Brad Miner |
Passam-se
hoje 565 anos sobre a morte do artista renascentista Fra Angelico.
Nascido
Guido di Pietro, cerca de 1395, cresceu no bairro de Rupecanina, em Vicchio,
uma vila da República de Florença. Não sabemos com quem é que ele e o seu irmão
Benedetto aprenderam a pintar e a iluminar – a especialidade de Benedetto – mas
Guido já era um pintor bem conhecido quando entrou para o mosteiro dominicano
em Fiesole, nos anos 20 do Século XV, altura em que assumiu o nome Fra
Giovanni, isto é, Irmão João.
Só
após a sua morte é que se viria a tornar, nas palavras do “Martyrologium
Romanum”, “Beato Giovanni de Fiesole, apelidado ‘o Angelico’”, daí que seja
conhecido como Fra Angelico, o irmão angélico. Mesmo para historiadores de arte
seculares ele é o Pictor Angelicus,
tal como o seu antecessor dominicano, o Doctor
Angelicus, São Tomás de Aquino.
Repare-se
no “Beato”. O irmão Giovanni foi beatificado pelo Papa São João Paulo II em
1982. Claro que a sua causa não avançará se as pessoas não rezarem por sua
intercessão e isso não resultar em milagres. Mas a sua piedade era de tal ordem
que, mesmo em vida, era conhecido pela alcunha angélico. Foi também são João
Paulo II que declarou Fra Angelico padroeiro dos artistas católicos, em 1984.
Quando
o Metropolitan Museum de Nova Iorque fez uma exposição da sua obra, em 2005,
juntou obras de alguns sessenta museus e colecções privadas mas que –
naturalmente – não incluíam frescos. Como escreveu o diretor do MET, na altura,
as novas investigações sobre o homem e a sua obra moderaram a imagem de Fra
Angelico como apenas “um irmão santo que nunca pegava no pincel sem rezar
primeiro”. Diz ele que Fra Angelico possuía “um intelecto competitivo e foi um
participante ativo na revolução cultural em Florença do início do Século XV”.
Não tenho a menor dúvida que assim seja, mas isso não significa que ele não
fosse um cristão devoto. Pode bem ter tido a esperteza das víboras (em termos
de política eclesial, modas artísticas e até economia renascentista), mas era
também manso como um pombo.
Em
1436 um grupo de dominicanos de Fiesole mudou-se para o convento de San Marco,
em Florença, recentemente renovado pelo arquitecto Michelozzo di Barolomeo
Michelozzi e Fra Giovanni foi posto a trabalhar na decoração do mosteiro, o que
resultou em algumas das melhores pinturas dos primórdios do Renascimento.
Também aceitou trabalhos em Roma (veja-se a Capela
Nicolina no Vaticano) e noutros lados, deixando um legado inigualado no
património católico artístico.
Nas
palavras de São João Paulo:
Consta-se que Angelico
terá dito que “quem faz a obra de Cristo deve permanecer sempre com Cristo”.
Este lema valeu-lhe o epíteto “Beato Angelico”, por causa da integridade perfeita
da sua vida e da beleza quase divina das imagens que pintou, de forma superlativa
as da bem-aventurada Virgem Maria.
A
mais famosa das suas pinturas marianas é o fresco da Anunciação, pintado numa
das paredes em torno do claustro em San Marco, sobre o qual o grande artista
James Patrick Reid escreve
de forma tão bonita aqui, há vários anos. Como dizia o sr. Reid: “Uma
grande pintura reflete a divina providência. Tal como nada escapa ao governo
divino da criação, assim nada escapa à mestria do artista; não há nada que seja
meramente acidental”.
Na
sua obra “As vidas
dos mais excelentes pintores, escultores e arquitectos” (publicado em duas
edições, em 1550 e 1568 e reeditado várias vezes desde então), Giorgio Vasari
escreveu que a figura de Gabriel na Anunciação é “tão devota, delicada e bem pintada
que não parece a obra de mão mortal, mas parece que foi pintado no Paraíso (…)
Daí que é verdadeiramente justo que este bom monge tenha sido conhecido como
Frate Giovanni Angelico.”
Isto
vê-se em quase tudo o que Fra Angelico pintou – só não digo tudo mesmo porque
não vi a sua obra completa – e nota-se especialmente em duas outras obras,
ambas no seu antigo mosteiro, que é agora o Museu Nazionale di San Marco: A
Deposição de Cristo e o Juízo Final.
A
magnífica Deposição
começou na verdade como um tríptico para a Capela Strozzi, na Santa Trinità, em
Florença, pelo pintor Lorenzo Monaco, que morreu cerca de 1425 depois de ter
acabado só os pináculos por cima dos três arcos. Passou uma década antes de Fra
Angelico assumir o trabalho de completar a obra. Os trípticos têm três painéis,
cada um dos quais apresenta, tradicionalmente, três cenas relacionadas, mas
distintas. Mas Angelico tratou a Deposição de outra forma, criando um cenário
lotado que mostra apenas um panorama. Como é costume com a arte da Idade Média
e do Renascimento – eras em que não existia historiografia nem arqueologia – as
pessoas e os lugares representados são contemporâneos de Itália do Século XV.
E
aqui encontram o artigo
do Wikipedia sobre A Última Ceia de Fra Angelico. Adoro a sua Deposição de
Cristo, mas O Juízo Final é possivelmente uma composição ainda mais
maravilhosa. A imagem no topo do artigo, à direita, pode ser aumentada várias
vezes, clicando em cima, permitindo um exame cuidadoso (convido-vos a fazê-lo)
dos detalhes que o artista colocou na pintura (sobre fundo de madeira),
incluindo o horror de todos aqueles (incluindo clérigos) que são conduzidos
pelos demónios através das portas do Inferno, mas também a alegria orante da
comunidade dos salvos, abraçando-se e dando as mãos, “as suas caras radiantes
com o amor de Deus”.
Mas,
em verdade, a contemplação das caras dos que descem para o abismo traduz o
horror desta perspectiva. Alguns parecem esconder os olhos, outros metem as
mãos e os dedos na boca e outros ainda tapam os ouvidos com as palmas das mãos,
esperando abafar o clamor dos atormentados. Alguns estão a ser arrastados,
outros parecem estar simplesmente a caminhar para a perdição. É uma imagem de
arrependimento e pânico. Se existe alguma pinga de esperança em qualquer um
deles, está prestes a ser extinta. Para sempre. E eles sabem-no.
Fra
Angelico captou tudo isto porque se deixava guiar pelo Espírito Santo.
(Publicado
pela primeira vez na segunda-feira, 17 de Fevereiro de 2020 em The
Catholic Thing)
Brad
Miner é
editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da
Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que
Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do
National Review.
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