Wednesday, 22 August 2018

Vida e Morte na Terra Roxa da Argentina

Carlos Caso-Rosendi
“Chamarei ao meu livro A Terra Roxa. Que outro nome se poderia dar a uma terra tão manchada pelo sangue dos seus filhos?” – William Henry Hudson

Nas altas horas do dia 9 de Agosto, 2018, os senadores da Argentina rejeitaram a legalização do aborto: 38 votos contra, 31 a favor. Dois senadores abstiveram-se. A proposta de lei incluiu desde o início várias contradições claras. Por exemplo, o texto votado no senado classificava o aborto como um “direito” – na verdade, um direito exclusivo e absoluto da mulher – apesar de a Constituição reconhecer claramente que a vida de todos os seres humanos está protegida desde o momento de concepção até à morte natural.

O movimento para legalizar o aborto na Argentina tem sido financiado na maior parte por organizações estrangeiras baseadas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, com o apoio adicional de fundos públicos fornecidos pelas autoridades locais, a vários níveis. Também tem chegado apoio substancial dos media, detidos em larguíssima medida por corporações estrangeiras. É fácil perceber que se trata apenas de mais um tijolo no muro anti-vida que os globalistas estão a erguer um pouco por todo o mundo.

Desde o fim do domínio colonial espanhol, grupos de argentinos têm passado o tempo a odiar-se furiosamente. As desavenças sobrevivem durante décadas, dividindo irmãos em guerras amargas que escandalizariam os Hatfield e os McCoy.

A recente campanha para legalizar o aborto não foi excepção. Os católicos e outros grupos cristãos opuseram-se, na maioria, à nova lei. Do outro lado havia alguns grupos pequenos mas barulhentos e, claro, os media generalistas. Ambos financiados por grandes corporações globalistas na Europa e na América.

Os adversários do aborto organizaram várias marchas e eventos, incluindo uma manifestação gigante, em todo o país, organizada por grupos de acção católica. Pessoas de todos os meios marcharam contra a proposta de lei na capital, Buenos Aires, e também noutra marcha organizada por cristãos não-católicos, com o apoio e a participação de simpatizantes católicos pró-vida. Essas manifestações foram ordeiras e limpas, pacíficas e de grandes dimensões.

Os defensores do aborto recorreram ao vandalismo, agressão física e verbal, blasfémia,
nudez e ataques a locais de culto católicos, especialmente em Buenos Aires. Tudo com o apoio dos principais programas de rádio e televisão, em que os argumentos da oposição eram descritos pelos “cognoscenti” como superstições medievais, indignos de uma sociedade do século XXI.

Na semana que precedeu a votação final no Senado, a Igreja Católica cumpriu o seu dever de recolher assinaturas, expressar preocupação e propor soluções razoáveis (embora o silêncio de Roma tenha sido ensurdecedor). Um padre católico que conheço lamentou que a maioria dos seus colegas padres e bispos estavam mais preocupados em não criar ondas do que em defender a verdade e a vida – o que não me espanta nada.

Embora os chamados “pró-escolha” tenham culpado a “poderosa hierarquia católica” pela sua derrota estrondosa, a verdadeira oposição do lado católico veio dos leigos que rapidamente se organizaram para defender a vida em várias frentes e estavam já prontos para desafiar a constitucionalidade da lei, caso passasse. Os bispos mostraram o seu apoio depois de o movimento ter chegado a uma certa massa crítica, umas semanas antes da votação no senado.
 
O debate no Senado decorreu ao mesmo tempo que procuradores federais e juízes prenderam uma dúzia de empresários de topo, ligados a uma vasta rede de lavagem de dinheiro e subornos que, de acordo com os primeiros cálculos, saqueou as finanças públicas em cerca de 100 mil milhões de dólares durante a última década. O escândalo tem ramificações internacionais que serão reveladas nas semanas e meses que vêm.

Um dos efeitos secundários desse esquema gigante tem sido o crescimento exponencial da percentagem – agora próxima dos 50% – de argentinos a viver abaixo da linha de pobreza. O aumento da pobreza e a tentativa de legalizar o aborto representa uma mistura muito peculiar. Porquê? Porque os mesmos políticos que criaram estas condições miseráveis, roubando aos pobres, argumentam agora que as mulheres grávidas devem ter o “direito” a abortar se forem tão pobres que não podem educar a criança.

Chamar cínico a esse argumento é pouco, mas num espaço familiar como este não tenho outros termos que possa usar.

Para a Argentina, este é o final de um século de declínio. O que é mais decadente do que um grupo de legisladores reunir-se para dar a certos cidadãos licença para matar os mais fracos e indefesos? Como é que o mundo reagiria se fosse uma lei para descriminalizar a escravatura, a matança de judeus ou a violação de mulheres? Há alguma diferença substancial entre essas e o aborto?

A República Argentina, em tempos orgulhosa e rica, bateu no fundo. O clube fechado de aldrabões que passam por líderes empresariais conseguiu destruir o que restava da economia, com a ajuda de políticos imorais, um sistema judicial corrupto e uma população que se mantém hipnotizada pelo canto da sirene do peronismo e as palavras de ordem esgotadas da Esquerda política dos anos 70.

No meio deste total desastre, fico contente por ver que os católicos normais tiveram a coragem de sair à rua e mostrar aos seus corruptos líderes políticos, empresariais e eclesiásticos que não vão permitir que os globalistas exterminem a nossa população.

A “ordem” social que temos aturado durante tanto tempo está a chegar ao fim. Afinal de contas, está na natureza da cultura da morte, eventualmente, morrer. Os poderosos não esperavam que isto acontecesse. Pelo que isto é também um apelo aos católicos em todo o mundo para ouvirem as palavras do nosso Papa: hagan lío (“façam barulho”) porque temos uma igreja para limpar e um mundo cheio de almas por salvar.


Carlos Caso-Rosendi é um autor argentino-americano. Converteu-se ao catolicismo em 2001. Fundou o site de língua espanhola Primera Luz e tem o seu próprio blog em inglês, Carlos Caso-Rosendi. Entre os seus livros incluem-se Guadalupe: A River of Light e Ark of Grace – Our Blessed Mother in Holy Scripture. Vive em Buenos Aires.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 18 de Agosto de 2018 em TheCatholic Thing)

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