Wednesday, 5 February 2020

Ser a melhor a lidar com a morte

Casey Chalk
Recentemente uns amigos meus perderam um bebé, nado morto às 24 semanas. Entre a tristeza do momento, o meu amigo decidiu dar nome ao bebé e ligou ao pároco para pedir que se celebrasse uma missa. Num dia frio, no início de Janeiro, vários amigos compareceram. O padre celebrou de forma respeitosa e séria e pregou uma homilia sobre o arquétipo do sofrimento, Job, oferecendo o sacrifício da missa pela alma do pequenino.

No momento não foi fácil perceber o que os meus amigos acharam da celebração – naturalmente eles estavam com ar demasiado pesaroso para que sequer falássemos no assunto. Mas uma semana mais tarde, à volta de umas cervejas, ele disse-me o quanto aquela missa tinha significado para ele e para a família, tanto como forma de honrar a vida do seu filho, como de dar sentido à sua perda. Observando a sua mágoa à distância lembrei-me de uma coisa que me ocorreu pela primeira vez quando, já católico, frequentei o funeral evangélico do meu pai, em 2013: é importantíssimo que a Igreja Católica seja a melhor a lidar com a morte.

O catolicismo tem várias vantagens sobre outras tradições religiosas, mais ainda sobre a sociedade secular. A começar pelo espaço físico onde honramos os mortos. As paróquias católicas, ainda que a arquitectura de algumas deixe muito a desejar, são locais sagrados, nem que seja só pela presença de Jesus no sacrário. Se para além disso houver beleza estética na arquitectura, arte ou decoração interior, melhor. O funeral do meu pai, por mais respeitoso que tenha sido, teve lugar numa sala de conferências alcatifada, com cadeiras desdobráveis, parecia um salão de hotel. Não teve nada de particularmente sagrado ou especial.

Depois temos a doutrina a nosso favor. Claro que devemos aderir aos ensinamentos sobre morte, Céu, Inferno e Purgatório porque acreditamos que são verdade. Mas independentemente disso, oferecem-nos muito mais, em termos de contemplação e participação, do que se encontra noutros lugares.

Nós podemos rezar pelos nossos mortos, de forma a acelerar a sua entrada no Céu. Podemos pedir aos nossos mortos, tanto no Purgatório como no Céu, para rezarem por nós. E podemos comungar com eles no milagre que é a Missa, uma vez que a Eucaristia é uma re-representação não apenas do Calvário, mas do banquete celeste, onde todo o povo de Deus, morto e vivo, está presente.

Isto é muito melhor do que os aforismos secos como “ele agora está num sítio melhor” e é mais robusto do que a crença protestante de que apenas veremos os nossos entes queridos no Céu (desde que tenham sido salvos, claro).

Gosto especialmente dos santinhos que se fazem depois da morte de alguém. Guardo os santinhos de ambos os meus avós católicos e uso-os como marcadores de livros, lembrando-me assim de rezar por eles. É fantástico como a mera visão dos santinhos desperta não apenas orações como também contemplação sobre as suas vidas e a minha. Também temos a tradição de acender velas e oferecer missas pelos nossos entes queridos. O catolicismo coloca à nossa disposição uma rica tapeçaria de formas de honrar os nossos queridos através de Cristo.

Não quero com isto dizer que não seja possível também aos católicos serem maus a lidar com a morte. Fiquei irritado, mas não muito surpreendido, quando vi que o aviso para o funeral do meu pai chamava ao evento uma celebração da sua vida. Mas isto tem-se tornado mais comum até nos enterros católicos. Já fui a funerais católicos em que não se fala do Purgatório nem das nossas orações pelos mortos, como se fosse simplesmente doloroso de mais contemplar a continuação do seu sofrimento. E já fui a enterros em que o padre parecia sugerir que os mortos estavam definitivamente no Céu, como se fosse possível ter essa certeza.

Há uma pagela bastante popular que se vê nos enterros e que diz o seguinte:

Não faças luto…
Nem fales de mim com lágrimas…
Mas ri-te e fala de mim…
Como se estivesse ao teu lado.
Amei-te tanto…
Estar aqui contigo foi o paraíso.

Gustave Courbet
Este tipo de sentimentos são insultuosos para nós e para os mortos. Claro que devemos fazer luto pelos mortos e lamentar a sua perda. A morte é uma realidade dolorosa e terrível da condição humana. Muitos morrem em alturas, ou de formas, que não fazem sentido para nós, deixando os seus familiares de luto mas também, frequentemente, num estado de pobreza emocional e financeira.

São Paulo declarou que com a ressurreição de Cristo a morte tinha sido derrotada e perdido o seu ferrão, mas nunca disse que deixaríamos de sofrer com ela (1 Coríntios 15,55). Mais, o Céu não é uma espécie de expoente máximo das relações terrenas, mas sim o local para onde os fiéis que morrem vão e onde, se Deus quiser, um dia nos juntaremos a eles. Confundir a terra e o Céu é uma forma de empobrecer ambos.

Mas não tem de ser assim. A Igreja Católica possui os instrumentos e a doutrina para nos ajudar a sofrer a tragédia da morte de uma forma que nos conforta, guia e restaura. Quando a Igreja se vale destes dons faz muito mais do que ajudar os enlutados a lidar com a sua perda; honra a Deus, orientando os nossos corações para o louvar.

Reconhece que, nas palavras de São Paulo, somos os mais miseráveis de todos os homens se a Ressurreição não for verdade. Contudo, à luz da encarnação e da ressurreição, temos uma esperança que vai para além de todo o sentimentalismo secular.

Ser o melhor a lidar com a morte é também uma forma de pregar a verdade, tanto para nós, que precisamos tanto dela – especialmente quando estamos emocionalmente vulneráveis – como para os que tomam parte da nossa dor. Que melhor forma haverá de pregar o Evangelho aos descrentes e não praticantes do que mostrar-lhes o facto de que, através de Cristo, a morte não é o fim? Que melhor instrumento de evangelização haverá do que uma missa solene que demonstra, em Cristo, o nosso amor por, e união com, os que amamos?

A Igreja Católica pode ser a melhor a lidar com a morte. E devia sê-lo, como parte da nova evangelização.


Casey Chalk escreve para a Crisis Magazine, The American Conservative e a New Oxford Review. É licenciado em história e ensino pela Universidade de Virgínia em tem um mestrado em Teologia da Cristendom College.


(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 2 de fevereiro, de 2020)

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