Pe. Paul Scalia |
Muitos dos discípulos de Jesus que o escutavam diziam, “Estas palavras são duras, quem pode escutá-las?”
O que significa dizer que as palavras de Jesus são
“difíceis”? Poderia significar que são difíceis de compreender. E como Nosso
Senhor estava a falar da Eucaristia – o mistério da Fé – isso até seria
aceitável. É demasiado complicado para perceber.
Mas não é isso que significa. A palavra “duras”, aqui,
indica algo de ofensivo ou mesmo intragável. É por isso que Nosso Senhor
pergunta: “Isto escandaliza-vos?”. Por outras palavras, “Consideram isto
ofensivo e intolerável?”. Ele não pergunta se estão confusos, porque nesta altura
do discurso sobre o Pão da Vida ele já tinha clarificado os seus ensinamentos
muitas vezes. Eles compreendem-no perfeitamente. Simplesmente não estão
dispostos a aceitar aquilo que Ele ensina. O obstáculo aqui não é ao nível do
intelecto, mas da vontade.
Mais especificamente, eles não estavam dispostos a
aceitar o que Ele ensinava porque isso obrigá-los-ia a mudar de vida. Ele
estava a convidá-los a submeter os seus pontos de vista mundanos às suas
verdades sobrenaturais. “O Espírito é que dá a vida, a carne não serve de nada”
(Jo. 6,63). Eles intuíram bem o alcance das suas palavras: Se este ensinamento
é verdadeiro, então eles têm de adaptar as suas vidas a ele. E por isso
hesitaram. Mesmo depois de testemunhar os seus milagres e sinais, continuavam a
não conseguir confiar-se aos seus ensinamentos. “A partir de então, muitos dos
discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele” (Jo. 6,66).
Estes discípulos entraram na mesma lógica que os seus
antepassados no Êxodo. Os israelitas que seguiram Moisés para o deserto
acabaram por se fartar de confiar no Senhor e na sua Maná milagrosa. A certa
altura disseram: “Daqui não passamos”. Até começaram a ter saudades das panelas
de carne no Egipto e a querer regressar à terra da escravatura (Cf. Ex. 16,3 e
Num 14,4). Também assim, os discípulos que seguiram Cristo para o deserto
procuravam-no porque Ele os tinha alimentado de forma milagrosa e não porque
tinha palavras de vida eterna (cf. Jo. 6,68). E assim, aqueles que foram
alimentados por Ele e testemunharam os seus milagres, regressam agora às suas
antigas vidas.
Tudo isto traz à mente aquilo a que se chama “coerência
eucarística” – a simples verdade de que aqueles que recebem a Eucaristia devem
viver vidas coerentes com Ela. Inexplicavelmente, isto agora tornou-se
polémico. De facto, a “coerência Eucarística” é uma fasquia bastante baixa.
Afinal de contas, não devemos desejar apenas viver de uma forma coerente com a
recepção da Eucaristia. Antes, devemos fazer por ir buscar vida e o sentido das
nossas vidas à Eucaristia. Por outras palavras, as nossas vidas deviam ser
coerentes com a Eucaristia porque são determinadas por Ela.
Os discípulos em Cafarnaum reconheceram aquilo que lhes
estava a ser pedido. Acharam as palavras duras precisamente porque
compreenderam que se as aceitassem teriam de viver em coerência com elas. Ao
contrário de muitos que hoje recebem a Eucaristia de forma incoerente, aqueles
discípulos pelo menos tinham a integridade para reconhecer a sua falta de
vontade e simplesmente afastar-se.
A coerência eucarística requer a vontade – aliás, o
desejo – de receber esta marca de Cristo, independentemente da “dureza” dos
seus ensinamentos. Assim, devemos estar dispostos a receber aquilo que Ele nos
deseja dar. Devemos desejar da Santa Comunhão aquilo que é a sua vontade, e não
a nossa. O efeito em nós deve ser aquele que Ele quer, e não o que nós
queremos.
Claro que não devemos ser demasiado duros com os
discípulos em Cafarnaum. Para eles o ensinamento sobre a Eucaristia era algo
extraordinário, sobrenatural e chocantemente novo. Já nós temos dois milénios
de ensinamentos e de testemunhos para fortalecer a nossa fé. E mesmo assim
continuamos a poder falhar na nossa devoção eucarística. Assim como os seus
antepassados no deserto, estes discípulos são para nós um aviso. Não faz
sentido tomar nota de (e lamentar) a incoerência eucarística dos outros se não
fizermos mais por corrigi-la em nós mesmos.
Voltamos a Hildebrand: “Há muitos católicos religiosos
cuja prontidão para mudar é meramente condicional”. Por outras palavras,
estamos sempre em perigo de nos tornarmos como os discípulos em Cafarnaum,
colocando limites à nossa disponibilidade para mudar, considerando que as suas
palavras são demasiado duras e chegando àquele ponto em que dizemos, “Daqui não
passamos”. Alguns atingem esse ponto quando enfrentam um ensinamento mais duro
da Igreja de Cristo, outros quando sofrem alguma perda, dor ou escândalo. Seja
qual for o caso, o resultado é o mesmo: uma dureza que resiste à Sua graça.
Eis, então, uma boa maneira de nos prepararmos para a
Santa Comunhão – pedindo uma disposição dócil, como cera, para que a Eucaristia
nos beneficie como Ele deseja e nos deixe a sua marca bem estampada.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero. É autor de That Nothing May Be Lost: Reflections on Catholic Doctrine and Devotion e coordenador de Sermons in Times of Crisis: Twelve Homilies to Stir Your Soul.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 22 de Agosto de
2021 em The
Catholic Thing)
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