Wednesday 17 August 2022

No Centenário da Vocação da Madre Teresa

Ines A. Marzaku

Em muitos países, para além de procissões coloridas, festivais e fogo de artifício para assinalar a solenidade da Assunção de Nossa Senhora – ou Dormição – existe também a antiga tradição de benzer a colheita do verão, e agradecer a Deus a sua abundância. Na Alemanha a bênção das especiarias aponta especificamente para a abundância que Maria produziu e recebeu em Cristo. Como Isaías tinha profetizado: “Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas raízes” (Isaías 11,1).

Maria foi a primeira discípula de Jesus, a serva do Senhor (Lucas 1,38), e depois de Maria brotou uma abundância de discípulos – incluindo madre Teresa de Calcutá, que tinha com Nossa Senhora uma ligação muito especial. A sua vocação religiosa, que recebeu neste dia* há precisamente 100 anos, na Solenidade da Assunção, foi um dom especial de Maria e provou ser muito fecundo.

Na tarde de 15 de Agosto de 1922, quando Gonxhe Bojaxhiu (o seu nome civil) estava em oração profunda, ajoelhada diante da imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus, a menina de 12 anos sentiu pela primeira vez que o Senhor a chamava de forma especial. Ela devia ser consagrada a Ele. Foi por isso em Letnicë, perto de Skopje, enquanto rezava ferverosamente no santuário de Nossa Senhora, que começou a caminhada religiosa da futura Santa Madre Teresa.

As famílias católicas de Skopje, em que se incluíam os Bojaxhius, tinham uma devoção especial a Nossa Senhora de Letnicë, no Kosovo. Em Agosto, durante a celebração da Solenidade da Assunção, os Bojaxhius faziam a sua peregrinação anual ao Santuário de Nossa Senhora de Letnicë, uma imponente igreja caiada, num lugarejo entre as montanhas. Os peregrinos caminhavam a pé, em grupos, rezando e cantando pelo caminho.

Segundo a tradição local, a imagem da Virgem Negra de Letnicë, que tem 700 anos, viajou miraculosamente de Skopje (onde nasceu a Madre Teresa), atravessou as montanhas Karadak e chegou à igreja de Letnicë. A lenda diz que a imagem foi encontrada por residentes locais, escondida debaixo de uma grande árvore, e assim foi salva de ser profanada pelos muçulmanos.

Tal era a veneração à Virgem Negra que ninguém – nem mesmo os muçulmanos que governaram o país durante quase 500 anos – podia tocá-la ou retirar as ofertas que as pessoas lhe levavam ao santuário.

Nossa Senhora apareceu três vezes em Letnicë, pedindo aos fiéis que construíssem um santuário. Ortodoxos, muçulmanos, sérvios, croatas, albaneses e ciganos, todos veneraram a Virgem Negra de Letnicë ao longo dos séculos, e o santuário continua a ser uma ponte e um local de união, encontro e diálogo entre pessoas de diferentes etnias e religiões.

A Virgem Negra de Letnicë é a única do género nos Balcãs, embora existam mais de 450 Virgens Negras que são veneradas em igrejas em França, na Croácia, Eslovénia, Áustria, Polónia, Equador, Lituânia e Espanha, entre outros.

A devoção de Gonxhe por Nossa Senhora era profunda. Ainda criança, em Skopje, tornou-se membro da Congregação de Maria, um grupo de jovens da sua paróquia, criada por jesuítas croatas e inspirado na devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O grupo encorajava os membros a seguirem o exemplo de Nossa Senhora nas suas vidas. Isso implicava confiança e construção de carácter, firmeza, humildade e oração, fidelidade inquestionável e nunca fugir às dificuldades – seguir nas pegadas de Maria, que se manteve firme junto à Cruz do seu Filho, no Calvário.

Teresa e a sua irmã Aga
Ela voltava-se continuamente para Maria, com grande amor e afecto, como uma criança para a sua mãe. Entrou para a ordem irlandesa das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto, ou Irmãs do Loreto, em memória da vila de Loreto, em Itália, para onde, segundo a tradição, a Casa da Sagrada Família, em Nazaré, foi carregada por anjos através do Mediterrâneo, da Palestina para a Dalmácia, e depois através do Mar Adriático para Loreto.

Mais, a Gonxhe tomou como nome religioso Irmã Maria Teresa do Menino Jesus, em honra de Santa Teresa de Lisieux; toda a vida ela foi comprometida com uma intimidade espiritual com Maria, coração voltado para ela, e vida orientada para ela.

O espírito de Maria, e o seu Imaculado Coração, tornar-se-iam o coração e o espírito da Sociedade das Missionárias da Caridade, a ordem fundada por Madre Teresa. Muitos dos que conhecem e admiram a Madre Teresa conhecem já o seu trabalho na Índia, mas na raiz do seu compromisso com os mais pobres dos pobres, e com os moribundos, está a sua relação com Maria, que começou nas periferias dos Balcãs.

O lema de Madre Teresa “Seja só tudo por Jesus, através de Maria”, estava dividido em três sucessivos estados de alma: confiança amorosa, entrega amorosa, ânimo amoroso. Encarava estes três estados espirituais como uma extensão e participação no Espírito de Nossa Senhora. “Ame-a como Ele a amou; sê causa de alegria para ela como Ele foi; fique próximo dela como Ele ficou; partilhe tudo com ela, mesmo a Cruz, como Ele fez quando ela permaneceu junto da Cruz no Calvário”, escreveu Madre Teresa na Regra das Irmãs da Caridade, mais tarde.

Nesta Solenidade da Assunção é justo que honremos a Santíssima Mãe, reconhecendo o seu amor vivificante por Jesus e a forma como cuida hoje de nós. Que a sua intercessão e exemplo de amor fiel continuem a inspirar vocações como a de St. Madre Teresa, da qual Nossa Senhora foi mediadora há um século.

*Artigo publicado inicialmente no dia 15 de Agosto


Ines A. Murzaku é professora de Religião na Universidade de Seton Hall. Tem artigos publicados em vários artigos e livros. O mais recente é Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics. Colaborou com vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia) durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na Europa de Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.

(Publicado pela primeira vez na Segunda-feira, 15 de Agosto de 2022 em The Catholic Thing)

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