Wednesday, 5 October 2016

Presunção, Água Benta e Sieg Heil

Anthony Esolen
O meu grande amigo Robert George gosta de perguntar aos seus alunos universitários quantos deles, caso tivessem vivido no Sul antes da Guerra Civil, ter-se-iam oposto à escravatura. Todos levantam a mão. “Deus os abençoe”, diz ele, e depois explica-lhes o que lhes teria custado essa oposição: serem ridicularizados pelos líderes políticos e intelectuais da sociedade; calúnia sobre os seus motivos; incompreensão – na melhor das hipóteses – por parte dos familiares; despedimento; solidão e escassa gratidão das pessoas que tencionavam ajudar.

Nem sequer é claro que teriam a capacidade de formar uma posição moral tão distante daquilo que muitos deles tinham dado por adquirido desde que nasceram. É quase como fazer uma cirurgia a nós próprios sem anestesia: arrancar da nossa carne um aspecto errante da nossa cultura, pelas raízes, com todos os ganchos e picos. E quem é que pegaria nesse bisturi por sua livre iniciativa? Para isso seria necessário abraçar uma autoridade superior e contrária ao que toda a gente sabe, o que toda a gente diz, toda a gente faz. E tal autoridade deveria fazer mais do que apenas recomendar, teria de comandar, mesmo perante o sofrimento, a dúvida e o fracasso.

Ai, as ilusões dos homens, convencidos da sua bondade! O que os outros seriam, ninguém sabe, mas se nós vivêssemos na Alemanha Nazi, seríamos todos Oskar Schindler ou Corrie ten Boom; jamais teríamos apanhado a doença nacionalista e socialista; teríamos visto para além das mentiras, mesmo quando apresentadas de forma inócua e moderada e politicamente razoável, como se encontrava nos melhores jornais – não os jornais nazis, não, mas os seguidistas, aqueles para os quais um homem decente podia escrever ao mesmo tempo que fazia compras na drogaria do judeu.

Também não teríamos dançado aos sons das balalaicas do Bolshoi. Teríamos visto aquelas igrejas todas confiscadas, transformadas em museus ou celeiros, ou demolidas, e não teríamos alinhado com doze anos de escolaridade a criticar a velha fé ou a congratular-nos por vivermos na terra mais progressista alguma vez vista pelo homem.

Teríamos feito aquilo que é ainda mais raro do que aceitar a crítica, teríamos rejeitado o elogio. Teríamos requisitado mapas da Sibéria da biblioteca local, regozijando nos nossos corações pelo facto de em breve irmos para lá desterrados na companhia dos verdadeiros patriotas; ansiando o gulag, o pão bolorento, a enxada para quebrar a lama congelada, as luvas sem dedos e um farrapo de papel todos os dias para limpar o traseiro.

Sim, era isso que faríamos, tudo com uma determinação nascida da nossa própria vontade, julgando-nos a nós próprios, comandando-nos a nós próprios, obedecendo a nós próprios.

Não nos é dado o direito de escolher o mal público das sociedades em que nascemos. Alguns de nós, se nos mantivermos fiéis a Cristo, seremos levados por esse mal a sofrer o martírio do sangue. Foi o que se passou com as freiras carmelitas de Paris, que subiram à guilhotina durante a grande regurgitação secular de loucura, crueldade, vanglória, blasfémia e luxúria.

A outros será pedido um sacrifício muito menos terrível. Qual é o mal público do nosso tempo? Qual a coisa que nos custaria mais, em termos de ridicularização pública e perseguição, a rejeitar, se agíssemos em conformidade?

Todos nós seríamos Oskar Schindler?
A resposta é fácil. A Revolução Sexual. Já ouço as objecções dos bem-pensantes: “Mas a Revolução Sexual não é nem de longe nem de perto tão má e errada como o nazismo. É absurdo equiparar uma ao outro”. Mas eu nunca disse que as duas coisas eram iguais.

Por acaso não é fácil defender que, tudo somado, o nazismo tenha sido responsável por menos sangue, ou por razões mais censuráveis, do que a Revolução Sexual tem sido. Mas darei de barato, para bem da discussão, que é pior trabalhar numa estação de comboio nazi do que ser recepcionista numa clínica de aborto.

Já os meus opositores devem também admitir que o risco de não colaborar com os nazis era muito maior do que não colaborar como regime abortista, por isso quem colabora com a Revolução Sexual não pode invocar compreensão nesse ponto.

Em todo o caso, a questão é que não somos chamados a opor-nos, de forma teórica e confortável, aos males que caracterizam a nossa sociedade, regozijando ao sol de uma rectidão que não nos custa nada. Somos chamados a sofrer em oposição aos males que caracterizam a nossa época, e não nos será sequer possível conceber tal possibilidade se não obedecermos a uma autoridade que transcende a humanidade.

Recentemente um padre católico de Providence, no Rhode Island, despediu o seu director musical porque este se tinha “casado” com outro homem, um facto que era bem conhecido pelos restantes fiéis. Se o padre não o tivesse despedido, posso-vos dizer o que todos os jovens adolescentes daquela comunidade teriam concluído: Que a Igreja não acredita verdadeiramente naquilo que ensina, que no que diz respeito à sexualidade cada um pode fazer como lhe apetecer, desde que não seja cruel, no sentido mais flagrante que ofende as sensibilidades das pessoas certas. Seria essa a armadilha no caminho daqueles rapazes.

Mas várias pessoas da congregação decidiram interromper a recitação do Credo na missa do domingo seguinte, cantando “Todos são bem-vindos”, sabendo que por tal acto seriam louvados pelas pessoas que realmente lhes interessam, nomeadamente os jornalistas das estações de televisão locais e dos jornais, bem como pelos líderes de opinião das sociedades mais “progressistas” e “inclusivas”.

Deixam-se levar pela corrente. Escolham o seu próprio juízo – o juízo que resultou de anos de escolaridade imbecil, entretenimento de massas, comunicação social e conversas amenas uns com os outros na segurança do conforto material – contra o juízo da Igreja e das palavras expressas da Escritura. Retalham a escritura para condizer com as suas opiniões em matéria de sexualidade.

É daí, e não da Igreja, que virá a sua vitória e a sua salvação: Sieg, Heil!


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. 

(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 4 de Outubro de 2016 em The Catholic Thing)

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