Wednesday, 4 August 2021

O Que é Feito nas Trevas Será Trazido para a Luz

Stephen P. White

Na segunda-feira dia 24 de julho o secretário-geral da Conferência Episcopal dos Estados Unidos (USCCB), monsenhor Jeffrey Burrill, demitiu-se antes da publicação de alegações de que usava frequentemente uma aplicação de engate gay chamado Grindr.

A reportagem que levou a essa demissão surgiu no “The Pillar”, um órgão de comunicação novo, gerido pelo JD Flynn e o Ed Condon. (Advertência: São ambos meus amigos e recentemente escrevi um curto artigo de análise para o “The Pillar”). Quase de imediato o interesse por esta história ultrapassou o meio do jornalismo católico e os repórteres do costume. A história ganhou mais pernas que um polvo.

Existia o problema evidente de um padre num cargo de importância a viver uma vida dupla, em violação das suas promessas de ordenação. Mais, embora não exista qualquer indicação de que o conduto de Burrill envolvesse menores, a aplicação Grindr é conhecida por colocar menores em risco de exploração precisamente porque permite que os utilizadores se mantenham anónimos.

É significativo ainda que, uma vez que o “The Pillar” usou dados de rastreio de telemóvel comprados – mas sem revelar nem a fonte desses dados nem como ficou na posse dos mesmos – a história despertou uma série de polémicas sobre a segurança dos dados e sobre a perspetiva ética de usar estes dados numa reportagem.

Desde a reportagem de segunda-feira, o The Pillar publicou mais duas histórias baseadas no mesmo tipo de dados. Uma a dar conta do uso de aplicações de encontros e de engates em várias casas paroquiais na arquidiocese de Newark, e outra sobre as ameaças de segurança para a Santa Sé por causa do uso dessas aplicações de engate no Vaticano.

Resumindo, o trabalho jornalístico do “The Pillar” irritou muita gente. Desde a Secretaria de Estado do Vaticano à USCCB, passando por gurus de segurança de dados, supostos guardiões da classe jornalística e as vozes do costume das redes sociais católicas que clamam “homofobia” cada vez que se sugere que possa valer a pena falar do problema que é a existência de um vício contranatura entre clérigos.

Nem toda a gente está irritada com o “The Pillar”, como é evidente. A maioria dos católicos “normais” com quem tenho falado acha que o “The Pillar” prestou um serviço à Igreja. E isso indica outra coisa que merece a nossa atenção.

Olhemos para a cronologia dos eventos, como relatado pelo “The Pillar”, que nos dá alguma noção de como os responsáveis da Igreja têm respondido a tudo isto.

Jeffrey Burrill


• Algures durante a semana de 11 a 17 de julho, “O The Pillar abordou responsáveis da USCCB… propondo apresentar aos líderes da Conferência Episcopal informação sobre más práticas de funcionários, durante uma reunião off the record antes de esta ser publicada, permitindo assim à USCCB tempo suficiente para formular a sua resposta”. A reunião foi agendada para dia 19 de julho.

• 17 julho: “O The Pillar reuniu durante mais de 90 minutos com os cardeais Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano e Paolo Ruffini, prefeito do dicastério do Vaticano para as comunicações, para apresentar os seus dados… Concluída a reunião, Ruffini pediu ao ‘The Pillar’ que submetesse questões, que apresentaria ao Parolin para que ele respondesse, e solicitou uma semana para a formulação das respostas, a que o ‘The Pillar’ acedeu”.

• 18 julho: “O ‘The Pillar’ foi informado de que a reunião com altos quadros da USCCB, marcada para segunda-feira, 19 de julho, tinha sido cancelada. Em vez disso foi pedido ao ‘The Pillar’ que submetesse perguntas por escrito e, ainda, que o prazo fosse estendido até terça-feira 20 de julho, a que a publicação acedeu”.

• 19 julho: A “Catholic News Agency (antiga entidade patronal de Flynn e de Condon) “publicou uma notícia sobre possíveis futuras reportagens na imprensa baseadas no uso de dados de sinal de aplicações”.

• 20 julho: Quadros da USCCB ofereceram-se para reunir pessoalmente com o “The Pillar”: “A caminho dessa reunião, o ‘The Pillar’ tomou conhecimento, através da imprensa, da demissão do secretário-geral da USCCB, monsenhor Jeffrey Burrill, devido a ‘notícias pendentes alegando possível comportamento impróprio”.

Tudo somado dá nisto: A análise de dados de aplicações móveis feita pelo “The Pillar” revelou umas coisas muito desagradáveis. Em vez de publicar a informação, o “The Pillar” notificou as autoridades eclesiais relevantes, dando-lhes uma oportunidade razoável para formular uma resposta construtiva, e estendendo o prazo inicial quando isso lhes foi solicitado.

A USCCB ou a Secretaria de Estado (ou ambas) claramente não gostaram do que o “The Pillar” tinha para lhes dizer. A resposta foi empatar, espalhar partes da história a outros órgãos de comunicação mais amigáveis e depois fechar-se em copas. Deixarei aos diretores de comunicação e jornalistas a discussão sobre se esta estratégia é brilhante ou rasca. 

O que é evidente é que esta manobra tinha por objetivo punir e intimidar. A estratégia não passava por impedir que a história fosse publicada – claramente houve fuga de informação para outros órgãos e Burrill demitiu-se antes de o “The Pillar” ter publicado uma só linha – mas sim por infligir o máximo de danos a dois jornalistas católicos que tiveram a audácia de informar os líderes católicos sobre algo que eles não queriam ouvir.

É evidente que existem questões legítimas a colocar em relação à utilização de dados de aplicações por parte do “The Pillar”. Mas quando os líderes eclesiais tratam automaticamente jornalistas como Flynn e Condon – que claramente não estão nas margens – como párias simplesmente por terem revelado verdades inconvenientes sobre pecados clericais, há consequências não intencionais.

Perante as mudanças radicais no panorama dos media católicos, os bispos – e as suas equipas de comunicação, muitas vezes lideradas por leigos – terão de tomar umas decisões estratégicas. Querem uma imprensa católica “domesticada”? Uns media católicos em quem ninguém confia, com as notícias mais difíceis sobre a Igreja a terem de ser dadas por órgãos seculares (ou por procuradores públicos) com um conhecimento limitado de uma Igreja pela qual nada sentem?

E depois existe o espetro de uma franja de meios de comunicação católicos cada vez mais venenosa, que cresce na medida inversa à da credibilidade e transparência dos bispos, sobretudo no que diz respeito a questões de más práticas sexuais e de abusos por parte do clero. Bispos que lamentam o crescimento dessa franja e a sua influência sobre os seus rebanhos fariam bem em lembrar-se do que a alimenta.

A restauração da credibilidade episcopal vai exigir um grau de responsabilização e transparência que poderão ser dolorosos e, por vezes, até humilhantes. E nesse sentido jornalistas católicos independentes como Flynn e Condon não são o inimigo da Igreja, pelo contrário, são alguns dos seus mais importantes aliados.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 29 de Julho de 2021)

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