Alguns jornais europeus noticiaram – muito discretamente
– que de acordo com polícia na região alemã de Vestefália/Renânia do Norte,
entre 2011 e 2016 houve 3.500 casos de vandalismo/profanação de igrejas
cristãs. Corresponde a cerca de dois por dia, só numa região da Alemanha, todos
os dias, ao longo de cinco anos.
O mais provável é que nunca tenha ouvido falar disto. A
maioria dos europeus também não, porque… Bom, porque não. Mesmo estes números
vagos são difíceis de conseguir. Em vários países a polícia não quer assustar o
público, dando a ideia de que não consegue fornecer segurança básica – lembram-se
dos casos de assédio sexual a mulheres na passagem de ano o ano passado? E,
claro, há ainda o factor do politicamente correcto.
As autoridades alemãs dizem que os ataques em Vestefália
são em larga medida da responsabilidade de salafitas jihadistas, que roubam
dinheiro das caixas de esmolas para ajudar a financiar as suas actividades. Os
salafitas tendem a proibir o uso da razão (kalam) em assuntos de religião e entre
eles há opiniões divergentes em relação à jihad violenta. Há cerca de 7.500
salafitas na Alemanha, 17.000 em França, milhões no Egipto e na Índia e grupos
mais pequenos na Suécia e na China. Há-de haver um número significativo, mas
desconhecido, nos Estados Unidos.
Se quer saber qual será um dos factores decisivos em
2017, pode bem ser como o Ocidente lida, ou deixa de lidar, com desafios como
aqueles que são apresentados por movimentos como o salafita, ao estilo do
massacre no mercado de Natal em Berlim, inspirado pelo Estado Islâmico.
A China e a Rússia exigirão políticas externas duras e
criativas do ponto de vista da economia. A política interna americana vai ser
uma batalha campal. Mas o islamismo envolve desafios fundamentais ao nível do
pensamento e das crenças.
De facto, mais do que uma ameaça externa, o islamismo
envolve uma crise no próprio Ocidente. A chanceler alemã Angela Merkel disse
que o problema na Europa não é um excesso de muçulmanos, mas uma escassez de
Cristianismo. É uma forma já tardia de justificar a entrada de mais de um
milhão de muçulmanos, sem qualquer examinação, na Alemanha e, por consequência,
para toda a Europa e até mais além, devido aos acordos Schengen.
Mas Merkel não deixa de tocar uma verdade, embora talvez
não aquela que pretendia. Não é só o Leste que está em tumulto, o Ocidente
também está, como se torna evidente pelos primeiros sinais de desintegração da
União Europeia e a revolta populista que levou à eleição de Donald Trump.
A velha ordem liberal, baseada no pluralismo e na tolerância,
foi boa enquanto durou, enquanto o Ocidente gozava da protecção providenciada
pela tradição judaico-cristã. Quando se acredita, como se lê no Génesis, que os
seres humanos são feitos à imagem de Deus, é fácil compreender porque é que
devemos respeitar-nos uns aos outros, na medida em que todos temos livre
arbítrio e uso da razão.
Mas quando, como acontece com as elites ocidentais, se
deixa de acreditar que a dignidade humana é transversal, é difícil explicar
porque é que o outro merece respeito enquanto ainda está no ventre, ou quando
discorda de nós no que diz respeito à política ou à fé.
Os nossos partidos políticos foram-se alinhando em posições
radicalmente opostas, com os republicanos a promover a fé, família e nação e os
democratas a raça, género e classe. Claro que isto é uma simplificação, mas
traduz em linhas gerais o destino do país sob um partido ou outro. Com o
Presidente Trump, as irmãzinhas dos pobres não têm nada a temer mas a Planned
Parenthood sim. Se Hillary tivesse ganho, seria ao contrário.
Existe uma divisão semelhante no que diz respeito à
defesa do Ocidente. Trump defende medidas mais severas, os democratas acreditam
que podemos continuar a tratar os muçulmanos como apenas mais um grupo
religioso numa América religiosamente pluralista.
Há aqui questões delicadas, e outras não tão delicadas. A
administração Democrata que atropelou os cristãos e outros que resistiram a
nova moral do Estado moderno, mas que desdramatizou a ameaça islamita, não foi
capaz de fazer esta distinção.
Salafitas na Alemanha |
O filósofo político Pierre Manent argumenta que a França
está perante esta crise porque as suas elites ainda acreditam, em larga medida,
que de acordo com as regras iluministas da revolução francesa, este problema
não deve sequer existir. Pensam que se todos forem acolhidos pelo Estado
secular, verão que só têm a ganhar em assimilar-se e dar-se com a sociedade.
Logo, os conflitos que possam existir só podem ter a ver com dinheiro e
exclusão social. Como se não houvesse quaisquer outras visões da política,
sociedade ou religião.
Isso tem sido dado como falso repetidamente. No dia 11 de
Setembro em Nova Iorque e em Washington, e noutras ocasiões em Madrid,
Copenhaga, Boston, Paris, Bruxelas, Saint-Étienne-du-Rouvray, Nice, San
Bernardino, Columbus, Orlando, Cairo e há dias em Istambul.
Os nossos líderes seculares e – infelizmente –
religiosos, têm feito verdadeiras manobras de contorcionismo para negar que
haja qualquer factor “autenticamente” religioso nestes ataques. Até o Vaticano,
que pensar-se-ia poder apreciar o papel central da religião na vida humana, se
juntou ao coro, afirmando que os verdadeiros motivos são dinheiro, poder,
petróleo, o negócio das armas – tudo menos religião.
Tudo isto faz lembrar o debate sobre a União Soviética
durante a Guerra Fria, quando uma fatia significativa da opinião pública do
Ocidente quis desdramatizar as diferenças em relação a um sistema
agressivamente ateu e armado com milhares de armas nucleares, principalmente,
deve-se dizer, por medo das consequências de enfrentar a verdade.
Actualmente o Ocidente está quase tão dividido como o
Oriente em termos de religião e aquilo que a fé significa para as pessoas. Não
vamos ultrapassar esta brecha em 2017 – pelo contrário, é natural que se torne
ainda maior, à medida que a já forte resistência ao Presidente Trump ganha
força. Mas uma sociedade sã encararia 3.500 ataques a Igrejas cristas – e
sabe-se lá quantas mais noutros locais – como um sinal de alarme.
Nada disto corresponde a uma “guerra contra o Islão” –
isso é um falso problema – mas sim a uma batalha perpétua contra todos aqueles,
incluindo os da nossa própria cultura, que ameaçam as fundações da dignidade e
liberdade humanas.
Feliz Ano Novo.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 2 de Janeiro de
2017)
© 2017
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment