John M. Grondelski |
Temos de focar esta discussão,
com os seus méritos, noutro ponto, mais precisamente no conceito de “liberdade
procriativa”.
O conceito de “liberdade
procriativa”, desenvolvido pelo Supremo Tribunal, tem sido altamente
individualista e em larga medida negativo. Esses pressupostos devem ser
contestados, por não terem qualquer base científica e porque têm excluído
outros interesses legítimos.
A passagem para um conceito
altamente individualista de “liberdade procriativa” começou com Eisenstadt v.
Baird, um caso de 1972 envolvendo contracepção. O Supremo Tribunal anulou a
proibição não aplicada da contracepção por casais casados em Griswold v.
Connecticut (1965), afirmando que o acesso à contracepção é defendido por um
direito marital à privacidade.
Contudo, sete anos mais tarde
esse mesmo Tribunal anulou uma lei de Massachusetts que restringia o acesso à
contracepção para pessoas não casadas. Sem querer discutir os méritos dessa
lei, o ponto aqui é a mudança de perspectiva, que passou a ver a procriação
principalmente como uma questão individual, devido ao abandono do aspecto
“marital”.
Essa abordagem deve ser
contestada, em primeiro lugar por estar desprovida de bases científicas. Como
Ryan Anderson explica no seu livro “When
Harry Became Sally”, o sistema reprodutor é o único dos nove sistemas do corpo
humano que não é autónomo. É o único sistema que requer a colaboração de outra
pessoa para funcionar. Conseguimos respirar, circular sangue e digerir o nosso
jantar sozinhos, mas não podemos procriar sozinhos.
Para além do envolvimento
directo de outra pessoa na procriação da vida humana, a cultura ocidental
sempre assumiu a existência de um interesse social na procriação. A própria
existência e continuidade da sociedade como um todo depende daquilo a que
Irving Berlin chamou “fazer o que vem com naturalidade”.
Em 1972 a elite americana acreditou
no apelo de Paul Ehrlich para um Crescimento Populacional Zero, não fosse a
“bomba populacional” explodir e transformar o mundo no planeta Gideon, da série
Star Trek, a abarrotar de pessoas. Ironicamente, como até Elon Musk reconheceu
recentemente, a grande ameaça para o ocidente agora é o inverno demográfico.
Esta abordagem individualista
à “liberdade procriativa” foi-se afirmando, mesmo quando o Tribunal insistia
que estava a fazer o contrário. Assim, em Roe v. Wade, o juiz Blackmum afirmou
que “a mulher grávida não pode ficar isolada na sua privacidade”. (410 US 113 at 159).
Contudo, foi precisamente isso
que o Tribunal fez ao longo dos próximos 49 anos, insistindo que o progenitor
masculino não tinha qualquer palavra a dizer sobre o destino do seu nascituro,
porque o Estado não podia “delegar” nele um poder de veto, o que é uma ideia
bizarra, uma vez que a paternidade antecede o Estado e, por isso, não precisa de
basear o interesse paterno numa delegação do mesmo.
Assim, o tribunal negou os
direitos paternais para aprovar ou sequer tomar conhecimento do aborto de uma
criança menor. Aboliu tentativas por parte dos estados para travar a matança
dos deficientes, impedindo a proibição de abortos eugénicos, motivados por
intenções discriminatórias que seriam absolutamente ilegais um minuto após o
nascimento.
No rescaldo de Dobbs, podemos
começar a ter esperança na reversão de alguns destes casos que mutilaram os
direitos parentais e paternais, legitimando a discriminação pré-natal, em
particular contra crianças deficientes e do sexo feminino, como acontece com a
esmagadora maioria dos abortos por selecção de sexo.
A invenção da “liberdade
procriativa” por parte do Tribunal foi largamente negativa, sobretudo porque
até 1978 as pílulas ou os abortos evitavam ou punham fim a gravidezes. Mas esse
traço individualista e negativo perdurou, mesmo depois da tecnologia
reprodutiva reduzir os pais a dadores de esperma e as mães a dadoras de óvulos
ou senhorias de úteros.
Assim, em Davis v. Davis, o
Supremo Tribunal do Tennessee, tendo por base os fundamentos não-científicos de
Roe, que fingiu que a questão do começo da vida humana não tem resposta,
decidiu num caso de divórcio em que se discutia a custódia de óvulos fertilizados,
que Junior Davis não podia ser obrigado a “tornar-se” pai. Temos novidades para
o Junior… Já és.
A “liberdade procriativa” tem
sido apresentada quase sempre em termos de prevenir ou pôr fim às vidas de
crianças, conforme os desejos dos adultos.
As crianças e os seus direitos
são subordinados às vontades, preferências e “escolhas” de um adulto, ou adultos.
Mas, como disse o antigo Arcebispo de Paris, Michel Aupetit, quando as crianças
se tornam “projectos parentais” devem inevitavelmente ser reificados, porque se
transformam inelutavelmente em produtos que vão (ou não) ao encontro das
especificações de outro.
É isso que nós queremos
enquanto sociedade?
Deixando o histerismo de lado,
poderá a anulação de Roe remover limites constitucionais à discussão destas
questões, incluindo de saber que tipo de sociedade queremos para os nossos
filhos?
Entrar nessa discussão levará
tempo e esforço, porque há forças poderosas que querem manter o regime de
“liberdade procriativa” que culminou em Roe. E muitos outros americanos
simplesmente nunca imaginaram, ou não conseguem imaginar outra forma de
organizar as coisas.
Mas esse é um esforço
imperativo, porque não se trata de uma questão de adultos que, como crianças,
insistem em ter, ou exigem o que querem. A questão de fundo é mesmo sobre as
crianças.
John Grondelski (Ph.D.,
Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South
Orange, New Jersey. As opiniões expressas neste texto são apenas
suas.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na Quinta-feira, 7 de Julho de 2022)
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Bom post, mesmo os anti-aborto não reflectem na paternidade. Se uma mulher pode abortar porque já não quer ser mãe, então pela mesma lógica um homem também teria o direito a não querer ser pai. Até X semanas da gravidez, o homem podia dizer ao estado que não quer ser pai e como tal ninguém lhe pode exigir responsabilidades ou pensão de alimentos. No caso do aborto não existe o argumento individual. Mesmo se partimos do príncipio que feto não é vida, ainda assim existem 2 pessoas.
ReplyDeleteA função da Suprema Corte não é criar leis, mas fazer cumprir a constituição independentemente das opiniões de cada um. A constituição dos EUA permite que cada estado faça as leis que entender, desde que essas leis não sejam contrárias à própria constituição que nem fala em aborto. Logo até se pode criticar a constituição, mas não a Suprema Corte por a fazer cumprir.
O que me chamou também a atenção foi as pessoas pró-aborto utilizaram termos como atraso, retrógado e medieval. Como monárquico depara-me muito com esta falácia: A medicina é mais antiga que o Covid-19. O valor de uma ideia/regime não se mede pela sua idade. Um ditador também pode alegar que o seu regime é mais moderno e recente que a democracia, logo é melhor. A ideia Baath de Saddam Hussein é muito mais recente do que a ideia grega de democracia. Além disso se partimos desse príncipio que a antiguidade invalida o argumento, então todas as ideias irão estão erradas no futuro como por exemplo: Monarquia, República, Esquerda, Direita, Comunismo, Capitalismo etc... O Teorema de Pitágoras é muito antigo. Alguém diz que ele está errado por ser muito antigo?