Francis J. Beckwith |
Funciona da seguinte maneira. O liberal, não conseguindo
apoio popular para a actividade que quer ver permitida, sugere o seguinte aos
seus adversários: Porque é que não deixamos que cada indivíduo decida por si se
quer, ou não, fazer X? Ele fazer X não o afecta a si, uma vez que ele não o
está a obrigar a fazer X. Logo, esta é uma posição absolutamente neutra e
consistente com as liberdades individuais. Ao permitir que os outros façam X,
não está a aprovar de X. Simplesmente está a deixar que cada pessoa opte por
fazer, ou não fazer, X.
O Jogo dos
Pluralistas é o nome de um livro composto por uma colecção de ensaios da
autoria do filósofo político e professor em Fordham, o já falecido Francis
A. Canavan, S.J. (É também o nome de uma palestra que dou há anos no Summit Ministries, de onde estou a escrever esta
coluna).
O padre Canavan considera que o jogo dos pluralistas é uma
forma de “bait and switch”. O pluralista promete neutralidade em troca do seu
apoio, mas acaba por dar-lhe algo muito diferente daquilo que prometeu.
Obriga-o a aceitar uma série de crenças que, de facto, são contrárias àquilo em
que acredita. Com o passar do tempo elas tornam-se parte da infraestrutura
inquestionável da vida pública e, assim, tornam mais difícil a si e aos seus
compatriotas dissidentes, viver de forma consistente com aquilo que acreditam
em relação à natureza de uma vida boa.
Para melhor compreender o verdadeiro significado deste
processo, substituemos X por algumas das questões morais que têm dividido os
cidadãos e sobre as quais o Supremo Tribunal tem tecido considerações.
Consideremos, em primeiro lugar, a questão do aborto. Em Roe
v. Wade (1973), o juiz Harry Blackmun opinou que, uma vez que os peritos – entre
os quais filósofos, teólogos e médicos – discordam sobre se o feto é ou não uma
pessoa, “o judiciário, nesta altura do desenvolvimento do conhecimento humano,
não está em posição de especular em relação a isso.”
Apesar disso, ele concedeu noutro ponto da sua opinião que
se o Texas (o Estado cuja lei estava a ser desafiada neste caso) conseguisse
comprovar que o feto é, de facto, uma pessoa, isso minaria o direito ao aborto
porque então o feto estaria protegido pela 14ª Emenda.
Consideremos agora a questão da contracepção. Na decisão do
Supremo Tribunal sobre o caso Griswold
v. Connecticut (1965), o juiz William O. Douglas anulou o estatuto
anti-contraceptivo do Estado de Connecticut, argumentando que a decisão de um
casal de usar contraceptivos está constitucionalmente protegido por uma “zona
de privacidade” que pode ser inferida através da combinação dos princípios por
detrás de várias das emendas à Constituição, e suas implicações.
O casamento, argumentou Douglas, é uma associação
pré-política que é mais fundamental que a Declaração de Direitos ou da própria
Constituição. Sublinhou a sua decisão chamando atenção para uma série de outras
associações que o Tribunal já tinha reconhecido como merecendo a protecção da
Constituição, pese embora não sejam mencionados directamente nela.
A liberdade de associação, de educar os filhos como bem
entender, de reunião e de pertença a partidos e grupos para poder promover as
filosofias e crenças de que partilha, todos estão protegidos no âmbito da
Constituição.
Por isso, tendo em conta a compreensão generosa do Tribunal
em relação à grande diversidade de pontos de vista igualmente válidos sobre o
aborto, bem como a grande variedade de relações cuja integridade o Tribunal salvaguarda
de forma tão zelosa, dir-se-ia que aqueles que defendem as posições do Tribunal
no que diz respeito ao aborto e ao uso de contraceptivos achariam inconsistente
tratar essas mesmas práticas como bens públicos que organizações dissidentes
devem ser forçados a fornecer a terceiros.
Estou a falar, claro, do decreto HHS e o seu requisito de
que as instituições religiosas e negócios privados (salvo
limitadas excepções) devem fornecer contraceptivos e medicamentos abortivos
nos planos de saúde dos seus empregados, mesmo quando a organização religiosa
ou o dono da empresa privada acreditam que viola a sua consciência cooperar de
forma material com a distribuição ou uso de contraceptivos ou medicamentos
abortivos.
Eis o jogo dos pluralistas em toda a sua glória. A promessa
de liberdades pessoais e corporativas nas questões do aborto e contracepção –
como formulado em Roe e Griswold – não passava, pelo menos para os seus
defensores mais fiéis, de uma farsa. Afinal, ao que parece, nunca se tratou de
respeitar a diversidade e visões contrárias do que constitui uma vida boa
enquanto caminhamos para o paraíso pluralista.
Afinal tratava-se de erradicar uma compreensão do bom, do
verdadeiro e do belo e substituí-lo por outro. Foi, agora percebêmo-lo, o
primeiro de muitos passos numa OPA hostil, que apenas ficará completa quando a
Igreja e os seus fiéis forem totalmente banidos da vida pública.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 6 de Julho 2012
em http://www.thecatholicthing.org)
Francis
J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na
Universidade de Baylor. É
autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A Second Look at
First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of
Hadley Arkes.
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