Mais uma vez ouvi o vosso
podcast e gostei muito.
Não concordo com todas as
opiniões do colega, mas admiro a fantástica capacidade de manter a humanidade e
continuar a acreditar na verdadeira essência do que é ser médico!
Contudo, gostava que parassem
de dizer que a crise do SNS vem da fuga dos médicos para o privado! Não é
verdade!
A crise do SNS vem do
subfinanciamento brutal e da total centralização de todas as decisões!
Nós até não nos importávamos
de trabalhar a receber pouco se pudéssemos trabalhar com qualidade e
desenvolver projetos que fizessem a diferença para o doente.
A maioria de nós continua a
acreditar na beleza e utilidade do sistema público, mas é muito difícil
trabalhar com a equipa que é volátil, pois depende de um concurso central.
Pior ainda é ter doentes
graves à espera durante meses de um exame porque o aparelho está avariado e o
concurso para a sua manutenção caducou.... Doentes com cirurgias adiadas
sucessivamente por falta de material... Pedir por favor (como se fosse para a
nossa mãe) ao colega que veja em extra um doente urgente e grave... Sim, porque
as cunhas não tiram o lugar a outro, pelo menos na minha consulta, acrescentam
um doente extra à lista, e tiram-me a hora de ir buscar os meninos à escola!
Cansa trabalhar em gabinetes
sem mínimas condições, ter de levar de casa luvas e máscaras (como aconteceu!)
ou andar a abanar os tinteiros da impressora para poder imprimir uma receita ou
outros milhares de burocracias a que nos obrigam.
Esta narrativa da fuga para o
privado tem também alguma demagogia. Por exemplo, este ano acabaram a
especialidade de ginecologia e obstetrícia cerca de 20 médicos. O Estado abriu
um concurso com mais ou menos 40 vagas. Como é evidente, apenas metade foi
preenchida, pois só existiam no país cerca de 20 médicos em condições de
concorrer! Como é que isto chega à imprensa? “Apenas metade das vagas para GO
no SNS forma ocupadas. Médicos fogem do SNS”
Sobre a Covid, foi
extremamente doloroso trabalhar durante estes dois anos, em especial na área em
que trabalho, de oncologia e paliativos. Fizemos tudo o possível para combater
a solidão e o isolamento, mas deu vontade de chorar todos os dias! Terríveis as
enfermarias de "covid paliativos" onde estavam doentes Covid que toda
a gente sabia que iam morrer, mas onde não se podia ceder um milímetro nos
procedimentos e equipamentos de protecção individual. Ainda agora mantemos
regras estúpidas, mas na realidade recuámos 20 anos em termos de humanização
hospitalar e vamos demorar a recuperar.
Uma nota quanto à assistência
espiritual: de louvar o trabalho de alguns capelães fantásticos que tudo
fizeram para se fazer presentes, apesar das limitações, muitas vezes a ter de
desafiar as autoridades. Mas o atendimento das necessidades espirituais dos
doentes (crentes ou não crentes) é essencial e é das áreas mais negligenciadas!
Não é da responsabilidade apenas dos capelães ou famílias, mas dos
profissionais, numa perspectiva de ir ao encontro daquilo que dá sentido à vida
e é a espiritualidade particular de cada doente. Esta lacuna é uma das maiores
causas de sofrimento no final de vida.
Como diz Cassel: "os
corpos doem, as pessoas sofrem", e nós medicamos a dor e abandonamos o
doente ao seu sofrimento.
Mas isso dava para mais uma
longa conversa.
A realidade! Vista pelos olhos de quem lá está ...
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