Stephen P. White |
Este número – 83 alegações consideradas falsas – não
inclui 298 padres e diáconos que tinham sido “totalmente ilibados” na altura em
que a investigação foi feita.
Mais, das 5.681 alegações que levaram a resultados
definitivos, o resultado de 1.028 dos casos era de que a alegação carecia de
fundamentação. Isto é, um em cada cinco dos casos investigados (19,6%) foi
considerado conclusivamente falso (1,5%) ou então não pôde ser fundamentado
(18,1%).
Vale a pena fazer umas ressalvas. Estas estatísticas, e
tudo o que se segue, não pretendem de forma alguma menorizar os crimes e os
pecados dos padres que cometeram abusos, nem elevar os sofrimentos dos padres
acusados acima daqueles suportados pelas vítimas dos abusos. E isto não altera
o facto de que a vasta maioria das alegações de abusos são reais, ou que o
número de casos de abuso reportados é muito inferior ao real. E não se
pretende, de todo, sugerir que só porque uma alegação não pode ser
fundamentada, isso significa que não aconteceu.
As falsas alegações são raras, mas há centenas de padres
nos Estados Unidos que foram falsamente acusados de abusos sexuais, e
provavelmente milhares contra quem foram feitas acusações sem fundamento.
Alguns destes homens já morreram. Alguns nunca tiveram a oportunidade de
responder perante as alegações feitas contra eles.
Todas estas estatísticas dizem respeito a casos que datam
de antes da Carta de Dallas, de 2002. Desde a Carta o processo para lidar com
alegações de abusos uniformizou-se através das dioceses. Mas a única coisa que
há em comum entre os critérios necessários para suspender um padre do
ministério – por uma alegação “credível” – é que são manifestamente baixos. Na
minha diocese de Arlington, por exemplo, basta que uma alegação seja “crível e
plausível” para ser considerada credível e o suspeito ser imediatamente
suspenso do ministério. É uma fasquia baixíssima.
Tendo em conta a relativa baixa frequência de acusações
falsas, e dado o historial da Igreja de reagir de forma demasiado branda a
alegações sérias, uma fasquia baixa para a suspensão temporária deve ser
apropriada. A ação rápida é aplaudida quando os acusados acabam por ser
considerados culpados. Em casos como o do ex-cardeal McCarrick, em que
circulavam boatos nos meios clericais durante tantos anos, muitos perguntam
porque é que não foram tomadas medidas mais depressa. (E onde está o relatório
do Vaticano, passados quase dois anos?)
Uma das realidades que passa despercebida no meio desta
crise dos abusos é que uma porção significativa dos padres que são acusados são
ou manifestamente culpados, ou comprovadamente inocentes. E isto levanta um
problema difícil tanto para padres como para bispos.
A Carta de Dallas – de acordo com a lei canónica – é
cuidadosa no que diz respeito aos direitos dos acusados, incluindo o direito à
reputação:
Um padre ou um diácono que seja acusado de abuso
sexual de menor deve beneficiar da presunção de inocência durante a
investigação da alegação, e devem ser adoptadas todas as medidas apropriadas para proteger a sua reputação. Deve ser encorajado a pedir a assistência de um
advogado civil e canónico. Se a alegação for tida como não fundamentada, todas
as medidas devem ser tomadas para restaurar o seu bom nome, caso este tenha
sido posto em causa.
O peso da mitra... |
Num tribunal a culpa tem de ser provada para lá de
qualquer dúvida razoável. Hoje, no tribunal da opinião pública, a presunção de
inocência para padres acusados é cada vez mais letra morta. O ónus da prova
está do lado do acusado, se não conseguir provar a sua inocência, a mancha da
acusação permanece. (Este é precisamente o argumento que está a ser feito pela
defesa no caso do cardeal George Pell, que tem um último recurso pendente na
Austrália: ele foi condenado não porque havia certezas sobre a sua culpa, mas
porque não conseguiu provar a sua inocência.)
Os casos mais bicudos talvez sejam os verdadeiramente
ambíguos. O que acontece a um padre que, tendo sido “credivelmente acusado” é
absolvido? Ou a um padre que foi credivelmente acusado mas que, por uma razão
ou outra, não pode ser julgado? O que é que acontece quando o bispo tem de
decidir – sem contar com a sentença de um tribunal – sobre um dos seus próprios
padres? Devolve-o ao ministério? Mantem-no para sempre num limbo pastoral?
Qual é o bispo que quer devolver um padre que foi
credivelmente acusado ao ministério sem outra justificação do que o princípio
da inocência até prova em contrário? É um risco enorme para o bispo, para o
padre, para a diocese e, potencialmente, para as vítimas.
Estas não são questões simpáticas para considerar,
sobretudo numa era de suspeita e desconfiança. A forma como pensamos nelas tem
tudo a ver com o facto de conhecermos alguém que foi abusado, ou de conhecermos
um padre que abusou, ou até um padre que tenha sido falsamente acusado.
Os protocolos para lidar com alegações de abusos são
importantes. Os procedimentos jurídicos e a transparência são críticos para
garantir justiça tanto para as vítimas de abusos como para os padres acusados.
Mas não podemos esquecer que não há protocolo ou processo que elimine
completamente as decisões difíceis e de consequência. As mais duras dessas
decisões acabam quase sempre por cair sobre os ombros dos nossos bispos, incluindo o
bispo de Roma. Aí, nada substitui o juízo, a sabedoria e a prudência.
Stephen P. White é investigador em
Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 26 de
Março de 2020)
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