Wednesday, 4 May 2022

A Igreja: Corrupta desde Sempre?

Michael Pakaluk

Se a Igreja Católica alguma vez foi corrupta, então foi corrupta desde sempre. Mas como não foi corrupta desde sempre, nunca foi, nem será, corrompida.

Foi isso que me passou pela cabeça recentemente, ao ouvir um podcast sobre Roma antiga. A cidade de Roma – argumentava o autor – pode-se orgulhar de ser a maior da história do mundo: desde a sua população; a extensão geográfica da sua influência; os séculos de primazia; a organização da sociedade; a primazia do direito; a durabilidade das suas construções; e a sua habilidade para integrar o melhor dos seus vizinhos.

Ah, e depois havia o facto de se ter tornado a sede da mais importante religião da história da humanidade…

Estava à espera que, depois desta correcta análise das assinaláveis virtudes de Roma, o autor do podcast elogiasse a sabedoria de São Pedro por ter sedeado a Igreja em Roma. Pareceu-me ser um historiador sério. Certamente veria que a Igreja Católica se tornou tão “importante” porque as suas virtudes espelhavam no campo espiritual as que Roma exibia no secular.

Pelo contrário, ele lamentou a decisão de Pedro, porque “o envolvimento da Igreja com a autoridade romana, depois do édito de Milão, levou rapidamente à sua corrupção”.

Fiquei desiludido por ouvi-lo a repetir esta visão tão familiar, mas não surpreendido, afinal de contas o assunto deste episódio não era a Igreja, talvez ele não tivesse pensado muito no assunto.

Mas os seus comentários demonstravam que ele era um cristão praticante. Mesmo do ponto de vista das Escrituras, dei por mim a pensar se ele alguma vez tinha meditado na Paixão. Porque a “corrupção” começou muito antes do ano 313. Na verdade, esteve presente desde o início, e com o conhecimento e aparente autorização de Nosso Senhor.

Estou a falar, claro, de Judas Iscariote. Olhemos para ele de novo. A fundação da Igreja deu-se com a escolha dos 12 Apóstolos. Judas estava em pé de igualdade com todos eles, à excepção de Pedro. Não o podemos despromover ou excluir retroativamente. Judas era um dos 12, e podemos colocá-lo à mesma altura que qualquer outro, na medida em que o ocupante de um cargo pode substituir qualquer outro com o mesmo cargo.

Uma boa definição de corrupção é o aproveitamento de um cargo de confiança para ganho próprio. Por exemplo, um funcionário que aceita um suborno é, à luz desta definição, corrupto. E por isso Judas era corrupto. Ele aproveitou-se da sua ligação a Jesus, sendo apóstolo, para ganhar 30 moedas de prata.

Sabemos como é que a coisa correu. As autoridades queriam prender, julgar e condenar Jesus em segredo, para que a multidão não se manifestasse. Por isso, Jesus tinha de ser identificado e capturado antes do amanhecer, antes de poder fugir (como acreditavam ser possível). Judas era importante neste processo para o identificar, com um beijo.

Acreditamos que Judas era movido por mais do que apenas avareza. Tendemos a favorecer as ideias especulativas, sem qualquer base nas Escrituras – que, por exemplo, Judas queria provocar uma crise que levaria Jesus a assumir o poder, enquanto Messias; ou que como Caim, Judas estava com ciúmes dos apóstolos que Jesus parecia preferir. E por aí fora.

Porém, o único vício de Judas de que ouvimos falar na Bíblia é o seu amor pelo dinheiro. João diz que Judas se queixou do dinheiro gasto no nardo puro, porque guardava a bolsa comum e dela tirava o que queria (Jo. 12,6). Somos tentados a descartar a ganância como explicação, porque parece demasiado fraca. Trair o Messias por uma pequena soma?

Só que não era assim tão pequena. Se dava para comprar um campo na cidade, serviria para comprar uma quinta no campo. E muitas pessoas fazem coisas inacreditáveis por pequenas quantias de dinheiro. Esaú vendeu a sua primogenitura por um prato de lentilhas (Gen. 25, 29-32). Há quem aposte a aliança. Richard Rich traiu São Tomás Moro “por Gales”. 

São Tomás de Aquino escreve que uma das filhas do vício capital da avareza é a traição. Porquê? Porque a avareza procura possuir por excesso, pela força ou pela fraude, e a fraude, na medida em que afecta outra pessoa, é uma traição – “como no caso de Judas”, diz o santo, “que traiu Cristo por cobiça”. Resistimos a essa simples explicação porque o caso de Judas e de Cristo revela bem a irracionalidade de toda a avareza.

Por isso, a corrupção estava presente desde o início, e a sua consequência foi infinitamente grave.

Mais, a corrupção parece ter-se estendido para além de Judas, pelo menos potencialmente e virtualmente, no sentido de que cada um dos apóstolos, quando ouviram o Senhor dizer que um deles o iria trair, pensou se não seria ele o traidor (Jo. 13, 21-30).

Se naquele tempo houvesse jornais o facto mais evidente a relatar sobre os apóstolos, a melhor coscuvilhice, seria de que eles eram corruptos e tinham traído o seu mestre.

Mas pensemos agora no seguinte.

1. Esta corrupção estava presente com o tranquilo conhecimento prévio e “vontade permissiva” do Senhor. “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de vocês é um diabo!” (Jo. 6, 70).

2. De forma alguma o “cargo” Apostólico de Judas foi afetado pela sua corrupção. Matias foi selecionado para o preencher. (Actos 1, 24-25)

3. A pregação de Judas e os seus baptismos mantiveram-se válidos. Nada teve de ser refeito ou desfeito.

4. Jesus chega mesmo a garantir a “limpeza” de todos os Doze, excepto na medida em que alguém peca pessoalmente. “Quem já se banhou precisa apenas lavar os pés; todo o seu corpo está limpo. Vocês estão limpos, mas nem todos” (Jo. 13, 10).

A Igreja fundada por Cristo era “corrupta” desde o início, da mesma forma que sempre seria corrupta (incluindo agora), em pessoas particulares, desviadas pelo demónio. Mas enquanto Igreja, nas suas instituições, cargos, poderes, sacramentos e orientação divina – enquanto Corpo de Cristo – era santa da mesma forma que permanece santa.


Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 27 de Abril de 2022)

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