Stephen P. White |
Claro que o contexto para
estes comentários era a fuga de um rascunho da opinião maioritária do Juiz
Alito no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que está diante do
Supremo Tribunal. Esse rascunho, já confirmado como autêntico pelo Tribunal,
anulará a sentença Roe v. Wade, que legalizou o aborto a nível federal, e
remeterá as leis do aborto de volta para os estados.
O truque para um político como
Biden está em usar termos de que as pessoas gostam, como “direitos”,
“liberdade”, “escolha”, enquanto evita os termos que recordam as pessoas de que
o que está em causa é a eliminação de uma jovem e inocente vida. Mas mesmo as
palavras “simpáticas” começam a perder o seu encanto se forem usadas de forma demasiado
desonesta durante muito tempo. As pessoas começam a desconfiar quando
aspirações nobres como liberdade e igualdade só podem ser alcançadas a um custo
tão grotesco.
É uma loucura acreditar que a
igualdade e a liberdade de metade da raça humana assentam necessariamente no
direito ilimitado de usar força letal contra crianças inocentes. Contudo, esta
é a opinião firme de Nancy Pelosi sobre o assunto. A eliminação de Roe seria
uma “abominação”, avisou. “Ao eviscerar a liberdade fundamental das mulheres de
gozar de plenos cuidados reprodutivos, os juízes radicais nomeados pelos
republicanos preparam-se para infligir sofrimento inimaginável sobre dezenas de
milhões de famílias”.
Este grau de histeria é uma
boa indicação de como o argumento de Alito destrói por completo a lógica de Roe
e de Casey. No meio de todo o clamor e ranger de dentes que ouvimos esta
semana, temos assistido a uma ausência notória de críticas sérias aos
argumentos jurídicos de Alito por parte da fação pro-Roe. Como já se disse infinitas
vezes esta semana, a opinião é ainda um rascunho, e não uma versão final, mas
os dados parecem lançados e é difícil não esperar que em breve o Roe v. Wasde
seja revogado.
Claro que a revogação de Roe
não porá fim ao aborto neste país. Por mais necessária e grandiosa que seria
essa vitória, a guerra passaria apenas para outros campos de batalha –
principalmente para os estados, mas também para o Congresso. Há muito que se
presume que o retorno da questão para o nível estadual produziria um conjunto variado
– mas no geral mais moderado – de leis do que aquelas que eram permitidas ao
abrigo de Roe. Poderá ser isso mesmo que acontece. Mas não será automático. E
não acontecerá sem muito esforço e coragem aos níveis local e estadual.
Norma McCorvey, a "Roe" original |
Questões como atravessar
fronteiras estaduais, ou enviar medicamentos abortivos de um estado para o
outro vão certamente garantir que o Governo federal vai continuar a desempenhar
um papel importante na restrição (ou promoção) do aborto. Mesmo que o Congresso
demonstre não ser capaz, ou não ter vontade, de tomar medidas directas e
substanciais, o executivo continuará a ser importante para redigir as regras e
os regulamentos em torno do aborto. Não é implausível pensar que sem o Supremo
Tribunal para tornar o aborto uma lei federal, ambos os partidos serão tentados
a colocar as políticas federais sobre o aborto o mais possível no ramo executivo.
Escusado será dizer que o
cenário pós-Roe tornará ainda mais urgente a expansão de programas para ajudar
mães e crianças em situações difíceis. A Lei do Batimento Cardíaco no Texas,
por exemplo, é famosa por proibir a maioria dos abortos e também pela forma
pouco comum de aplicação, dependendo de denúncias remuneradas. Mas o que foi
muito menos divulgado foi que essa mesma lei, que praticamente acabou com a
indústria abortiva no Texas, também aumentou os subsídios estaduais para mães
pobres, expandiu a cobertura social e providenciou 100 milhões de dólares todos
os anos para o programa Alternativas ao Aborto.
Os estados que possam
restringir o aborto depois da revogação de Roe devem fazê-lo, claro, mas os
mesmos estados devem estar preparados para ser o mais generosos possível a
confirmar que todas as mães e bebés (e pais) tenham o apoio de que precisam
para que dizer sim à vida seja o mais fácil possível. À medida que as políticas
sobre o aborto regressam aos estados tornar-se-á ainda mais politicamente
imperativo vencer ao nível local e pessoal, tanto nas medidas concretas como na
retórica.
Os milhares de centros de
aconselhamento a mulheres grávidas em dificuldades que existem no país já fazem
um trabalho fantástico neste campo. Não há qualquer razão para não coordenar as
restrições ao aborto com o aumento de apoio a essas organizações, seguindo a
decisão do Texas de disponibilizar recursos diretamente a mulheres que
enfrentam gravidezes indesejadas ou difíceis. Não só é a coisa certa a fazer, como
revela a falsidade de quem acusa os movimentos pró-vida de deixarem de se
preocupar com a dignidade humana a partir do momento em que o bebé nasce.
Uma última coisa para os
católicos terem em conta num cenário pós-Roe: Ao longo de décadas o Roe v. Wade
definiu o status quo político e jurídico. Ao longo de décadas demasiados
católicos revelaram uma deferência exagerada a esse status quo. Quando o
Roe desaparecer, se Deus quiser, e se quebrar o impasse jurídico, deixará de
ser sustentável a atitude de ficar nas margens e evitar abanar o barco. Quebrar
o monopólio judicial da política do aborto significará que os cidadãos comuns,
e os legisladores locais e estaduais, passam a ter uma maior responsabilidade
na defesa da vida – ou na sua promoção ou destruição. Os católicos, incluindo
os nossos bispos e pastores, devem estar preparados para tudo o que isso
significa.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na quinta-feira, 5 de Maio de 2022)
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