Helen Freeh |
Confrontados com um ataque, um desastre natural ou um
acto de guerra o Ser Humano sente uma vontade incontrolável de fazer algo. No
Nebraska sofremos inundações históricas o ano passado e os nossos cidadãos uniram-se
para construir barreiras com sacos de areia, limpar, doar comida e água. Havia algo para
fazermos em resposta à catástrofe. Recentemente Nashville, no Tennessee foi atingido
por tornados que mataram 25 pessoas e devastaram uma grande parte da baixa. Milhares
de pessoas vieram ajudar nas operações de busca e na limpeza da cidade. Tantas,
aliás, que as autoridades tiveram de mandar pessoas embora.
Está no nosso sistema fazer algo em reação ao sofrimento,
perda, ataques e ameaças à comunidade.
Mas agora que enfrentamos a maior disrupção da vida
global desde a Segunda Guerra Mundial, tudo o que somos chamados a fazer é –
nada. Não nos podemos mobilizar para confrontar o assalto global do novo
coronavírus. Não nos podemos alistar. Não podemos doar aço e borracha para o
esforço de guerra. Nem sequer podemos marchar em protesto ou em solidariedade
com as políticas do Governo.
A mobilização a que somos chamados é a mobilização do isolamento.
Fazer algo, agora, é ficar em casa, não ir trabalhar, nem
à escola, a festas, eventos desportivos, concertos ou – infelizmente, para
muitos de nós – à missa. O nosso dever cívico e até moral é de nada fazer. Agora,
em plena Quaresma, a três semanas do grande Tríduo e das celebrações pascais da
Igreja, fomos chamados pelo nosso Governo a entrar numa vida enclausurada e
monástica nas nossas próprias casas. Não devemos menosprezar o significado disto.
No seu livro “Deus ou Nada” o cardeal Sarah alerta para a “heresia do activismo”, um indício de que nos esquecemos de que o coração da
nossa vida encontra-se apenas em Deus. O ritmo da vida contemporânea cria uma
cegueira e surdez para a realidade da nossa dependência de Deus. Somos peregrinos
neste mundo e a maior parte da nossa vida foge ao nosso controlo.
Esta situação do coronavírus revela a realidade como ela
sempre foi. O vírus, tal como outros desastres naturais, foge ao nosso
controlo. O que podemos controlar são as nossas reações à situação. O nosso
falso sentido de poder foi-nos retirado e estamos desnudos. Este despir do
poder revela a beleza da vida escondida debaixo destas exterioridades. Como
lemos em Colossenses 3,14 e em 1 Pedro 4,8, a caridade liga todas as outras
virtudes domina sobre elas como rainha.
A nossa situação está repleta de paradoxos com um profundo
significado simbólico espiritual. Para fazer algo contra este contágio, devemos
fazer nada. Para fortalecer a nossa aliança global, cada nação deve fechar as
suas fronteiras aos outros. Nunca estivemos tão ligados uns aos outros em
espírito por nos desligarmos uns dos outros fisicamente. Por amor aos nossos
vizinhos, não os devemos visitar. Para manter as nossas comunidades fortes,
devemos quebrá-las. A própria sociedade é composta agora por lares isolados. E espiritualmente
aproximamo-nos de Deus e do seu corpo mantendo-nos afastados da sua presença
sacramental.
A vida de clausura tem desafios e benefícios. Um dos
benefícios é que agora podemos todos andar descalços, mas fomos colocados nesta
situação contra a nossa vontade e sem uma preperação adequada. Mesmo dentro das
nossas celas, porém, ainda podemos “fazer” algo. A forma de nos mobilizarmos,
de “fazermos” alguma coisa, é ajudar os nossos amigos e familiares a serem
santos monges. Isto inclui o encorajamento de outros, conhecidos e
desconhecidos, através das redes sociais. Agora é tempo de edificar o Corpo de
Cristo, não de o despedaçar. Os nossos primeiros pensamentos para com os outros
devem partir da caridade e ser vistos pela óptica da caridade.
Uma das verdades enfatizadas por este vírus é o isolamento
da nossa população mais velha. Há soluções práticas que podemos implementar em
reposta a isto. Estou a sugerir à minha paróquia que emparelhe jovens saudáveis
com pessoas mais velhas e vulneráveis. Os saudáveis contactariam os idosos
todos os dias para saber se precisam de alguma coisa, mesmo que apenas precisem
de falar. [Veja aqui um exemplo bem sucedido disto em Portugal].
O isolamento já é difícil para uma família, imaginem
agora o quão difícil é para aqueles que já viviam sozinhos. As nossas paróquias
podem ajudar, iniciando programas para “adoptar um paroquiano”, chegando assim
aos que neste momento estão em maior risco e com mais medo. É um acto de
caridade que poderia salvar vidas.
A todos é pedido que experimentemos um jejum severo.
Recordem-se que não jejuamos de coisas pecaminosas, mas das coisas boas, para
nos unirmos mais a Deus, a fonte de toda a nossa vida. Agora devemos jejuar do
bem que é a vida comunitária. Mas os jejuns não são para sempre. Pensem no
quanto vamos festejar, enquanto comunidade global, quando terminar este jejum!
Damos por adquirida a nossa comunhão com outras pessoas e
damos por adquirida a comunhão sacramental na missa. Mas o significado desta
comunhão quotidiana revelou-se agora através do mal da separação. O livro do
Genesis tem uma frase belíssima em que José diz aos seus irmãos: “A vossa
intenção era de fazer-me mal, mas Deus tirou daí um bem”. O coronavírus e os
seus efeitos são um mal e a nossa resposta pode prolongar ou piorar os seus
efeitos, ou então podemos colaborar com Deus e transformar este mal em bem.
O isolamento social é a cruz que todos somos chamados a
tomar agora. Mas se abraçarmos a nossa cruz ela conduzirá a uma plenitude de
vida que de outra forma não poderíamos conhecer.
Esta experiência histórica de sofrimento comunitário é um
grande dom que nos foi dado – o dom do tempo para rezar, para refletir e – se conseguirmos
encará-lo dessa forma – de lazer. Abracemos aquilo que não podemos escapar e
aceitemos que neste momento o nosso “nada fazer” é precisamente o que todos
devemos fazer.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 23 de Março de 2020 em The Catholic Thing)
Helen Freeh obteve a sua licenciatura e mestrado na
Universidade de Dallas e fez o doutoramento na Baylor University. Leccionou em
Hillsdale College, onde conheceu o seu marido, John. Actualmente goza de uma
reforma antecipada e está a criar e a educar em casa os seus filhos em Lincoln,
Nebraska
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