Michael Pakaluk |
Os Javalis são a equipa de 12 rapazes e o seu
treinador, que ficaram presos pelas águas das monções numa pequena câmara,
quatro quilómetros no interior de uma rede de grutas no norte da Tailândia. É
preciso alguma imaginação para apreciar o drama da coisa.
As grutas são escuras como o breu, sem pinga de luz.
As passagens não foram limpas nem polidas para poderem receber turistas,
assemelham-se mais a caminhos rigorosos ao longo de escarpas.
Não é raro encontrar pequenas fendas pelas quais só se
consegue passar se dobrar o corpo exactamente da forma correcta. Agora imaginem
tudo isso, mas debaixo de água fria, com correntes fortes. Pense na sua
caminhada favorita junto a uma falésia, e agora imagine-se a percorrer essa
mesma distância, mas nadando, em escuridão total, através de caminhos
estreitos, contra a corrente. Porque é isso que é preciso para os tirar de lá.
Entretanto têm estado aninhados numa pequena saliência daquela pequena câmara, com
o oxigénio a esgotar-se.
Poderia ter sido um grupo de rapazes qualquer, mas são
uma equipa de futebol. Este facto pode não significar muito para si, mas não se
esqueça que 40% da população mundial tem estado a acompanhar, nos últimos dias,
o maior evento desportivo do planeta, o campeonato do mundo de futebol.
Os rapazes entraram para a gruta quase em simultâneo
com o primeiro jogo do campeonato. O presidente da FIFA já convidou os Javalis
para assistirem à final em Moscovo, no domingo, se estiverem bem de saúde. Não
haveria melhor forma de chamar a atenção do mundo para tudo o que têm passado.
O conceito cristão de providência diz-nos que este
tipo de provação pública não acontece apenas por acidente, mas são desígnios do
plano de Deus que servem para nos ensinar algo. É por isso que podem servir de
inspiração para arte de boa qualidade (ou de menor qualidade) como “O Naufrágio
do Deutschland”, “No Ar Rarefeito”, “Titanic” e “O Endurance”.
Nosso Senhor dá-nos um exemplo disto: “E aqueles
dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram
mais culpados do que todos quantos homens habitam em Jerusalém? Não, vos digo;
antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.” (Lucas 13:4,5)
Então o que podemos aprender da provação dos Javalis,
para além da necessidade de arrependimento?
Aqui temos alguma liberdade criativa. Enquanto
filósofo, gosto particularmente da combinação de imagens – uma gruta, debaixo
de água. Muitos têm sentido que a vida envolve algum tipo de contenda, ou de
teste. Platão concebeu-a na forma de caverna e desde então os filósofos têm
apreciado a imagem.
A caverna de Platão era profunda e acidentada, não
totalmente escura, mas iluminada por um fogo que lançava sombras. Em princípio
era possível sair dela por si. Mas com um guia seria mais fácil e era preciso
ser libertado por ele para poder sequer começar a viagem.
Cristo poderia ter usado a imagem da caverna, uma vez
que estas abundam na Terra Santa. Mas em vez disso ele imaginou a salvação como
um resgate da água, sendo o homem retirado de lá como um peixe. Isto é, em si,
interessante.
As cavernas são, por natureza, lugares inóspitos à
vida; a água é uma fonte de vida: assim, um homem que se afoga na água não está
num lugar onde nenhum ser vivo deve estar, mas simplesmente onde nenhum ser
humano deve estar. Mais, a sua salvação pode ser instantânea: basta retirá-lo
da água. Aí poderá respirar, ficará ao sol. A ascensão através da água é
secundária, uma vez que basta uma poça para se poder afogar. Para além disso, o
tempo é limitado. Logo, a principal tarefa de um homem que se está a afogar não
é esforçar-se por subir, mas deixar de esbracejar e aceitar a ajuda do Pescador
de Homens.
E, no entanto, muitos dos nossos contemporâneos têm
mais em comum com esta equipa de futebol. Precisam de ser pescados da água,
sim, mas ao mesmo tempo vão-se colocando cada vez mais fundo na caverna. O seu
resgate, nesse caso, requer uma combinação hábil de fé e de razão: um
testemunho sacrificial de fé, ao ponto da morte, mas também as capacidades
necessárias para encontrar passagens através das grutas escuras.
Esta é, para mim, a mais importante lição deste
evento. Imaginem o homem abandonado numa saliência, dentro de uma caverna
parcialmente inundada. A Igreja deve ir em seu auxílio. Mas será que ela já
anteviu a necessidade de ter uma equipa de mergulhadores especialistas para o fazer?
Será capaz de identificar os peritos “amadores” que verdadeiramente sabem como lidar
com estas circunstâncias, ou aceitará a sua ajuda se eles se apresentarem como
voluntários? Já teve apóstolos com essas características, mas precisa de mais.
Há muitas outras lições a retirar, que deixarei ao
leitor, com uma excepção. A cooperação internacional que envolveu o resgate
destes rapazes permite-nos retirar alguma ilação sobre a natureza humana?
Se a natureza da humanidade fosse de estado de guerra de
todos contra todos, quando uma equipa de elite da marinha tailandesa nadasse quatro
quilómetros através das águas escuras de uma caverna não para eliminar, mas
para salvar, o grupo que lá se encontra, estaria a agir contra a natureza
humana. O seu aparente heroísmo resultaria apenas da convenção e da ameaça de
punição por incumprimento.
Mas claramente não é esse o caso, e gostamos de nos
lembrar que assim é. Gostamos de histórias como esta, do resgate da caverna,
porque nos mostra que os militares são, fundamentalmente, agentes de paz e
porque a humanidade, não obstante o pecado e a morte, está enfim, em paz.
Michael Pakaluk,
é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor
da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America.
Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela
primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 10 de Julho de
2018)
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gostei muito desta reflexão. obrigada.
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