Monday 30 May 2022

Igrejas ortodoxas na Ucrânia - Em que ficamos?

Metropolita Onofre
Vamos lá então tentar perceber o que se está a passar nas igrejas na Ucrânia.

A Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo (vamos manter este termo, para simplificar), fez um Concílio "surpresa" em que disse que não concorda com a posição do Patriarca de Moscovo sobre a guerra, e que mudou os seus estatutos para reflectir a sua independência e autonomia.

Isto é uma ruptura total com Moscovo? Parece, mas nem tudo o que parece é. Pode não ser, de facto... Faltou usar o termo autocefalia, o que não é por acaso.

Por outro lado, na sua primeira celebração depois deste concílio, o metropolita dessa Igreja, Onofre, deixou de comemorar apenas o Patriarca de Moscovo e passou a comemorar e referir todos os líderes de Igrejas Ortodoxas autocéfalas. Ora, isso é algo reservado a líderes de igrejas autocéfalas, por isso parece que na prática ele quer impor-se como tal. Já lá vamos…

Entretanto, nas outras resoluções do Concílio a Igreja leal a Moscovo bateu na Igreja Ortodoxa da Ucrânia autocéfala e no Patriarcado de Constantinopla, chegando a sugerir que a acção desta última ao reconhecer a autocefalia da Igreja liderada pelo Metropolita Epifânio é a razão da guerra. Interessantemente, na tal celebração Onofre não comemorou os líderes das Igrejas que reconheceram explicitamente a autocefalia da Igreja liderada por Epifânio, seguindo assim a linha de Moscovo.

Mas nas mesmas resoluções, depois de bater forte e feio nessa Igreja e de dizer que ele nem é verdadeiramente uma igreja, Onofre estende uma mão para diálogo.

O que é que ele pretende? Não é claro, mas parece que está a tentar vencer em todos os tabuleiros. Quer agradar aos ucranianos rompendo com Moscovo, mas quer manter-se líder de uma Igreja autocéfala em território ucraniano, apesar de já lá existir uma, reconhecida por Constantinopla. O problema para Onofre é que tudo indica que vai ficar isolado. O Governo ucraniano já tem uma Igreja autocéfala com a qual colabora, não tem qualquer interesse em promover outra, sobretudo uma manchada por ligação próxima a Moscovo; os países ortodoxos que reconheceram a Igreja liderada por Epifânio certamente não vão dar qualquer crédito a uma estrutura paralela e as que não reconheceram, por lealdade a Moscovo, não têm por isso qualquer razão para reconhecer a de Onofre como autocéfala.

E Moscovo? Moscovo claro que não aceita. Aliás, a resposta de Moscovo, que convocou um Sínodo de emergência para analisar a questão, é hilariante e pode ser resumida da seguinte forma.

1)   
 
Não se passou nada na Ucrânia, a Igreja apenas reafirmou o status quo, que é de independência subjugada a Moscovo.

2)     Compreendemos que a Igreja Ortodoxa da Ucrânia do Patriarcado de Moscovo tenha feito o que fez (que na verdade não foi nada… ver o 1º ponto), porque está sobre enorme pressão de nazis, cismáticos e os media internacionais. Têm por isso a nossa solidariedade e compreensão pelo que fizeram, que não foi nada.

3)      As decisões que foram tomadas pela Igreja Ortodoxa da Ucrânia, que já afirmámos serem apenas a reafirmação do status quo, têm de ser analisadas por nós, apesar de não se ter passado nada.

4)      Ainda que, hipoteticamente, se tivesse passado alguma coisa (que não se passou) é indiferente, porque quem decide o estatuto da Igreja Ortodoxa da Ucrânia somos nós e agora temos mais que fazer, muito obrigado.

É mais ou menos isso, como explico em maior detalhe aqui.

Resumindo, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia do Patriarcado de Moscovo está a tentar desesperadamente manter-se à tona de água. Moscovo vai fingindo que não, mas já perdeu toda a influência que tinha na Ucrânia. Nessa perspectiva, esta guerra inventada por Putin e apoiada por Cirilo, resultou na liquidação de um dos maiores instrumentos de influência que a Rússia de facto tinha no país. Isso não vai voltar atrás.

E finalmente, a Igreja autocéfala fica agora numa posição mais confortável para as negociações com a Igreja de Onofre. Epifânio já disse, na homilia de ontem, que está disposto a sentar-se à mesa com Onofre e os seus representantes, para tentar sanar as divisões, mas só o disse depois de ter mandado uma série de “galhardetes” à Igreja ligada a Moscovo.

Lendo e analisando tudo isto, há uma coisa que salta perfeitamente à vista. Falta muito Cristo aqui neste "cristianismo".

Quanto ao futuro, é ir vendo. Muita coisa ainda irá acontecer.

Entretanto não se esqueçam que todas estas declarações, e muitas outras, estão agrupadas aqui.

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