Stephen P. White |
Tendo
sido despido do seu cargo de cardeal e laicizado, o galero de Theodore
McCarrick não será pendurado com o dos seus antecessores na catedral de St.
Matthew, em Washington. Mais, as suas armas foram removidas da parede
da catedral, onde tinham estado entre as dos seus antecessores e sucessores.
Quem
visitar hoje a Catedral de St. Matthew não encontrará qualquer referência a
Theodore McCarrick enquanto Arcebispo de Washington.
Há
muitas razões pelas quais podemos querer apagar o legado de McCarrick da
catedral. Certamente aqueles que foram traídos por ele – as suas vítimas, os
seus amigos, os padres, o seu rebanho – não gostariam de ver o seu nome e as
suas armas expostas publicamente, sobretudo, como era o caso, tão perto do sacrário.
Tal
memorial ao McCarrick poderia tornar ainda mais difícil a alguns ultrapassar a
revolta e a confusão dos últimos anos, rumo à cura e à restauração da
confiança. É por isso, segundo nos dizem, que o actual arcebispo de Washington,
Wilton Gregory, ordenou pessoalmente que a placa de McCarrick fosse retirada.
Com
o devido respeito pelo arcebispo Gregory, porém, julgo que se tratou de um
erro.
A
remoção do nome e das armas de McCarrick da catedral poderá tornar as coisas
menos dolorosas para nós no curto prazo, mas duvido que melhorem o que quer que
seja a longo prazo. Nem para nós, nem para ele, nem para os fiéis que virão
muito depois de todos nós termos partido.
Em
primeiro lugar temos o simples facto de que Theodore McCarrick foi, na verdade,
arcebispo de Washington. Foi nomeado para o cargo no ano 2000 pelo Papa João
Paulo II e manteve-se até à reforma em 2006. Toda a vergonha com que cobriu
esse mandato, o mal que fez à arquidiocese, não será desfeito por ignorarmos
essa realidade e as questões difíceis que levanta.
O
escândalo do pecado é uma preocupação legítima e a obsessão lasciva com o
pecado – sobretudo o pecado sexual – é moralmente perigosa. A tentativa de nos
protegermos da dor e do escândalo do pecado – nosso ou dos outros –
transforma-se, com demasiada facilidade, num exercício de autoilusão. Por
demasiadas vezes a tentação de proteger os fiéis da realidade dos pecados do
clero tornou uma situação má ainda pior.
Ninguém
pode dizer, com seriedade, que nas últimas décadas a Igreja Católica americana
tem sido demasiado transparente em relação às fraquezas dos seus padres e
(sobretudo) dos seus bispos. Uma cultura eclesiástica que tentou branquear as
falhas da Igreja acabou, sem dúvida, por tornar a crise dos abusos ainda pior.
Haverá maior prova disso do que a carreira do próprio Theodore McCarrick?
Alguns
poderão argumentar que apagar o nome de McCarrick da catedral é um castigo
justo. Talvez a dor de ver o seu legado destruído desta forma seja uma certa
forma de justiça, e talvez até lhe faça algum bem, espiritualmente. Talvez.
Mas
também há algum valor em reconhecer os limites da justiça que podemos fazer. A
justiça de Deus não vem apenas nesta vida, mas na plenitude dos tempos. Se nos
esquecermos disto o impulso para tentar à força obter toda a justiça no espaço
das nossas curtas vidas, e à nossa maneira, torna-se incomportável.
Enganamo-nos se pensamos que tudo deve – ou pode – ser corrigido à medida das
nossas expectativas.
O
que leva a outra razão pela qual me preocupa a decisão de apagar a ligação
entre McCarrick e a catedral: o próprio Theodore McCarrick.
A
velha tradição de a queda do galero significar que a alma de um prelado saiu do
purgatório tem uma fundação séria. Os nossos pastores precisam das nossas
orações, mesmo depois da morte. Não rezamos pelos nossos mortos porque temos a certeza
da sua bondade, mas precisamente porque não temos. As lembranças do nosso
pecado e da nossa fraqueza – e sobretudo do pecado e da fraqueza dos nossos
pastores – são importantes porque nos recordam da necessidade de rezar
fervorosamente pela salvação das almas.
Ao
contrário daqueles homens cujos chapéus encarnados estão pendurados nas
catedrais pelo mundo, Theodore McCarrick ainda está vivo. Quem somos nós para
dizer que não existe esperança para a sua salvação? E se existe, então não
devemos rezar por ele?
O
Evangelho instrui-nos: “Ama o teu inimigo e reza por quem te persegue”. Parece
um mandamento fácil de obedecer, no abstracto, mas eu, pelo menos, acho muito
complicado fazê-lo com convicção quando estamos a falar de um homem como
Theodore McCarrick. Rezar pelas suas vítimas? Claro. Pelo seu sucessor?
Evidente. Pelo seu antigo rebanho? Sem dúvida. Mas pelo próprio “Uncle Ted”?
Mas
algo me diz que eram precisamente de “casos difíceis” como este que o Senhor
estava a pensar.
Quer
queiramos, quer não, Theodore McCarrick continua a ser nosso irmão. Une-nos o
nosso baptismo, em Cristo. Não é por ignorar as suas feridas, nem
esquecendo-nos de como elas surgiram, que tornamos o Corpo de Cristo mais
perfeito.
Stephen
P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política
Pública em Washington.
(Publicado
pela primeira vez em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020)
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