Brad Miner |
Se tivesse feiticeiros em fez de médicos, e se esses
feiticeiros pudessem invocar e dar corpo ao cancro, apresentando-o diante de
mim, de punhos em riste, então eu lutaria – se a cura dependesse disso. Mas eu
limito-me a colaborar com os protocolos. E que seja feita a vontade de Deus.
Passadas algumas semanas dei por mim a dizer, “nada como
ser tratado por cancro para finalmente me sentir doente”.
Antes de começar quimioterapia e radioterapia, no dia 19
de Março, não me tinha sentido de todo doente. Mas depois de sete sessões de
quimio à segunda e trinta sessões de radio, de segunda a sexta, estava mais
maldisposto do que alguma vez me tinha sentido em 70 anos: pior que a pior das
gripes que alguma vez tive; pior que a reação adversa que tive quando recebi
vacinas contra a cólera e a varíola, antes de uma viagem terrível à Ásia, em
1969.
Mas ser “curado” de cancro é uma questão difícil, porque
a doença tem uma forma de se “esconder”, palavra que coloco entre aspas, porque
o cancro não tem capacidades cognitivas. É desprovido de inteligência, embora
continue a desafiar alguns dos melhores cientistas no mundo.
Mas tenho boas notícias, que creio que serão bem-vindas
pelos muitos leitores do TCT que me têm desejado uma boa recuperação e me têm
pedido que os mantenha informados. Um exame de PET feito no dia 17 de Julho não
detectou mais células cancerígenas no meu corpo. Como digo, não me posso dizer
curado ainda. Aliás, dentro de três meses estarei de volta ao hospital para ser
visto de novo e, depois disso, com regularidade durante cinco anos. Então, caso
entretanto não tenha sido atropelado por um autocarro na 5ª Avenida ou atingido
na cabeça por um meteorito, e SÓ então, poderei dizer que estou curado.
Tenho muitas memórias más, porque muitas coisas más me
aconteceram na vida, sobretudo antes de ter entrado para a Igreja quando tinha
vinte e tais anos, e de me ter casado aos trinta e tais. Há coisas de que me
arrependo e – apesar de recorrer frequentemente à Confissão – algumas delas
quase me assombram. De certa forma, ter cancro está longe de ser a pior coisa
que me aconteceu na vida.
Aliás, até pode ter sido uma coisa boa, uma coisa muito
boa.
Soube da preocupação de amigos, incluindo leitores deste
site, e isso está perto do topo da lista, embora no topo mesmo esteja a minha
mulher, Sydny. Naquele primeiro artigo, escrevi que as minhas orações, enquanto
estava deitado na marquesa a receber as radiações, eram pelos meus amigos, mas
também por estranhos, sobretudo aqueles que eu e a Syd víamos no hospital e que
claramente estavam sozinhos. Tenho uma certa reputação de durão, e sim, talvez
conseguisse aguentar o último ano sozinho, mas, como disse a um dos
funcionários do hospital – “é bom ser casado”. Não pensei que fosse possível amar
mais a Syd. Estava errado, mas disso não me arrependo.
Mas existe um amor que ultrapassa esse. Falando da
confissão, recordo-me de uma vez ter admitido a um padre que não estava certo
de amar a Deus. “Amo a minha mulher, e os meus filhos e os meus amigos e o meu
trabalho… mas…” E ele interrompeu-me: “O amor de Deus é uma coisa intelectual.
Bom, é e não é”.
Para mim já não é. Amar Deus, amar Jesus e amar o
Espírito Santo é uma questão de rendição. É isso que se pretende com a extrema
unção e é disso que ouvimos falar os santos: “Deves-te render ao amor de Deus”.
Essas palavras têm o seu mérito, mas aquilo que me ocorre depois deste meu
encontro próximo com a morte (e com as coisas a que um moribundo se agarra
quando chega o seu tempo) é que a Trindade é família. O Céu é Família. O Céu é casa.
Regresso a casa |
Robert Frost disse-o na perfeição no triste e belo “Death
of a Hired Hand”. Mary e Warren estão sentados na varanda a falar de Silas, um
trabalhador sazonal velhote que regressou à quinta fora de época. Warren está
preocupado com as suas andanças. Mas Mary diz-lhe para ser simpático, porque
tem a certeza que Silas, que dorme lá dentro junto da lareira, regressou a casa
para morrer.
Responde Warren e tom suavemente gozoso: “Casa…”,
acrescentando “Casa é o local onde, quando não tens mais para onde ir, têm de
te acolher”.
Mas Mary contrapõe: “Eu diria antes que é algo que, de
certa forma, não temos de fazer por merecer”.
A nossa casa no Céu imaginada é misteriosa. Isaías, em
64,4, citado por Paulo em 1 Coríntios 2, 9, avisa que “desde a antiguidade não
se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu o que Deus
preparou para quem o ama” (Isaías diz “que nele espera.”)
Aquilo que percebi enquanto amava e rezava, me confessava
e comungava, e enquanto esperava e me confiava, deixando-me abraçar a realidade
da morte… É que estou no sítio para onde vou. Em casa. Sempre estive em casa.
Neste momento o meu corpo não está a morrer, mas um dia estará e, quando esse
dia chegar, atravessarei alegremente esse umbral, rumo à minha casa eterna.
Sem dúvida que ainda me espantarei se der com uma cobra
na relva, mas não vejo que mais possa haver de que tenha medo.
É suposto que o meu amor seja imperfeito, mas o de Cristo
não é. Ele ama-me e esse amor é tudo o que preciso para me levar à prudência,
coragem, temperança e justiça. E isso é amar a Deus.
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 6 de Agosto
de 2018 em The Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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