Stephen P. White |
A reportagem que levou a essa demissão surgiu no “The Pillar”, um órgão de comunicação
novo, gerido pelo JD Flynn e o Ed Condon. (Advertência: São ambos meus amigos e
recentemente escrevi um curto artigo de análise para o “The Pillar”). Quase de
imediato o interesse por esta história ultrapassou o meio do jornalismo
católico e os repórteres do costume. A história ganhou mais pernas que um
polvo.
Existia o problema evidente de um padre num cargo de
importância a viver uma vida dupla, em violação das suas promessas de
ordenação. Mais, embora não exista qualquer indicação de que o conduto de
Burrill envolvesse menores, a aplicação Grindr é conhecida por colocar menores
em risco de exploração precisamente porque permite que os utilizadores se mantenham
anónimos.
É significativo ainda que, uma vez que o “The Pillar”
usou dados de rastreio de telemóvel comprados – mas sem revelar nem a fonte
desses dados nem como ficou na posse dos mesmos – a história despertou uma
série de polémicas sobre a segurança dos dados e sobre a perspetiva ética de
usar estes dados numa reportagem.
Desde a reportagem de segunda-feira, o The Pillar
publicou mais duas histórias baseadas no mesmo tipo de dados. Uma a dar conta
do uso de aplicações de encontros e de engates em várias casas paroquiais na
arquidiocese de Newark, e outra sobre as ameaças de segurança para a Santa Sé
por causa do uso dessas aplicações de engate no Vaticano.
Resumindo, o trabalho jornalístico do “The Pillar”
irritou muita gente. Desde a Secretaria de Estado do Vaticano à USCCB, passando
por gurus de segurança de dados, supostos guardiões da classe jornalística e as
vozes do costume das redes sociais católicas que clamam “homofobia” cada vez
que se sugere que possa valer a pena falar do problema que é a existência de um
vício contranatura entre clérigos.
Nem toda a gente está irritada com o “The Pillar”, como é
evidente. A maioria dos católicos “normais” com quem tenho falado acha que o
“The Pillar” prestou um serviço à Igreja. E isso indica outra coisa que merece
a nossa atenção.
Olhemos para a cronologia dos eventos, como relatado pelo
“The Pillar”, que nos dá alguma noção de como os responsáveis da Igreja têm
respondido a tudo isto.
Jeffrey Burrill |
• 17 julho: “O The Pillar reuniu durante mais de 90
minutos com os cardeais Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano e Paolo
Ruffini, prefeito do dicastério do Vaticano para as comunicações, para
apresentar os seus dados… Concluída a reunião, Ruffini pediu ao ‘The Pillar’
que submetesse questões, que apresentaria ao Parolin para que ele respondesse,
e solicitou uma semana para a formulação das respostas, a que o ‘The Pillar’
acedeu”.
• 18 julho: “O ‘The Pillar’ foi informado de que a
reunião com altos quadros da USCCB, marcada para segunda-feira, 19 de julho,
tinha sido cancelada. Em vez disso foi pedido ao ‘The Pillar’ que submetesse
perguntas por escrito e, ainda, que o prazo fosse estendido até terça-feira 20
de julho, a que a publicação acedeu”.
• 19 julho: A “Catholic News Agency (antiga entidade
patronal de Flynn e de Condon) “publicou uma notícia sobre possíveis futuras
reportagens na imprensa baseadas no uso de dados de sinal de aplicações”.
• 20 julho: Quadros da USCCB ofereceram-se para reunir
pessoalmente com o “The Pillar”: “A caminho dessa reunião, o ‘The Pillar’ tomou
conhecimento, através da imprensa, da demissão do secretário-geral da USCCB,
monsenhor Jeffrey Burrill, devido a ‘notícias pendentes alegando possível
comportamento impróprio”.
Tudo somado dá nisto: A análise de dados de aplicações
móveis feita pelo “The Pillar” revelou umas coisas muito desagradáveis. Em vez
de publicar a informação, o “The Pillar” notificou as autoridades eclesiais
relevantes, dando-lhes uma oportunidade razoável para formular uma resposta
construtiva, e estendendo o prazo inicial quando isso lhes foi solicitado.
A USCCB ou a Secretaria de Estado (ou ambas) claramente
não gostaram do que o “The Pillar” tinha para lhes dizer. A resposta foi
empatar, espalhar partes da história a outros órgãos de comunicação mais
amigáveis e depois fechar-se em copas. Deixarei aos diretores de comunicação e
jornalistas a discussão sobre se esta estratégia é brilhante ou rasca.
O que é evidente é que esta manobra tinha por objetivo
punir e intimidar. A estratégia não passava por impedir que a história fosse
publicada – claramente houve fuga de informação para outros órgãos e Burrill
demitiu-se antes de o “The Pillar” ter publicado uma só linha – mas sim por
infligir o máximo de danos a dois jornalistas católicos que tiveram a audácia
de informar os líderes católicos sobre algo que eles não queriam ouvir.
É evidente que existem questões legítimas a colocar em
relação à utilização de dados de aplicações por parte do “The Pillar”. Mas
quando os líderes eclesiais tratam automaticamente jornalistas como Flynn e
Condon – que claramente não estão nas margens – como párias simplesmente por
terem revelado verdades inconvenientes sobre pecados clericais, há
consequências não intencionais.
Perante as mudanças radicais no panorama dos media
católicos, os bispos – e as suas equipas de comunicação, muitas vezes lideradas
por leigos – terão de tomar umas decisões estratégicas. Querem uma imprensa
católica “domesticada”? Uns media católicos em quem ninguém confia, com as
notícias mais difíceis sobre a Igreja a terem de ser dadas por órgãos seculares
(ou por procuradores públicos) com um conhecimento limitado de uma Igreja pela
qual nada sentem?
E depois existe o espetro de uma franja de meios de
comunicação católicos cada vez mais venenosa, que cresce na medida inversa à da
credibilidade e transparência dos bispos, sobretudo no que diz respeito a
questões de más práticas sexuais e de abusos por parte do clero. Bispos que
lamentam o crescimento dessa franja e a sua influência sobre os seus rebanhos
fariam bem em lembrar-se do que a alimenta.
A restauração da credibilidade episcopal vai exigir um
grau de responsabilização e transparência que poderão ser dolorosos e, por
vezes, até humilhantes. E nesse sentido jornalistas católicos independentes
como Flynn e Condon não são o inimigo da Igreja, pelo contrário, são alguns dos
seus mais importantes aliados.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 29 de Julho de 2021)
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