Wednesday, 14 December 2022

Não Tomarás o Nome da Igreja em Vão

Nunca achei convincente a ideia de que o mandamento contra o uso do nome de Deus em vão fosse sobre praguejar. Não estou a defender a prática, só não acho que Deus gastaria um de apenas dez mandamentos para classificar um “por amor de Deus” proferido num momento de irritação, como pecado mortal. Deus não me parece ser assim tão sensível.

E “Deus” nem sequer é o seu nome. As Escrituras dizem-nos que Ele “tem um nome acima de todos os nomes”, que em algumas situações pode ser traduzido pelo “sagrado tetragrama” – tão sagrado que as quatro letras YHWH, que podem significar “Eu sou quem sou”, ou “Estou convosco”, não deviam ser pronunciados. Em seu lugar, os leitores judeus dizem “Adonai”, que em português traduzimos por “SENHOR”. Por isso, por mais que me irrite ter de cantar músicas melosas sobre “Javé” na missa, porque sei que isso ofende os nossos irmãos judeus, esse também não é o seu nome.

O mandamento de não usar o nome do Senhor em vão tem a ver com as proibições da idolatria, logo no primeiro mandamento. Isto é, não ter qualquer deus diante do SENHOR, ou produzir imagens. Na idolatria, o crente forma um “deus” à sua imagem – os guerreiros adoram o deus da guerra, os caçadores o deus da caça – enquanto que na realidade nós é que somos formados à imagem de Deus.

Quando Moisés desce do Monte Sinai com as duas tábuas, contendo os Dez Mandamentos, descobre que os Israelitas fizeram um bezerro de ouro. Porquê um bezerro de ouro? Eram um povo de pastoreio, caminhando pelo deserto, e queriam manadas maiores. Por isso fizeram uma imagem à luz do seu próprio desejo. Cada acto de idolatria é um acto de auto-idolatria. Fazemos o “deus” que nós queremos. E os resultados são desastrosos. Se queremos ser formados à imagem de Deus – o Deus da justiça e do amor – devemos começar por seguir os mandamentos escritos nessas duas tábuas.

Então porque é que é importante não tomarmos o nome do SENHOR em vão? Acima de tudo, porque chamar uma divindade pelo nome era a forma tradicional de “conjurar” um deus, um espírito ou um demónio. Não se conjura o SENHOR. Ele não vem para fazer a nossa vontade, ainda que lhe ofereçamos um monte de sacrifícios. É perigoso pensar nele dessa forma – como se a nossa relação fosse um quid pro quo, “uma mão lava a outra”. Todos os dons que nós damos a Deus são dons que Deus nos deu a nós, incluindo o “dom” das nossas virtudes. A graça de Deus – aquilo a que os católicos chamam graça preveniente – torna possível todos os nossos actos de amor abnegado. “Nós amamos”, diz-nos o Evangelho de João, “porque Deus nos amou primeiro”.

Por isso, se há uma coisa que não queremos fazer é imaginar que podemos “invocar” o SENHOR para fazer as nossas vontadinhas ou esmagar os nossos inimigos. Deus fará sempre a coisa certa de acordo com a sua divina providência, independentemente daquilo que lhe peçamos. Nesta linha, dizer “Deus te amaldiçoe” não é apenas absurdo – não fazemos ideia do que Deus fará ou não fará – é mesmo um erro grave. Estamos a confundir a vontade de Deus com a nossa.

Um dia estava a rezar em silêncio numa capela quando ouvi um jovem rapaz a dizer a uma rapariga: “Eu sei que Deus quer que fiquemos juntos”. Mas ele não sabia isso. Estava apenas a usar o nome de Deus para a manipular. E esse é um pecado terrível. Da mesma forma, quando um pregador diz que “Deus jamais condenaria x”, apesar de as Escrituras revelarem claramente o contrário, é culpado de “tomar o nome do SENHOR em vão”.

O Antigo Testamento faz repetidos avisos tanto contra a idolatria como contra a falsa profecia. São pecados de primeira ordem. E são estes os pecados que são condenados no mandamento de “não tomar o nome do Senhor em vão”.

Talvez, então, devêssemos ter um mandamento relacionado com este: “Não tomarás o nome da tua Igreja em vão”. As pessoas estão sempre a dizer coisas em nome da Igreja que são simplesmente falsas, absurdas ou nefastas. Metade das vezes que as pessoas afirmam que “a Igreja ensina x”, isso não é verdade. E nem me ponham a falar da quantidade de vezes que as pessoas insistem que “o Direito Canónico diz que…”, quando não diz.

E depois temos o estranho hábito de as pessoas assumirem para si a autoridade apostólica para proclamar os outros “hereges”. Um herege não é apenas alguém com quem discordamos, nem se pode classificar como herege alguém que não concorda com uma declaração papal com vários séculos e fora de contexto que por acaso encontrámos na internet.

Quando me perguntam se alguém é herege eu respondo sempre que não me cabe a mim fazer esse tipo de juízos. Não sou um bispo com autoridade apostólica. Posso dizer que esta ou aquela posição me parecem “preocupantes” ou que não aparentam estar de acordo com a tradição e o ensinamento do magistério da Igreja, tanto quanto consigo avaliar – se tiver lido correctamente todos os documentos relevantes e compreendido correctamente o que o autor ou orador quer dizer.  

Mas dizer casualmente no Twitter que alguém é herege é o equivalente adulto de uma criança chamar otária a outra – especialmente quando a pessoa que assim é lançada para as trevas exteriores como “herege” é um católico fiel. Para mim, isso é tomar o nome da Igreja em vão. Estas pessoas estão a confundir os seus pensamentos e disposições com o ensinamento da Igreja. E isso, bom, é herético.  

A palavra “heresia” vem de um termo grego que significa “escolher”. Tal como a idolatria implica formar Deus à nossa imagem, para se encaixar nas nossas vontades e desejos, também a heresia é formar uma Igreja que se encaixa nas nossas preferências e disposições. Quer se escolha do lado direito ou esquerdo da ementa, continuam a ser as nossas escolhas. Seja como for, está mal – seja-se um católico “conservador” com uma variedade de cursos de teologia, ou um bispo alemão de topo.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 13 de Dezembro de 2022)

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1 comment:

  1. Fantástico. É isso mesmo. Também nunca percebi a relação entre praguejar, ou simplesmente dizer "Ai meu Deus", e o mandamento. Mas eu acrescentaria mais algumas situações em que continuamente se invoca o Nome de Deus em vão. Dou-me conta disso cada vez que assisto a um Batismo, e escuto o sacerdote a perguntar aos pais, que por sinal nunca vão à missa: "Estais dispostos a educar o vosso filho na fé da Igreja?" Eles respondem: "Sim, estamos." Ora uma promessa feita diante do altar do Senhor é uma promessa que invoca o nome de Deus. Neste caso, em vão. como em muitos casamentos. Ou crismas... Isto é tudo muito mais sério do que praguejar, convenhamos!

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