George J. Marlin |
Há duzentos e vinte e três anos começou a Revolução
Francesa, quando uma horda de parisienses tomou de assalto e pilhou a bastilha,
que na altura albergava apenas sete prisioneiros não-políticos.
Muitos dos agitadores revolucionários – Robespierre, Danton,
Saint-Just, Marat e Couthon – estavam determinados a eliminar a Igreja Católica
e a substituí-la por uma sociedade sagrada secular, baseada na verdade, na
razão e na liberdade.
Uma vez que Deus e a sua Santa Igreja Católica eram, no seu
entender, irreconciliáveis com a razão e a liberdade, estes radicais, em nome
do povo, tomaram o poder absoluto e não impuseram qualquer limite às mudanças
que a sua nova fé poderia impôr para criar uma moral secularizada que por sua
vez levaria a uma sociedade perfeita.
Um catecismo de moralidade, “no qual não haverá qualquer uso
de princípios religiosos”, proclamaram, “é o primeiro requisito da nação... Os
sábios esperam-no, os fanáticos religiosos temem-no; o Governo tornou-o
necessário.”
Os Clubes Jacobinos eram as novas igrejas desta religião cívica,
que exigia obediência cega, a adoração do poder humano e uma fé ilimitada no
progresso. Rousseau era o seu pai espiritual, Robespierre o sumo-sacerdote que
pregava o evangelho do terror.
A Árvore da Liberdade (L’arbre de la liberté) substituiu a
cruz. Nicolas Bonneville, líder dos Amigos da Verdade, propôs uma versão
naturalista da Sagrada Comunhão: “Amigos, este é o corpo do sol que amadurece a
colheita. Este é o corpo do pão que os ricos devem aos pobres!”
Para eliminar a cultura Católica que tinha mantido a França
unida durante mais de mil anos, as propriedades da Igreja foram confiscadas,
centenas de padres foram assassinados, e mais de 30.000 deportados. O Estado
retirou à Igreja a responsabilidade de educar, cuidar dos pobres e doentes,
casar e registar nascimentos e mortes.
Os revolucionários colocaram escadotes contra a fachada da
Catedral de Notre Dame e puseram cordas à volta dos pescoços das imagens de
mais de duas dezenas de reis franceses, puxando-os para o chão. A multidão
ululante decapitou as estátuas e lançou-as ao Rio Sena.
Lá dentro, estátuas e símbolos religiosos foram removidos e
a cathedral foi dedicada à deusa da razão. O altar foi transformado num palco,
sobre o qual uma actriz, acompanhada por um corps
de ballet, dançava ao som da cantiga: “Vós, santa liberdade, vinde habitar
no Templo, sede a deusa dos franceses”.
Apóstolos da verdade e da razão foram enviados para vilas e
aldeias para pregar a boa nova da república. Havia hinos seculares, leituras
dos textos sagrados de Rousseau, baptismos cívicos e pias de água benta do
Governo. Mais de duas mil igrejas católicas foram transformadas em templos da
razão.
Liberdade, Fraternidade, Igualdade, Guilhotina |
Uma testemunha, um súbdito britânico, escreveu a seguinte
descrição de um Festival da Razão, levado a cabo no campo:
Um delegado chega
alguns dias antes, acompanhado por uma deusa, caso a vila não consiga fornecer
uma que se adeque. Ela vem vestida com uma túnica romana de cetim branco,
normalmente originário do guarda-roupa de um teatro, e usa uma boina encarnada,
ornada com folhas de carvalho. O seu braço esquerdo descansa sobre um arado, e
na mão direita carrega uma lança... Instalada num altar... dirige-se ao povo,
que por sua vez lhe presta culto... Sempre que possível encontra-se um padre
para abjurar a sua fé em público e declarar que o Cristianismo não passa de uma
fraude. O festival acaba com uma fogueira, na qual se queimam livros de
orações, imagens de santos, confessionários e outra mobília litúrgica. A maior
parte dos presentes olham em silêncio, mudos de horror e fascínio; outros, ou
por estarem embriagados ou porque foram pagos... dançam à roda...
Para completar a tomada de controlo da nação, os jacobinos
eliminaram as eleições e estabeleceram a primeira ditadura moderna; o primeiro
estado policial. “A República”, disse Danton, “foi estabelecida cinquenta anos
antes da opinião pública estar preparada... eleições livres seriam
incompatíveis com a sua manutenção”.
Eles deram início a um reinado de terror que acreditaram ser
a única forma de eliminar, à velocidade da luz, as forças do egoísmo e da
corrupção, isto é, a Igreja (entre outros). O princípio que guiava os jacobinos
foi expressado por Sant-Just: “Até que a vontade do povo soberano reprima a
minoria monárquica e reine por direito de conquista... temos de punir não só os
traidores mas também os indiferentes; há-de punir quem é passivo na República e
nada faz por ela... Aqueles que não puderem ser governados pela justiça devem
ser governados pela espada”.
Dezenas de milhares foram presos por meras suspeições. Os
acusados foram considerados culpados em grupo. Não era permitido apresentar
defesa e os prisioneiros estavam impedidos de falar em causa própria. Pelo
menos 30.000, a maioria dos quais inocentes, perderam a vida na guilhotina.
Num episódio famoso na Vendeia, os carrascos decidiram que a
guilhotina era demasiado lenta (embora tenham conseguido matar dezenas de
milhares) e mais de 2.000 vítimas – contra-revolucionários católicos – foram
afogados sumariamente. O ex-aluno de uma escola católica, Joseph Fouché,
massacrou milhares em Lyons. O historiador R.R. Palmer observa que, “Aqueles
homens infligiam a morte com uma alegria santa!”
O resultado da sua reconstrução social baseada em
abstracções ideológicas foi duzentos anos de instabilidade e agitação política
e social. Dez anos depois da tomada da Bastilha, a França tinha sido comandada
por seis Governos diferentes. Desde 1799, um ditador, dois imperadores, dois
reis, um Governo Vichy fantoche e cinco repúblicas governaram a nação.
Na década de 1790, os terroristas totalitários criaram, em
nome do povo soberano, uma tirania da virtude. O grande mito destas repúblicas
populares é, segundo o historiador Eli Sagan, “o fruto podre da modernidade.
Como em tantas outras perversões da modernidade, o Terror Francês foi o
primeiro regime a levar a cabo este feito ideológico acrobático, no qual a
soberania do povo acaba por destruir le peuple”.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 11 de Julho
2012 em http://www.thecatholicthing.org)
George J.
Marlin é editor de “The Quotable
Fulton Sheen” e autor de “The American
Catholic Voter”. O seu mais recente livro chama-se “Narcissist
Nation: Reflections of a Blue-State Conservative”.
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