sempre praticável.

Na teologia crista, porém, para além das “virtudes adquiridas” temos a tradição das “virtudes infundidas”. Quando reconhecemos que não possuímos as virtudes, podemos rezar por elas. Eu posso não ter sido criado com coragem, sabedoria ou entendimento (e não fui), mas posso rezar por eles. Isso não significa que deva esperar acordar amanhã a rebentar de coragem, sabedoria e entendimento. Nem significa que já não precise de fazer a minha parte para crescer nas virtudes da coragem, sabedoria e entendimento.

A graça não viola a natureza, aperfeiçoa-a. Deus não opera esta mudança em nós sem a nossa colaboração. A graça não é magia; é o amor que ganha raízes e cresce ao longo do tempo, para transformar aqueles que, tal como a Virgem Maria, dizem “sim”.

Quando a graça opera em nós é possível que nem o sintamos ou reparemos. Pode parecer, à primeira vista, algo muito natural, como o parto de uma criança. Mas não será essa uma das lições do Natal? Que a graça pode entrar no mundo praticamente despercebida, em lugares e de formas que podemos não esperar e dar frutos de formas que excedem as nossas maiores esperanças?

Se decidirmos dedicar-nos ao bem-estar e à felicidade uns dos outros, a Graça de Deus já está a operar em nós. Se nos dedicarmos a isso, esse amor crescerá. Só precisamos de um pouco de fé.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 27 de Dezembro de 2022)

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