O conhecido filósofo político Leo Strauss terá dito certa
vez que os teoristas políticos modernos são piores que o imperador Nero, de
Roma. Porque ao contrário deste, eles não sabem que estão a tocar lira, nem que
Roma está a arder.
Há poucas semanas, em Junho, os bispos americanos tiveram
a sua reunião anual em Fort Lauderdale e, segundo os relatos, passaram grande
parte do tempo a discutir política contemporânea e as alterações a fazer ao
guia para as eleições do Outono.
Entretanto em Roma, na semana passada, o padre Antonio
Spadaro, S.J., editor da revista semi-oficial do Vaticano, La Civiltá
Cattolica, publicou em conjunto com Marcelo Figueroa, o presbiteriano escolhido
pessoalmente pelo Papa Francisco para ser editor da edição argentina do
L’Osservatore Romano, um longo ensaio que ataca um fenómeno religioso
americano: “O Evangelho da Prosperidade: Perigoso e Diferente”.
Ao contrário do seu anterior esforço conjunto, que argumentava que a colaboração entre evangélicos e
católicos conservadores era uma forma de “ecumenismo de ódio”, este artigo atraiu pouca atenção. O que não é surpreendente.
Embora os promotores do Evangelho da Prosperidade tenham
ligações ao Presidente Trump – que parece ser o verdadeiro alvo deste ensaio –
poucos dos que conhecem a religião nos Estados Unidos diriam que este fenómeno
é de alguma forma importante. Na verdade, a maioria dos religiosos, tanto à
Esquerda como à Direita, encaram-nos como uma excêntrica seita cristã.
Entretanto, em simultâneo em vários países, está a
emergir uma nova ameaça à Igreja, uma crise de confiança na liderança católica
e na Igreja em si, que poderá fazer com que estas outras preocupações, que são
todas bastante periféricas à vida e missão da Igreja, pareçam mera música.
Na América são muitos os que se têm sentido chocados com
revelações de que o Cardeal Theodore McCarrick, um dos prelados mais importantes
da Igreja Católica americana ao longo das últimas décadas e a face pública da
Igreja depois da revelação, em 2002, da crise de abusos sexuais por parte de
padres, era ele próprio um abusador.
Inicialmente surgiram histórias da sua relação com homens
adultos, dois dos quais receberam indemnizações das dioceses de Metuchen e de
Newark, onde McCarrick tinha servido enquanto bispo e arcebispo. Essas
histórias confirmavam o que se dizia em rumores há muitos anos, que o “Tio Ted”
tinha o hábito de pressionar jovens seminaristas e outros para encontros
sexuais.
Mas agora surgiu um homem com histórias de abusos
praticados por McCarrick quando aquele tinha apenas 11 anos. E, tendo em conta
o que já sabemos, não há dúvidas que mais escândalos estão para vir.
Tudo isto tem levado a mais revelações por parte de
pessoas que foram abusadas por padres e bispos, alguns de forma chocante, bem
como o facto doentio de praticamente ninguém em posição de autoridade ter
agido, sobretudo quando havia bispos envolvidos. Se aguentar os detalhes,
alguns dos quais são blasfemos e verdadeiramente diabólicos, poderá ficar com
uma ideia da natureza do problema aqui,
aqui,
aqui
e, sobretudo, aqui.
Perante isto, não admira que estejamos a assistir a uma
onda de revolta na América, mesmo entre católicos fiéis. A julgar pelas muitas
pessoas com quem estou em contacto regularmente e que conhecem bem esta
matéria, poderemos estar à beira de mais uma profunda interrogação na Igreja,
desta feita não devido a queixas sobre padres, mas sim sobre bispos que
deveriam ter feito algo sobre outros bispos e pessoas em posição de autoridade.
Já vimos como este assunto azedou a viagem do Papa ao
Chile no início deste ano. Dois cardeais chilenos, incluindo um dos que
pertence ao grupo de nove conselheiros do Papa Francisco, estão implicados em
encobrimento e possivelmente no envio de desinformação ao Papa Francisco. Ainda
ontem as autoridades chilenas anunciaram que estão a investigar 158 membros da
Igreja que são suspeitos de ter abusado, ou de ter encoberto abusos.
Outro dos principais conselheiros do Papa, o cardeal
Oscar Rodriguez Maradiaga, das Honduras, foi acusado de corrupção financeira.
Mas potencialmente mais sério é o caso do seu subordinado, o bispo Juan José
Pineda Fasquelle, que gere a arquidiocese durante as longas ausências de
Maradiaga, que teve de resignar depois de várias revelações de abuso sexual de
seminaristas, numa situação em tudo semelhante à de McCarrick.
Mas o que é pouco usual no caso de McCarrick é que se
trata de um cardeal em exercício que agora foi julgado pelas autoridades
competentes por ter cometido ofensas ao longo de muitos anos, mas que continua
a ser cardeal. O Papa Francisco tem de fazer algo sobre isto, bem como sobre
aqueles que permitiram que a situação se mantivesse.
Porque apesar de o negarem, muitos bispos americanos
receberam queixas sobre McCarrick e nada fizeram para o impedir. Mesmo Roma
teve de ser informada sobre as indemnizações devido a abusos cometidos mais
cedo e sabemos que uma delegação de leigos esteve em Roma para tentar impedir a
nomeação de McCarrick para Washington, precisamente por causa das suas inclinações
sexuais.
Mesmo o “The Washington Post”, que anteriormente não
tinha mostrado qualquer interesse nos boatos sobre McCarrick, observou: “Muitos
comentadores na Igreja acham que este é um momento crucial para o pontificado
de Francisco, devido à estatura de McCarrick e o facto de estarem a rebentar escândalos
de abusos sexuais no Chile e nas Honduras.”
O nosso amigo Phil Lawler escreveu um ensaio de leitura
obrigatória, que foi publicado ontem no site da First
Things. Saber como é que McCarrick conseguiu abusar de crianças e adultos
durante tanto tempo, diz ele, é uma questão importante para a protecção de
futuras vítimas, mas: “é menos importante do que saber como é que a sua
ascensão pela hierarquia eclesial continuou, apesar de já existirem rumores
sobre as suas actividades homossexuais. Porque é que McCarrick foi nomeado
arcebispo de Washington e feito cardeal? Porque é que o deixaram promover os
seus protegidos, que depois desempenharam missões diplomáticas para o Vaticano?
Como é que pôde influenciar a nomeação de bispos e até de um Papa, depois das
suas aventuras na casa da praia se terem tornado conhecimento comum?
Descobrir a resposta a estas perguntas exige um autoexame
muito doloroso, tanto nos Estados Unidos como em Roma. Mas a alternativa é
continuar como se nada fosse, e isso está a tornar-se impossível.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 25 de Julho de
2018)
© 2018
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment