Kent R. Hill |
O
objetivo desta nova Carta é de juntar judeus, cristãos, muçulmanos,
representantes de outras religiões e outras pessoas de boa-vontade numa
declaração comum de que as virtudes são essenciais para viver em paz.
A
Carta é o resultado dos esforços do
Shaykh Abdallah Bin Bayyah, uma autoridade respeitadíssima de jurisprudência
islâmica e fundador e presidente do Fórum para a Promoção da Paz em Sociedades
Islâmicas.
A
Religious Freedom Institute, uma organização sem fins lucrativos sedeada em
Washington DC, com o qual colaboro, desenvolveu um papel na formação do texto
final da Carta. Entre as nossas
contribuições conta-se uma afirmação dos direitos naturais, definidos como
“direitos que antecedem o Estado e que são inerentes a cada ser humano por
virtude da sua existência”. Mais, os direitos criados pelos governos “têm mais
valor quando aplicados a todos, reflectindo as normas da dignidade e da justiça
humana”. A Carta reconhece ainda a importância do Dignitatis Humanae.
Entre
outras afirmações louváveis da Carta: “Todas as pessoas, independentemente das
suas diversas raças, religiões, línguas e etnias, por virtude da alma divina
que lhes foi insuflada, são dotadas de dignidade pelo seu Criador Omnipotente”.
Citando o Alcorão: “Não há compulsão na religião” (Sura 2: 256); e, “O Estado
tem a responsabilidade de proteger a liberdade religiosa, incluindo a
diversidade de religiões, que garante a justiça e a igualdade entre todos os
membros da sociedade”.
Na
RFI debatemos muito se uma declaração destas nos pode ajudar a alcançar o nosso
objectivo para esta e outras regiões, isto é, promover a liberdade religiosa no
terreno. Muitos documentos semelhantes, inspirados no Islão, têm aparecido nos
últimos anos, incluindo a Mensagem de Amã
(2004), Uma Palavra em Comum (2007),
a Declaração de Marraquexe (2016) e a
Declaração de Fraternidade Humana
(2019). Esta última foi assinada pelo Papa Francisco e por Ahmad al-Tayyeb,
grande imã de Al-Azhar. Existe algum indício de que estas declarações fizeram
alguma diferença nas regiões do mundo de maioria islâmica?
Infelizmente,
as provas até agora não são muito encorajadoras. De acordo com a “World Watch
List” da Open Doors, de 2019, mais de 80% dos vinte países que mais oprimem as
religiões no mundo são de maioria muçulmana, a maioria delas no Médio Oriente.
Mais de 70% dos piores cinquenta países no mundo são de maioria muçulmana.
A
realidade no terreno que estas estatísticas representam pode levar até o maior
defensor da liberdade religiosa a temer que declarações destas são, na melhor
das hipóteses, exercícios de retórica, meras boas intenções. Os cínicos dizem
que têm mesmo por objectivo enganar os incautos.
Então
porque é que investimos tempo e energia com a Carta da Virtude? Foi por duas razões. A primeira é histórica e
sugere que declarações não-vinculativas de princípios, quando apresentadas com
autoridade e no momento certo, podem contribuir para o bem a longo prazo, mesmo
que os seus autores sejam marcados por fraquezas profundas, ou aparentemente
ingénuos. Um exemplo é a Declaração de
Independência dos Estados Unidos, cuja audaz declaração de verdade
religiosa – “todos os homens são criados iguais” – se tornou o motor e o
sustento da democracia americana, não obstante a aparente hipocrisia de alguns
dos seus arquitectos esclavagistas.
Ou
ainda a Declaração Universal dos Direitos
do Homem (DUDH), que proclamou de forma não-vinculativa “a dignidade
inerente… e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família
humana”, incluindo o direito à liberdade religiosa para todos, e que foi
assinada por nações que não tinham a menor intenção de os proteger, nem na
altura, nem agora. Todavia, a DUDH mantém-se hoje como uma afirmação contra a
tirania e os seus princípios são repetidos nos acordos não vinculativos de
Helsínquia que contribuíram para a queda da União Soviética.
Em
segundo lugar, acreditamos que os esforços actuais para travar a violência
religiosa e o terrorismo no Médio Oriente não têm funcionado. A ausência de
liberdade religiosa nas nações de maioria muçulmana no Médio Oriente e no Sul
da Ásia, está a alimentar uma catástrofe de proporções civilizacionais. O
cristianismo está sob ataque nas terras em que nasceu e se desenvolveu. No
Iraque poderá simplesmente desaparecer dentro de uma década. A pressão para as
minorias não-muçulmanas abandonarem a região está a aumentar, e com ela
desaparecerá a força estabilizadora do pluralismo religioso.
No
fundo o que se passa é o seguinte: A solução para estes problemas não passa
pela força militar americana, nem pelas noções ocidentais de constitucionalismo,
assentes em premissas independentes da religião. Ambos estão condenados porque
lhes falta credibilidade no contexto muçulmano. A única solução possível
encontra-se nas próprias nações de maioria muçulmana e tem de ir beber às suas
próprias premissas religiosas. É por isso que decidimos arriscar identificar e
apoiar os líderes muçulmanos como Shaykh Bin Bayyah que acreditam que os
princípios sagrados da sua fé suportam a liberdade religiosa e a cidadania
plena para todos.
Claro
que sabemos que os líderes muçulmanos que assinaram a Carta da Nova Aliança da Virtude estão longe de serem perfeitos.
Tal como os fundadores dos Estados Unidos e de nós todos, nem sempre agem de
acordo com o que professam. Mas acreditamos que compreenderão que é a credibilidade
mundial do Islão que está em causa, bem como a possibilidade de convivência em
paz, apesar das nossas profundas diferenças.
E
claro que sabemos perfeitamente que as declarações não bastam. Se existe alguma
esperança de sucesso, então as palavras devem ser destiladas nestas sociedades
através de caminhos concretos para poderem chegar aos jovens muçulmanos em todo
o mundo. E mais, os imãs e outros líderes religiosos muçulmanos devem abraçar a
validade, e até mesmo a necessidade, de apoiar os princípios da Carta.
Para
que as palavras da Carta da Nova Aliança
da Virtude não acabem por ser apenas retórica estéril, é necessário, no
final de contas, que os signatários e seus apoiantes estejam prontos para
insistir que as palavras nobres se transformem em nobres actos.
Kent
Hill é um dos co-fundadores da Religious Freedom Institute (RFI) e primeiro
diretor executivo. Atualmente é o responsável da RFI pela Eurásia, Médio
Oriente e Islão. Antes, serviu como vice-presidente sénior da World Vision e
administrador assistente da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Intrenacional.
(Publicado
pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 5 de março de 2020)
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