Regis Martin |
Há dias comecei uma aula com uma referência a algo
escrito por Aldous Huxley há muitos anos. É uma observação que me parece tanto
certeira como profética e que certamente valeria a pena transmitir aos quarenta
e tal caloiros que se inscreveram em “Fundamentos do Catolicismo”, a cadeira
que lecciono no primeiro semestre. Eis o que escreveu o autor de “Admirável Mundo
Novo”, a famosa distopia do início dos anos 30:
“Outrora observava as estrelas com maravilha e deslumbramento.
Agora, no crepúsculo da vida, olho para os céus da mesma forma como olho para o
papel de parede desvanecido na sala de espera de uma estação ferroviária.”
Claro que nenhum dos meus alunos tinha ouvido falar de
Huxley; nem tinham estado no interior de uma estação de comboios. Quanto a
estrelas, imagino que tenham visto algumas, mas a experiência não os deve ter
deslumbrado. Talvez se deva à poluição luminosa. Seja como for, aqui estava eu
com menos de três minutos de palestra e já os tinha perdido.
O que é que se pode fazer para despertar nos jovens este
sentido de maravilha e deslumbramento? Quando eu e a minha mulher vivíamos em
Roma, depois de termos tido a nossa primeira filha, fui convidado para falar a
um grupo de jovens que frequentavam um colégio interno de elite. Estávamos a
falar sobre o casamento, e nenhuma palavra que eu disse causou a menor
impressão.
Se não fosse a pequena Margaret, que estava a mamar
silenciosamente ao fundo da sala, toda a experiência teria sido um desastre.
Mas de repente ela começou a palrar insistentemente e chamou a atenção de toda
a sala. Ficaram completamente hipnotizados.
Era como se um discurso maçador sobre a iniquidade da
contracepção tivesse ganho vida com o surgimento desta prova inteiramente
inesperada sobre as origens da vida. “Então o sexo afinal é sobre bebés?
Cruzes! Porque é que eu não tinha ouvido falar disto antes? Agora percebo”.
Acabou por ser um desenrolar muito salutar. Nunca mais
estas crianças imaginariam o nascimento de uma criança como sendo algo menos do
que incrivelmente – aliás, milagrosamente – belo. Nem teriam grande facilidade
em separar sexo de amor e – sim, isso mesmo – de vida. O nascimento de uma
criança é mesmo, como escreveu o poeta americano Carl Sandburg, a opinião de
Deus de que a vida devia continuar.
E não será esse o grande problema do mundo moderno? Simplesmente
não aceitar a opinião de Deus sobre a vida? E por isso avança por aí fora, a
esmagar tudo como um gigantesco rolo compressor. Ou, nas palavras daquela
grande fraude Karl Marx, avaliando a modernidade, “tudo o que é sólido
desvanece no ar”.
A vida moderna tem esse efeito sobre as pessoas, de
esmagar o que apanha pela frente, reduzindo tudo a um estado de uniformidade
saturante. Ou seja, uma igualdade perfeitamente previsível, como os Happy Meals
que se compram no McDonalds. Que diferença faz se os compramos no Kansas,
Califórnia ou Vermont? Saberá sempre ao mesmo.
O reducionismo está de tal forma instalado que hoje em
dia não damos por muito espanto ou deslumbramento. Faz-me lembrar o meu velho
amigo e mentor Fritz Wilhelmsen, que falava frequentemente daquilo a que
chamava “a poesia do transcendente”, cujo desaparecimento do mundo moderno ele
nunca deixou de lamentar, ao mesmo tempo que a mantinha brilhantemente viva
para gerações inteiras de jovens que tiveram a sorte de frequentar as suas
aulas na universidade de Dallas onde, por mais de 40 anos, sondou as
profundezas do ser.
Porque é que existe algo em vez de nada? Esta é a questão
mais escura da filosofia, segundo William James, e para nós, herdeiros da
tradição metafísica do Cristianismo, a única resposta que finalmente nos
satisfaz é Deus, cujo ser-amor transbordante não só dá existência ao mundo como
o impede, a cada momento, de regressar de novo ao nada.
No seu “Comentário à Metafísica de Aristóteles” São Tomás
de Aquino diz-nos que entre o poeta e filósofo existe um filamento de puro
deslumbramento diante da realidade, diante daquilo que nos faz maravilhar e
deleitar. A função do professor é mantê-lo vivo. Não o matem nem o
negligenciem, porque quando se perder essa capacidade, quando o deslumbramento
abandona a sala, o teatro acaba. Era esta capacidade de deleite que distinguia
a mente medieval, enquanto que a moderna é caracterizada pela dúvida. E a
consequência da dúvida, se for deixada à sua conta, é o desespero.
Bem vistas as coisas o que torna o mundo misterioso não a
sua forma nem o seu conteúdo, é o simples facto de ser. É esta visão que temos
de recuperar para os nossos alunos. E para os seus pais também, já agora.
Regis Martin é professor de Teologia e membro docente da
Veritas Center for Ethics in Public Life na Universidade Franciscana de
Steubenville. É autor de meia dúzia de livros, incluindo mais recentemente “The
Beggar’s Banquet”(Emmaus Road Publishing) e vive em Wintersville, Ohio, com a
sua mulher e dez filhos.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 8 de Outubro de
2016 em The
Catholic Thing)
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