São João Paulo II, cuja festa celebrámos sábado passado,
disse e fez muitas coisas que serão recordadas durante anos fora da Igreja. Mas
recentemente li uma frase dele na interessante autobiografia de Michael Novak,
de 2013, “Writing from Left to Right” que me apanhou de surpresa. Depois de um jantar no
Vaticano, Novak congratulou o Papa pela queda do Comunismo. João Paulo
respondeu mais ou menos nestes termos (Novak cita de memória), “livrar-nos
desse sistema absurdo não foi milagre nenhum. Era uma questão de tempo. Foi
feito para falhar.”
Os soviéticos tinham um grande exército; mais armas
nucleares do que os Estados Unidos; um sistema policial e aparelho de Estado
impiedosos; países satélite na Europa de Leste e Central; entrepostos em Cuba,
África, Ásia e América Central e uma rede de simpatizantes comunistas e aliados
à volta do mundo, incluindo os Estados Unidos. E contudo, à medida que o tempo
passava e a sua incompatibilidade com o divino e o humano se revelava, tudo
virou pó.
Claro que para isso contribuiu também a enorme coragem de
muitas pessoas, como Solzhenitsyn, Sharansky, Havel, Walesa e muitos outros –
incluindo mártires como o padre Jerzy Popieulsko, compatriota de Karol Wojtyla
e milhares de outros nos campos de concentração e nas gulags. Ainda assim, o
comentário feito por João Paulo II – em privado, sem cerimónias, como se
estivesse simplesmente a afirmar o óbvio – mostra, de forma muito resumida,
como um espírito profundo olhava para uma força maligna que – de acordo com a
bitola meramente mundana do poder – podia ter durado indefinidamente: “Era uma
questão de tempo. Foi feito para falhar”.
Nos nossos dias a América foi tomada por um secularismo
ideológico e agressivo que parece estar a tornar-se norma do Ocidente e ter
vindo para ficar por tempos indeterminados – uma marcha em câmara lenta rumo a
um novo socialismo desumano. (Sendo que o actual espectáculo eleitoral não dá
qualquer indício de produzir um resultado capaz de o combater). Por isso é bom
recordar por que razão este tipo de sistema tem tudo para – provavelmente mais
a curto prazo do que a longo – falhar.
Claro que há amplas razões humanas e culturais pelas
quais o humanismo ideológico não é compatível com uma vida humana plena. Mas
primeiro pensei que poderia ser útil ver umas provas concretas. A sempre útil
Pew Research Center conduz estudos equilibrados e bem feitos da religião na
vida pública. O seu estudo global, por exemplo, revela que os “nones”, ou seja,
aqueles que não professam qualquer religião (e, por alguma razão, os budistas),
têm as taxas mais baixas de nascença, muito abaixo da taxa de substituição,
enquanto os cristãos e os muçulmanos têm as mais altas. Embora haja previsão de
os “nones” crescerem um pouco nas próximas décadas, vão diminuir bruscamente
enquanto percentagem da população global. Cristãos e muçulmanos serão, cada um,
um terço da população mundial em 2100.
Na América os padrões são um bocado piores que o cenário
global: Os “nones” devem continuar a crescer até serem cerca de 25%, mas os
cristãos continuarão a constituir 66% da população do país em 2050 (um bocado
abaixo dos 70% actuais).
A Pew limita-se, e bem, a analisar números. Mas que tipo
de cristãos e de “nones” é que teremos em 2050? Essa é que é a questão central.
Desde que cheguei a Washington nos anos 80, quando a religiosidade estava em
ascensão, já vi como as tendências podem mudar. O Espírito sopra onde quer e à
medida que as vidas dos “nones” se tornam mais e mais inegavelmente insípidas,
como já acontece em partes da Europa, poderemos ser surpreendidos por
ressurgimentos repentinos.
Tudo virou pó |
Na encíclica Rerum Novarum, de 1891 – o texto fundacional da doutrina social católica dos
tempos modernos – Leão XIII listou várias razões pelas quais o socialismo
estava destinado a falhar. Ele sabia que (por enquanto) o fenómeno estava a
aumentar, mas sabia também que era preciso chamar a atenção para os seus
profundos erros sobre os seres humanos e a sociedade.
Podemos fazer o mesmo hoje com o inevitável fracasso do
humanismo militante:
·
Sem a crença numa dignidade humana que radica no
Criador, como se lê na nossa Declaração de Independência, não existe qualquer
base para uma sociedade livre para além da fraca mentalidade de “viver e deixar
viver”, que deixará de ter qualquer utilidade a partir do momento em que um
grupo ou pessoa se torna suficientemente poderosa para dizer “vive assim, ou
morre”.
·
Isto é, aliás, precisamente o que estamos a ver
nas sociedades democráticas avançadas, um regime autoritário de direitos –
alguns absurdos e novos como o casamento homossexual e as normas de casas de
banho para transgéneros – que negam não só a história, a razão, a religião e a
biologia, mas até o senso comum.
·
Tal como na antiga União Soviética, o regime
levará a cabo esforços cada vez mais agressivos para sustentar uma visão da
pessoa e da sociedade que na verdade se mina a si própria, mas trata-se de uma
proposição falhada. Mesmo os pagãos sabiam que ser pode “expulsar a Natureza
com uma forquilha, mas ela volta sempre”.
·
Que as Igrejas e as instituições formadoras de
cultura, tais como as universidades e os media, parecem incapazes de
compreender esta tendência, ou estão mesmo comprometidos com ela, é irritante.
Mas no final de contas pouco importa. Quando o ciclo se completar, voltarão a
cumprir as suas funções mais nobres.
·
Os secularistas militantes pensam que não estão
a fazer nem mais nem menos do que ajudar a conduzir a história no rumo certo.
Mas não existe um simples rumo. O desapontamento com os resultados – tal como
aconteceu quando o a história não conduziu inevitavelmente ao “socialismo
científico” – poderá bem ser o maior impulso para um renovamento espiritual.
Podíamos continuar, mas vocês percebem a ideia.
Claro que não sei quando é que tudo isto vai passar, mas
para saber que falhará basta ter a confiança revelada por João Paulo II de que
existe um Deus e uma natureza humana; que as sociedades, por mais decaídas, não
o estão para sempre nem se encontram para lá da salvação; que os esquemas que
são feitos para falhar, falharão.
O nosso desafio passa por ter o cuidado de viver bem
entretanto e preparar-nos – e os espaços em redor – para o que inevitavelmente
seguirá.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 26 de Outubro de
2016)
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