Ines A. Murzaku |
O seu esforço para enfatizar a dimensão universal e não
apenas ocidental da Igreja é evidente, tendo em conta que a maioria dos novos
cardeais vem de fora da Europa, nomeadamente de África, Ásia, América do Sul e
Oceânia.
Por exemplo, o Papa nomeou o cardeal Dieudonné
Nzapalainga, arcebispo de Bangui, na República Centro-Africana, em cuja
catedral Francisco abriu uma Porta Santa, antecipando o início do Jubileu da
Misericórdia. Na lista encontram-se ainda o arcebispo de Daca, no Bangladesh e
de Port-Louis, nas Maurícias, respectivamente Patrick D’Rozario e Maurice Piat.
Mas entre os quatro novos cardeais com mais de 80 anos, ou
seja, homens cuja nomeação é uma honra simbólica, destaca-se o padre Ernest
Simoni, de 88 anos, um padre albanês que passou 28 anos numa gulag e que sentiu
na pele algumas das piores perseguições religiosas do século XX.
A Albânia é um país pobre e de maioria muçulmana; os
católicos são uma minoria de cerca de 10% da população. Ao reconhecer o padre
Simoni, Francisco está a mostrar que, mesmo dentro da Europa, existem
periferias que a Igreja não pretende esquecer.
Simoni é o segundo cardeal albanês que sofreu
perseguição. O primeiro foi o cardeal Mikel Koliqi, que sobreviveu a trinta e
oito anos de detenção e trabalhos forçados e foi feito cardeal aos 92 anos pelo
Papa João Paulo II no consistório de 1994.
Durante a sua visita à Albânia em 2014, o Papa Francisco
emocionou-se com o testemunho de fé daquele país. “Recordando as décadas de
sofrimento atroz e de dura perseguição a católicos, ortodoxos e muçulmanos,
podemos dizer que a Albânia foi uma terra de mártires: Muitos bispos, padres,
religiosos, religiosas e leigos pagaram com a vida pela sua fé”, afirmou
Francisco num discurso.
A perseguição na Albânia foi de uma dureza excepcional,
mesmo no contexto da Europa de Leste comunista. Entre os mártires vivos que
foram apresentados e que cumprimentaram o Papa Francisco encontrava-se o padre
Ernest Simoni, que deu um testemunho comovente sobre as quase três décadas que
passou nos campos de trabalho. O Papa ficou visivelmente comovido.
Vale a pena recordar a história por detrás deste
testemunho pessoal. O conflito entre a Igreja Católica e o Estado Comunista na
Albânia pode-se dividir em três fases:
1) 1944-1948 altura em que o Governo aterrorizou e
perseguiu crentes e clero;
2) 1949-1967 fase em que o Governo tentou nacionalizar e “albanizar”
as religiões do país, e estabelecer uma Igreja Católica Nacional Albanesa,
semelhante à Igreja Patriótica criada pela então aliada da Albânia, a China
Comunista. Esta fase atingiu o seu ápice quando a Albânia se proclamou o
primeiro Estado ateu do mundo;
3) 1990 até ao presente, em que a Igreja Albanesa se
reergueu depois de décadas de perseguição e martírio.
O padre Simoni foi detido no dia 24 de Dezembro de 1963,
depois de ter celebrado Missa do Galo na aldeia de Barbullush, Shköder.
Apareceram na sua igreja quatro oficiais da Sigurimi, a polícia secreta
albanesa, munidos de ordens de detenção e de execução. “Ataram-me as mãos atrás
das costas e começaram a espancar-me enquanto me conduziam até ao carro”,
recorda.
Foi levado para interrogatório e mantido em isolamento
total e sujeito a torturas insuportáveis durante três meses seguidos. Foi acusado
de ter estado a ensinar a sua “filosofia”. Na verdade tinha ensinado aos seus
paroquianos que deviam estar prontos a “morrer por Cristo”. Durante os três
meses de detenção e interrogatório os seus algozes tentaram obrigá-lo a
fornecer provas contra a hierarquia católica e os seus irmãos sacerdotes, mas
recusou.
Existe um interessante factor americano nesta
perseguição. Uma das acusações contra o padre Simoni era de que tinha celebrado
missa por alma do presidente Kennedy, precisamente um mês depois da sua morte.
Encontrou-se no seu quarto um caderno com uma imagem do Kennedy, que foi
apresentado no tribunal como prova material de… Qualquer coisa.
“Pela graça de Deus, a execução não foi levada a cabo”,
contou o padre Simoni. Depois do julgamento, foi condenado a 28 anos de
trabalhos forçados, primeiro nas minas e depois como trabalhador sanitário e de
esgotos, até à queda do Comunismo, em 1991.
O padre Simoni é o último padre sobrevivente das
perseguições na Albânia. O facto de Francisco se ter deixado emocionar pela sua
história e de agora o ter feito cardeal significa que, tal como são João Paulo
II deu a entender nas celebrações do Terceiro Milénio Cristão em 2000, o actual
Papa ainda acredita que ainda há injustiças históricas por recordar… e corrigir.
Tal como muitos dos mártires e confessores modernos, o
padre Simoni perdoou publicamente os seus acusadores e perseguidores e rezou
repetidamente por eles. Numa entrevista com a Rádio Vaticano, depois de ter
recebido as notícias inesperadas de Roma, afirmou: “Sou um servo indigno da
Igreja, mas tudo o que fiz foi para Glória de Cristo, da Igreja e do povo da
Albânia”.
Ines A. Murzaku é professora de Religião na Universidade
de Seton Hall. Tem artigos publicados em várias publicações e livros. O mais recente é “Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics”. Colaborou com
vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia) durante a
Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na Europa de
Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 5 de Outubro de
2016 em The Catholic Thing)
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