Anthony Esolen |
O meu grande amigo Robert George gosta de perguntar aos
seus alunos universitários quantos deles, caso tivessem vivido no Sul antes da
Guerra Civil, ter-se-iam oposto à escravatura. Todos levantam a mão. “Deus os
abençoe”, diz ele, e depois explica-lhes o que lhes teria custado essa
oposição: serem ridicularizados pelos líderes políticos e intelectuais da
sociedade; calúnia sobre os seus motivos; incompreensão – na melhor das
hipóteses – por parte dos familiares; despedimento; solidão e escassa gratidão
das pessoas que tencionavam ajudar.
Nem sequer é claro que teriam a capacidade de formar uma
posição moral tão distante daquilo que muitos deles tinham dado por adquirido
desde que nasceram. É quase como fazer uma cirurgia a nós próprios sem
anestesia: arrancar da nossa carne um aspecto errante da nossa cultura, pelas
raízes, com todos os ganchos e picos. E quem é que pegaria nesse bisturi por
sua livre iniciativa? Para isso seria necessário abraçar uma autoridade
superior e contrária ao que toda a gente sabe, o que toda a gente diz, toda a
gente faz. E tal autoridade deveria fazer mais do que apenas recomendar, teria
de comandar, mesmo perante o sofrimento, a dúvida e o fracasso.
Ai, as ilusões dos homens, convencidos da sua bondade! O
que os outros seriam, ninguém sabe, mas se nós vivêssemos na Alemanha Nazi,
seríamos todos Oskar Schindler ou Corrie ten Boom; jamais teríamos apanhado a
doença nacionalista e socialista; teríamos visto para além das mentiras, mesmo
quando apresentadas de forma inócua e moderada e politicamente razoável, como
se encontrava nos melhores jornais – não os jornais nazis, não, mas os
seguidistas, aqueles para os quais um homem decente podia escrever ao mesmo
tempo que fazia compras na drogaria do judeu.
Também não teríamos dançado aos sons das balalaicas do
Bolshoi. Teríamos visto aquelas igrejas todas confiscadas, transformadas em
museus ou celeiros, ou demolidas, e não teríamos alinhado com doze anos de
escolaridade a criticar a velha fé ou a congratular-nos por vivermos na terra
mais progressista alguma vez vista pelo homem.
Teríamos feito aquilo que é ainda mais raro do que
aceitar a crítica, teríamos rejeitado o elogio. Teríamos requisitado mapas da
Sibéria da biblioteca local, regozijando nos nossos corações pelo facto de em
breve irmos para lá desterrados na companhia dos verdadeiros patriotas;
ansiando o gulag, o pão bolorento, a enxada para quebrar a lama congelada, as
luvas sem dedos e um farrapo de papel todos os dias para limpar o traseiro.
Sim, era isso que faríamos, tudo com uma determinação
nascida da nossa própria vontade, julgando-nos a nós próprios, comandando-nos a
nós próprios, obedecendo a nós próprios.
Não nos é dado o direito de escolher o mal público das
sociedades em que nascemos. Alguns de nós, se nos mantivermos fiéis a Cristo,
seremos levados por esse mal a sofrer o martírio do sangue. Foi o que se passou
com as freiras carmelitas de Paris, que subiram à guilhotina durante a grande
regurgitação secular de loucura, crueldade, vanglória, blasfémia e luxúria.
A outros será pedido um sacrifício muito menos terrível.
Qual é o mal público do nosso tempo? Qual a coisa que nos custaria mais, em
termos de ridicularização pública e perseguição, a rejeitar, se agíssemos em
conformidade?
Todos nós seríamos Oskar Schindler? |
A resposta é fácil. A Revolução Sexual. Já ouço as
objecções dos bem-pensantes: “Mas a Revolução Sexual não é nem de longe nem de
perto tão má e errada como o nazismo. É absurdo equiparar uma ao outro”. Mas eu
nunca disse que as duas coisas eram iguais.
Por acaso não é fácil defender que, tudo somado, o
nazismo tenha sido responsável por menos sangue, ou por razões mais
censuráveis, do que a Revolução Sexual tem sido. Mas darei de barato, para bem
da discussão, que é pior trabalhar numa estação de comboio nazi do que ser recepcionista
numa clínica de aborto.
Já os meus opositores devem também admitir que o risco de
não colaborar com os nazis era muito maior do que não colaborar como regime
abortista, por isso quem colabora com a Revolução Sexual não pode invocar
compreensão nesse ponto.
Em todo o caso, a questão é que não somos chamados a
opor-nos, de forma teórica e confortável, aos males que caracterizam a nossa
sociedade, regozijando ao sol de uma rectidão que não nos custa nada. Somos
chamados a sofrer em oposição aos males que caracterizam a nossa época, e não
nos será sequer possível conceber tal possibilidade se não obedecermos a uma
autoridade que transcende a humanidade.
Recentemente um padre católico de Providence, no Rhode
Island, despediu o seu director musical porque este se tinha “casado” com outro
homem, um facto que era bem conhecido pelos restantes fiéis. Se o padre não o
tivesse despedido, posso-vos dizer o que todos os jovens adolescentes daquela
comunidade teriam concluído: Que a Igreja não acredita verdadeiramente naquilo
que ensina, que no que diz respeito à sexualidade cada um pode fazer como lhe
apetecer, desde que não seja cruel, no sentido mais flagrante que ofende as
sensibilidades das pessoas certas. Seria essa a armadilha no caminho daqueles
rapazes.
Mas várias pessoas da congregação decidiram interromper a
recitação do Credo na missa do domingo seguinte, cantando “Todos são
bem-vindos”, sabendo que por tal acto seriam louvados pelas pessoas que
realmente lhes interessam, nomeadamente os jornalistas das estações de
televisão locais e dos jornais, bem como pelos líderes de opinião das
sociedades mais “progressistas” e “inclusivas”.
Deixam-se levar pela corrente. Escolham o seu próprio
juízo – o juízo que resultou de anos de escolaridade imbecil, entretenimento de
massas, comunicação social e conversas amenas uns com os outros na segurança do
conforto material – contra o juízo da Igreja e das palavras expressas da
Escritura. Retalham a escritura para condizer com as suas opiniões em matéria
de sexualidade.
É daí, e não da Igreja, que virá a sua vitória e a sua
salvação: Sieg, Heil!
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College.
Os seus
mais recentes livros são: Reflections on the Christian
Life:How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to
Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 4 de Outubro
de 2016 em The
Catholic Thing)
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