Wednesday, 20 July 2022

Ignorar as Escrituras é Ignorar a Cristo

Pe. Jay Scott Newman

Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo. Este juízo severo é feito por São Jerónimo, num comentário a Isaías, quando fala da necessidade de cada cristão ter conhecimento direto e pessoal dos livros inspirados da Bíblia Sagrada. Nessa passagem, Jerónimo insiste que Isaías não é apenas um profeta da Antiga Aliança, mas também um evangelista e apóstolo da Nova Aliança, por causa do papel essencial que desempenha em nos ensinar sobre a missão do messias e a identidade do Verbo encarnado.

Na sua convicção da necessidade de se conhecerem as Escrituras, Jerónimo antecipou a visão de Santo Agostinho de que o Novo Testamento está escondido no Antigo, e que no Novo o Antigo é revelado. Lá se vai o marcionismo, com a sua vontade de descartar as Escrituras judaicas e negar que o Deus de Israel também é nosso Pai. E lá se vão os argumentos daqueles que argumentam que por causa da presença de Cristo nos sacramentos é possível ser um discípulo maturo do Senhor Jesus sem o contacto regular e íntimo com as Sagradas Escrituras, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

Na tarde do Domingo de Páscoa o Senhor Jesus Ressuscitado juntou-se no caminho de Jerusalém para Emaús a dois discípulos macambúzios, “mas os olhos deles foram impedidos de o reconhecer” (Lc 24,16). Os dois homens falaram ao desconhecido da sua incompreensão face à morte de Jesus de Nazaré, que eles acreditavam ser “um profeta, poderoso em palavras e em obras diante de Deus e de todo o povo” (Lc 24,19).

Depois de os dois homens reconhecerem que algumas mulheres do seu grupo afirmavam ter visto anjos, nessa mesma manhã, a anunciar que Jesus estava vivo, o Senhor Ressuscitado declarou: “‘Ó gente sem inteligência! Como sois lentos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?’. E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras” (Lc 24,25-27).

Por fim, depois de se ter juntado aos dois discípulos para comer, “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e serviu-lhos. Então, se lhes abriram os olhos e o reconheceram, mas ele desapareceu. Diziam então um para o outro: ‘Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’” (Lc 24, 30-32).

Para poder reconhecer o Senhor Ressuscitado no seu incomparável dom da Santíssima Eucaristia, para o poder reconhecer no aflitivo disfarce de pobre e para o poder reconhecer na irmandade de outros cristãos, reunidos para louvar a Deus, primeiro é necessário reconhecê-lo na Página Sagrada, escutar e obedecer à Palavra de Deus na Bíblia, porque “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda a boa obra” (2 Tim 3, 16-17).

São Jerónimo, de Durer, MNAA
Simplesmente não existe qualquer substituto para o conhecimento pessoal e directo da Sagrada Escritura adquirido ao longo de muitos anos de estudo e de oração, e quanto mais profundamente se compreende a Bíblia, mais profundamente podemos conhecer e amar o Senhor Jesus Cristo.

Mas tal experiência da Sagrada Escritura não afecta apenas o discipulado do crente individual, também dá forma a tudo na vida da Igreja, incluindo os seus ensinamentos e o seu louvor. Na Constituição Dogmática sobre Revelação Divina, Dei Verbum, o Concílio Vaticano II ensinou que “a santa mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como santos e canónicos os livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor, e como tais foram confiados à própria Igreja (#11).

Vemos assim que a Bíblia é recebida e reverenciada como sendo revelação divina, e o mesmo não se pode dizer de qualquer outro texto na Igreja, incluindo livros litúrgicos, orações devocionais e decretos conciliares, sendo por isso mesmo que o Concílio insiste que as Escrituras, juntamente com a Sagrada Tradição, são a “regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e exaradas por escrito de uma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos (#21).

O Cristianismo ou é uma religião revelada, ou é uma religião falsa, e o dom sobrenatural da revelação divina é-nos entregue no Evangelho de Jesus Cristo, que é “uma força vinda de Deus para a salvação de todo o que crê” (Romanos 1,16).

Sim, a proclamação do Evangelho começou antes de os textos do Novo Testamento terem sido escritos, mas as Sagradas Escrituras são um singular e divino dom para a Igreja. “Porque a Palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus, 4, 12).

E é por isso que cristãos maduros devem conhecer a Bíblia através do estudo e da oração, porque ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.


Jay Scott Newman, é padre da Diocese de Charleston e pároco da Igreja de Saint Mary’s em Greenville, Carolina do Sul.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Domingo, 17 de Julho de 2022)

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1 comment:

  1. Perfeito! Deus quis revelar-Se nas Escrituras, e quanto mais as lemos e rezamos, mais O reconhecemos na vida, no outro, na História. Tenho estado a orientar uma formação bíblica online, e sou testemunha da alegria contagiante de todos os participantes e de um crescimento de oração pessoal e familiar à medida que se dão conta da maravilha que se esconde e manifesta nas Escrituras.
    Como seria belo se as famílias católicas dedicassem às Escrituras um bocadinho da atenção que os judeus e as famílias de outras confissões cristãs dedicam! Foi inspirada nestas famílias que, na nossa casa, decidimos contar histórias da Bíblia e ler as Escrituras em família todos os dias, sem exceção, e propor o mesmo a outros. E assim nasceram as Famílias de Caná, movimento católico de famílias que coloca a Palavra de Deus no centro da vida familiar. Quantos frutos! Como é diferente a vida de uma família, quando se alicerça, primeiro nos sacramentos, especialmente na Eucaristia dominical, mas também na Palavra diária, proclamada, meditada, estudada e partilhada! Parabéns pelo artigo.

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