Wednesday, 3 August 2022

Marta, Maria, Lázaro e o Amor de Jesus

Pe. Thomas G. Weinandy
Há muitos anos que penso que a solenidade de Santa Marta deveria incluir toda a sua família – Marta, Maria e Lázaro. Por isso foi com agrado que vi o Papa Francisco criar, em 2021, uma solenidade que honra os três. Eles são um exemplo de uma “família” de amor uns pelos outros e por Jesus, bem como do amor de Jesus por eles, em particular por Lázaro. Contudo, este trio também tem algo de misterioso.

São os três adultos, mas nenhum é casado – algo raro tendo em conta a cultura judaica do seu tempo. Em Lucas, Marta aparece sempre como a chefe de família. Lucas refere-se a Marta como acolhendo Jesus na “sua casa”, enquanto Maria é representada como a irmã contemplativa.

Lucas não menciona Lázaro. Porém, no Evangelho de João, quando as irmãs informam Jesus da doença de Lázaro referem-se a ele apenas como “aquele que tu amas”, presumindo que Jesus saberia logo de quem falam. João também diz “Jesus amava Marta, e a sua irmã, e Lázaro”. Eis o mistério. Porque é que duas irmãs e um irmão viveriam juntos, e porque é que Jesus teria um amor especial por Lázaro?

Há quem especule que Lázaro pudesse ter uma doença degenerativa, e que por causa disso ele estava ao cuidado das suas duas irmãs, o que poderá também ter levado a que Jesus sentisse por ele uma afeição especial. Assim, Jesus declara imediatamente que a sua doença não é para a morte, mas para a glória de Deus e do seu Filho. Não será apenas Jesus a ser glorificado com este evento, Marta e Maria também serão.

Quando Jesus chegou, soube que Lázaro estava no túmulo há já quatro dias. Marta, sempre igual a si mesma, saiu ao encontro de Jesus enquanto que Maria, na mesma medida, permaneceu em casa.

Marta diz que se Jesus estivesse presente, o seu irmão não teria morrido, mas que tudo o que Jesus pedir a Deus, Ele concederá. Em resposta Jesus declara a Marta: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre. Crês nisto?” (Jo 11, 25-26)

Este é o momento de glória de Marta. O Evangelho de João não narra a proclamação de fé de Pedro, de que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus vivo. Aqui é Marta quem tem a honra de ecoar a declaração de Pedro: “Sim, Senhor, eu acredito que tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Para Marta, Jesus é o “Senhor” divino, porque é filho encarnado do Pai, ungido pelo Espírito.

Marta é glorificada na sua profissão de fé; Maria é glorificada no seu amor. Quando Jesus viu Maria a seus pés, chorando amorosamente a morte de Lázaro, Jesus “comoveu-se profundamente”. Perguntou onde é que Lázaro estava sepultado. No túmulo, também Jesus chorou por amor e alguns dos judeus comentaram quanto ele o amava.

Assim, apercebemo-nos do amor que liga Marta, Maria e Lázaro a Jesus, e o amor de Jesus que O liga a eles. Vemos também que o amor de Marta e de Maria estava repleto de fé em Jesus, enquanto Filho do Pai.

Neste contexto de amor e de fé, Jesus ordena que a pedra seja removida do túmulo de Lázaro. Então clama em alta voz: “Lázaro, vem cá para for!”. Quando Lázaro sai do túmulo, Jesus diz-lhes para lhe retirarem as ligaduras e deixarem-no ir. Podemos presumir que Marta foi a primeira a desligar e a libertar Lázaro.  

Ao ressuscitar Lázaro dos mortos, Jesus manifesta que é verdadeiramente a ressurreição e a vida. E aqueles que crêem nele como Filho do Pai, ainda que morram, viverão.

Ainda que Jesus tenha ressuscitado Lázaro dos mortos, e assim o possa ter curado da sua anterior doença, esta não foi uma ressurreição gloriosa da morte – ele tornaria a morrer. Jesus apenas se torna a ressurreição e a vida quando ele mesmo morre e é gloriosamente ressuscitado de entre os mortos. Então, e só então, é que ele se torna capaz de ressuscitar gloriosamente de entre os mortos todos os que têm fé nele e, assim, habitam em amor nele.

Interessante e significativamente, João narra que, seis dias antes da Páscoa as duas irmãs e Lázaro convidam Jesus para uma refeição – uma refeição eucarística, em acção de graças por aquilo que Jesus fez ao ressuscitar Lázaro de entre os mortos. Claro que foi Marta quem serviu, e Lázaro estava entre os convidados.

Depois, “Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume”. Maria, aquela que ama, manifesta, de forma sensual, o seu amor por Jesus ao derramar o seu dom mais precioso, um dom que simboliza a dádiva de si mesma. Em resposta a Judas Iscariote, que lamentou o desperdício, Jesus afirma que Maria o estava a preparar para o enterro – para a sua passagem da morte para a vida, em que ele se tornaria a ressurreição e a vida.

Nesta recriação simbólica da Eucaristia reconhecemos que tal como Jesus se oferece completamente a nós na Eucaristia, com o seu Corpo Ressuscitado e Oferecido e o seu Sangue Ressuscitado e Oferecido, assim também nós, na mesma Eucaristia, devemos dar-lhe, em amor, o nosso dom mais precioso, o dom de nós mesmos.

Nesta vivência mútua entre nós e Jesus a fragrância do amor deve encher as nossas igrejas e chegar aos Céus. Mais, podemos ter a certeza de que quando Ele regressar em Glória, no fim dos tempos, Jesus chamar-nos-á a cada um pelo nome, e ascenderemos em glória para o banquete celeste – para a presença do Pai celeste com todos os santos e anjos.

Então, o amor que existia na família de Marta, Maria e Lázaro – bem como o seu amor por Jesus e o amor de Jesus por eles – encontrará a sua plenitude universal, pois Jesus será a plena ressurreição para a vida eterna.


Thomas G. Weinandy, OFM, um autor prolífico e um dos mais conhecidos teólogos vivos, faz parte da Comissão Teológica Internacional do Vaticano. O seu mais recente livro é Jesus Becoming Jesus: A Theological Interpretation of the Synoptic Gospels.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 29 de Julho de 2022)

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