Wednesday, 5 September 2018

Abuso de Autoridade: A Crise Mais Profunda

Pe. Timothy Vaverek
São incontáveis as vozes que se erguem entre bispos, padres e leigos, pedindo uma investigação credível sobre o escândalo de abusos sexuais e encobrimentos espoletados pelo caso McCarrick, bem como a crise de moral sexual, sobretudo relacionada com actividade homossexual entre o clero. São assuntos que merecem uma análise pormenorizada, sobretudo à luz do Novo Paradigma moral promovida por altos clérigos, que abre as portas à contracepção, actividade homossexual e extraconjugal e recasamento.

As incríveis alegações do arcebispo Viganó, porém, apontam-nos para uma crise muito mais profunda do que pecados sexuais e falsa teologia: o abuso da autoridade pastoral, tanto por parte dos clérigos abusadores como dos bispos que não protegem o seu rebanho.

Dizer que o abuso por parte de clero tem a ver mais com autoridade do que com luxúria não exclui o papel desempenhado pela sexualidade, mas liga essa gratificação ao exercício de poder. Para o clero a autoridade está enraizada no seu ofício sacramental de pastores do rebanho de Jesus. Padres predadores e os bispos que não defenderam as vítimas são, por isso, culpados não só de falhar no seu ministério, mas de abuso de uma relação espiritual. São pais e irmãos, imagens de Cristo, que violaram a confiança que o povo de Deus, procurando apoio e protecção, depositou neles.

É importante saber se os abusadores e os padres agiram de forma pecaminosa, isto é, com inteira liberdade e conhecimento. Mas o mais importante é que as suas acções provocaram feridas graves nos membros do Corpo de Cristo. A justiça e a caridade exigem que esses danos sejam investigados e remediados, na medida do possível, e não apenas perdoados. Isto pode implicar a remoção do ministério por parte dos culpados.

Em muitos casos os abusos por parte de padres e as falhas episcopais não foram casos isolados, que se podem ultrapassar dizendo “todos pecamos e cometemos erros”. Estamos, antes, a falar de padrões de comportamento destrutivo que se tinham tornado segunda natureza para os abusadores ou para o bispo. Chamamos a isso vícios. São disposições profundamente enraizadas para contínuo mau comportamento que indicam um estado de corrupção ou disfunção.

Os abusadores repetentes ou não querem, ou não podem, alterar o comportamento de forma a abdicar do poder que usam para se gratificarem a si mesmos. Assim, até que as suas disposições corruptas mudem, não tomarão medidas para restaurar a justiça e a caridade. Poderão até vociferar actos de contrição e de emenda de vida, mas só o fazem para recuperar o seu estatuto.

É por isso que o papel do bispo é tão importante. Cabe-lhe a ele encontrar uma forma efectiva de providenciar um final justo e caritativo para a vítima e, neste contexto, também para o abusador. Foi aqui que demasiados bispos revelaram a sua própria corrupção ou disfunção, agravando as feridas já abertas pelo mau uso da sua autoridade episcopal.

Alguns dos bispos que falharam repetidamente afirmam que, há décadas, tratavam o abuso apenas como um pecado. Mas isso não é verdade. Se o tivessem tratado como um pecado teriam exigido que o culpado reconhecesse o seu erro e fizesse restituição à vítima (financeiramente e de outras formas), bem como penitência, e que emendasse a vida. Teriam então percebido que a repetição não é era um “lapso”, mas sinal de um hábito vicioso, compulsivo ou desejado. Tanto num caso como no outro, a preocupação pelo bem-estar dos fiéis e do padre teria impedido novas nomeações.

Jesus expulsa os vendilhões do Templo
Outros bispos dizem que, mais recentemente, tratavam os abusos como se fossem uma doença. Não é provável. Os planos de tratamento tendem a exigir supervisão e cuidados continuados. Em casos de abusos repetidos, frequentemente os bispos não garantiram que esses passos fossem seguidos de forma rigorosa.

Um número bem maior de bispos falhou ao não cultivar um ambiente em que o clero ou os leigos os pudessem procurar para partilhar preocupações. É verdade que isto mudou depois de 2002, de forma que as alegações de abusos sobre menores foram recebidos. Mas salvo raras excepções, como na diocese de Tyler, não existem políticas em curso que obriguem a relatar outras violações da fé e da moral cristã por parte de clero, tal como falsos ensinamentos, relações sexuais com homens ou mulheres, abusos financeiros na paróquia ou em relação a paroquianos individuais, vício de álcool ou pornografia, etc..

Deve-se reconhecer, portanto, que os bispos diocesanos ou do Vaticano que repetidamente falharam para com as vítimas das diversas formas de abusos por parte do clero, revelaram níveis de corrupção ou disfunção que, em si, constituem abuso de poder. Estes falhanços são muito mais que meros erros. É um comportamento que se tornou segunda natureza para estes bispos e para o exercício administrativo do seu cargo.

Durante as décadas desta crise de abusos, nem os bispos nem a Santa Sé têm prestado contas de forma transparente sobre bispos corruptos ou disfuncionais. Alguns dizem que falta autoridade aos bispos neste campo, mas nada os impede de apresentar orientações a Roma. Também esta passividade representa um abuso de poder que nega ao povo de Deus a justiça e a caridade. Cria uma situação tal que torna difícil até a uma investigação do Vaticano ser considerada credível.

No escândalo McCarrick, os bispos de Newark e de Metuchen conheciam as alegações e esconderam as indemnizações que já tinham sido pagas. Mas o Cardeal Wuerl insiste que ninguém o tinha avisado – o que, a ser verdade, significa que o Vaticano também se manteve no silêncio. Se assim for, o seu encobrimento impediu que se procurassem e ajudassem outros seminaristas e padres abusados pelo agora ex-cardeal. Também permitiu que McCarrick continuasse a confraternizar com seminaristas, já depois de reformado. Por isso, e de forma indirecta, a versão do cardeal Wuerl dá a entender um abuso de poder por parte dos bispos americanos e em Roma tão preocupante como as acusações feitas por Viganò.

Os abusadores como McCarrick e a crise de moral sexual associada ao Novo Paradigma, bem como os bispos que permitiram estes e outros ultrajes contra o povo de Deus, devem ser investigados de forma credível. As alegações feitas por Wuerl e por Viganò exigem que examinemos os núncios e a cúria, mas devemos ir mais longe. Para confrontar o abuso de autoridade pastoral, devemos estabelecer formas eficientes de denunciar, investigar e corrigir violações da fé e da moral por parte de funcionários da Igreja, desde voluntários a bispos. A justiça e a caridade exigem que assim seja. E Jesus também o exige, ele que é simultaneamente a maior vítima e o último juiz de todos estes abusos.


O padre Timothy V. Vaverek, STD, é sacerdote na Diocese de Austin desde 1985 e actualmente tem a seu cargo as paróquias de Gatesville e Hamilton. Os seus estudos doutorais foram na área de Dogmática, com enfoque em Eclesiologia, Ministério Apostólico, Newman e Ecumenismo.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 30 de Agosto de 2018)

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