Wednesday, 21 December 2022

A Paternidade e a “Masculinidade Sã”

Stephen P. White

Hoje em dia não há falta de conversas sobre homens e masculinidade. Toda a gente parece querer saber o que é que se passa com os homens. Desde os debates sobre o transgénero, ao movimento Me Too, passando por preocupações com a perspectivas económicas e matrimoniais de homens jovens (sobretudo de classe operária) e ainda as implicações políticas destas dificuldades, a nossa cultura está saturada com questões que se prendem com a masculinidade. Muitas perguntas, muito debate, mas relativamente poucas respostas.

Alguns tratam a masculinidade como uma mera construção, sem qualquer conteúdo essencial. O único propósito da masculinidade – um propósito que nada tem de essencial, mas que é apenas prático – é de assegurar poder ao serviço de uma classe opressora. Os fortes dominam os fracos, os desportistas dominam os totós no liceu. Os machões tratam mal e são condescendentes para com as mulheres. Estão a ver a ideia.

Depois temos aqueles que, muitas vezes em reação à visão acima descrita de toxicidade, apresentam a masculinidade como uma coleção de atributos físicos ou psicológicos: força física, assertividade, confiança, disciplina, liderança, estoicismo, domínio, competitividade, e por aí fora. Mas se seguirmos esta linha de pensamento, inevitavelmente percebemos que a soma das partes é menor que o todo. A masculinidade enquanto estilo de vida é tão desinteressante como a ideia de masculinidade como instrumento de repressão patriarcal.

Em justiça podemos dizer que nenhuma destas visões está inteiramente errada. É verdade que os homens se aproveitaram de certas forças e vantagens sociais para maltratar mulheres. E há certos atributos e qualidades que são e devem ser associadas à masculinidade, tal como existem certos comportamentos e qualidades que são decididamente não-masculinas.

Agora, tal como a maioria dos homens que conheço (pelo menos aqueles que considero serem bons exemplos daquilo que é ser homem), eu não passo muito tempo a preocupar-me com o que significa ser masculino, ou com a masculinidade. A verdade é que, de modo geral, considero estas discussões sobre masculinidade bastante entediantes e exageradas.

Acontece, porém, que no mês passado fui convidado para ir falar a um grupo de estudantes universitários – na maioria jovens homens – sobre o tema de “masculinidade sã”. Por isso fiz uma pausa no meu já longo hábito de não pensar sobre “masculinidade sã”, para pensar que sabedoria poderia oferecer a estes rapazes. Surgiram-me três pontos.

Primeiro: tanto quanto consigo perceber, depois de pensar muito no assunto, a masculinidade sã não é mais do que aquilo que acontece quando o homem leva uma vida virtuosa. Apenas isso. Um homem virtuoso, pelo facto de o ser, vive a sua masculinidade de forma saudável. Está mesmo na raiz da palavra “virtude”, do latim “virtus”, que se refere às qualidades próprias de um “vir”, um homem.

Isto pode parecer demasiado simplista, ou até circular, mas não é. Reparem que o contrário nem sempre é verdade. Nem toda a gente que tem como objectivo viver uma “masculinidade sã” viverá de forma virtuosa. Se queremos cultivar uma masculinidade saudável temos de ensinar as virtudes aos homens, e a coisa irá ao sítio. Mas se dissermos aos homens que têm de exibir uma “masculinidade sã” e depois não os instruirmos nas verdadeiras virtudes, estamos a preparar o terreno para a confusão e o falhanço.

Falível e mortal, mas um
pálido reflexo do amor de Deus
Segundo: A paternidade faz o homem. Não existe qualquer conceito de masculinidade que valha alguma coisa que não tenha a paternidade como principal referência. Claro que nem todos os homens vivem a sua paternidade de uma forma biológica. Mas todos os homens, sem excepção, são feitos para a paternidade. Eu conheço padres celibatários que são excelentes pais. Conheço homens casados mas que não têm filhos, ou que os adoptaram, que são excelentes pais. Não é por acaso que São José é o padroeiro dos pais.

Seja qual for a força moral ou física que um homem tem, ela existe para que ele melhor possa servir aqueles que lhe são encarregados. A prova mais clara disto está precisamente na excepção: nada é menos “de homem”, nada é mais absolutamente antitético à paternidade, do que um homem que se aproveita ou abusa de mulheres e crianças.

Terceiro: A paternidade é uma condição terminal. Como todas as verdadeiras vocações, a paternidade encontra o seu cumprimento pleno na dádiva da vida própria em serviço aos outros. Um pai ama incondicionalmente, mesmo sabendo que ele irá diminuir na medida em que os seus filhos aumentam e crescem. Mas a paternidade é sobre mais do que apenas sacrifício próprio.

A maioria de nós aprende sobre a paternidade, em primeiro lugar, com os nossos pais. Como filhos aprendemos que os nossos pais são invencíveis, omniscientes, omnipotentes, fantásticos, todo-amorosos. (Nem podia ser de outra maneira, tendo em conta a forma como a mãe olha para ele). Mas à medida que crescemos vamos percebendo que isso não é bem assim, os nossos pais são – esperamos – muito bons homens, mas não deixam de ser apenas homens. Falíveis, com falhas, mortais.

Depois, como homens (e aqui dirijo-me aos homens), tornamo-nos pais e a nossa visão da paternidade volta a mudar. Se o meu pai não era perfeito, eu certamente também não sou! Mas os meus filhos não sabem isso. Ainda.

E é então que começamos a perceber. Aquela primeira imagem infantil da paternidade – invencível, omnisciente, omnipotente, fantástico, todo-amoroso – essa é que é a verdadeira paternidade. Eu posso ser apenas um pobre reflexo disso, mas isso não invalida que seja real. Existe mesmo um Pai assim. Eu já conheci esse amor. Mais incrível ainda, apesar de todas as minhas fraquezas, imperfeições e egoísmo, Ele permitiu-me um vislumbre de como é amar como Ele ama. E permitiu-me, chamou-me, a exibir um vislumbre desse amor aos meus próprios filhos. É um banho de humildade, e não pouco assustador.

É isso que significa dizer que a paternidade é uma condição terminal. A paternidade não é apenas “até à morte”. Tem um objectivo, dirige-se a algo. Aponta para Alguém que não sou eu. É uma oportunidade imerecida para participar no amor de Deus Pai. A possibilidade de ser, para outro, um vidro através do qual podem, ainda que de forma obscura, vê-lo a Ele. Sim, é um banho de humildade, não pouco assustador, e incomensuravelmente maravilhoso.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2022)

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1 comment:

  1. Caro Filipe, muito obrigado por partilhares este artigo! Muito útil para um pai quase a sê-lo.

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