Helen Freeh |
Recentemente
chamou-me a atenção um panfleto na minha paróquia. Continha sugestões
inovadoras para sacrifícios quaresmais. Partes eram atribuídas ao Papa
Francisco, mas outras partes eram escritas por alguém certamente
bem-intencionado, mas claramente tonto. Perguntava em letras garrafais: “Está a
pensar deixar de comer chocolate para a Quaresma? Para uma Quaresma mais
profunda, pense antes em…” E depois vinha a lista: Jejue de dizer palavras
ofensivas e diga coisas simpáticas; jejue de rancor e encha-se se paciência;
jejue de egoísmo e seja compassivo para com os outros. E por aí fora.
Depois
veio a linha que, sinceramente, me fez rir alto: “Jejue de pornografia”. A ausência de uma compreensão correcta de jejum católico seria cómica se não fosse
tão tragicamente enganadora para católicos com falta de catequese.
Devemos
sempre evitar pecados como palavras cruéis, rancor injusto, egoísmo e, claro,
pornografia! Estas não são coisas boas das quais nos abstemos temporariamente,
para oferecer como sacrifício a Deus como parte do nosso jejum. São só coisas
más que ofendem sempre a Nosso Senhor e que devíamos sempre evitar fazer.
A
ideia de abdicar de pecados como parte da nossa Quaresma confunde a própria
natureza e propósito do jejum, que é privarmo-nos de um bem em nome de um bem
maior – a proximidade e, por fim, a união com Deus. Não se pode “jejuar” de
pecado. Se jejuamos de palavras ofensivas e de pornografia durante a Quaresma,
devemos depois voltar a elas na Segunda-feira de Páscoa e anunciar orgulhosamente
que no ano seguinte vamos deixá-las novamente? A própria noção é absurda.
Há
já algum tempo que muitos de entre nós têm abandonado a compreensão
tradicional de jejuar de bens físicos, considerando-o um acto superficial,
antiquado ou impensado. Isso leva as pessoas a fazer as “sugestões inovadoras”
referidas acima e muitas outras que os leitores facilmente podem imaginar.
O
que é que nos leva a descartar a ideia do jejum corporal? Será um medo visceral
de privar o corpo de luxos ou de nos sentirmos fisicamente desconfortáveis?
Será uma forma de escravatura das nossas dependências físicas, disfarçada de
enfoque nas coisas aparentemente superiores e “espirituais”?
Este
salto de mortificações corporais para espirituais arrisca-se a tornar-se uma espécie
de espiritualismo, em que alguém crê que o espírito é inteiramente à parte da
matéria ou do corpo. Ou talvez um tipo subtil de gnosticismo em que se descarta
a importância do corpo e, por isso, as mortificações do corpo são vistas como
sendo desnecessárias para o crescimento espiritual.
Um
católico não deve deixar-se enganar por estas mudanças das práticas
tradicionais. Não devemos denegrir a mortificação da carne ou simplesmente considerá-la
uma coisa do passado. A natureza do corpo não muda com o tempo e nunca
deixa de pedir a sua própria satisfação. Mesmo que diga palavras bonitas e
reduza a sua pegada ecológica, colocando os plásticos no ecoponto certo, as
dependências corporais mantêm-se presentes, escondidas, até serem postas à
prova.
Cristo tentado no deserto |
Esse
é o problema com estas tentativas erradas de “aprofundar” o tempo quaresmal. A
Quaresma não é um período ou de crescimento espiritual ou de melhorar a
disciplina corporal. Porque a oração e o jejum andam de mãos dadas. Os três pilares
da época penitencial da Quaresma são a oração, o jejum e a esmola. Jejuar sem
ser de comida e de bebida real é como dar esmola sem ser com dinheiro verdadeiro.
O jejum é de bens físicos e as esmolas para os pobres são de dinheiro
verdadeiro ou de bens materiais.
As
oferendas espirituais são, como é evidente, muito boas e justas e uma
necessidade para quem deseja avançar no caminho da perfeição. Mas para a
maioria de nós o progresso costuma fazer-se da ordem natural para a ordem
sobrenatural das coisas.
Os
nossos corpos estão intimamente ligadas às nossas almas. Os críticos podem
pensar que o jejum de gelado, chocolate, doces e por aí fora são actos “menores”
ou “impensados” só porque muitos homens e mulheres de fé têm feito as coisas
assim ao longo dos anos. Mas permitam-me sugerir, humildemente, que na nossa
cultura indulgente a primeira coisa que uma pessoa deve tentar fazer é
abdicar dos bens materiais de comida e de bebida.
É
precisamente porque é difícil abdicar de bens destes que a pessoa que deixou de
consumir café, por exemplo, precisa de recorrer ao auxílio da oração. Quando
começarmos a ganhar maior autocontrolo sobre o corpo, então podemos passar para
o próximo nível espiritual em que para além de abdicar destes bens espirituais,
aprofundamos também a ligação espiritual a Nosso Senhor. Pedimos a graça de ter
fé, esperança e amor mais profundos; para ser mais castos, temperados,
diligentes, pacientes, bondosos e humildes.
Por
isso, durante esta Quaresma, mortifique o seu corpo abdicando daquele café matinal, ou da doçura das sobremesas, e não deixe que ninguém o convença que essa
disciplina corporal é simplista ou ultrapassada. E, já agora, arrependa-se dos
seus pecados também.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 22 de
Fevereiro de 2020 em The Catholic Thing)
Helen
Freeh obteve a sua licenciatura e mestrado na Universidade de Dallas e fez o
doutoramento na Baylor University. Leccionou em Hillsdale College, onde
conheceu o seu marido, John. Actualmente goza de uma reforma antecipada e está
a criar e a educar em casa os seus filhos em Lincoln, Nebraska
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ORACAO, JEJUM, ESMOLA
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