Casey Chalk |
Afirmações destas reflectem nada menos que uma exigência
para que a Igreja Católica se protestantize, e têm as suas raízes na afirmação
da Reforma de que todos os cristãos possuem a autoridade para determinar a
verdade sobre Deus e sobre a Sua Igreja por si.
Martinho Lutero atacou a hierarquia da Igreja Católica
com base no sacerdócio universal. No seu livro “Do Cativeiro Babilónico da
Igreja”, explica-o da seguinte maneira:
Então, são forçados a admitir que somos todos igualmente sacerdotes, uma
vez que muitos de nós somos baptizados, e por isso verdadeiramente o somos;
enquanto a eles é confiado apenas o Ministério (ministerium) pelo nosso
consentimento (nostro consensu)? Se eles reconhecessem isto saberiam que não
têm direito a exercer sobre nós poder (ius imperii, fora daquele que lhes foi
confiado) excepto na medida em que nós o tenhamos concedido.
De igual forma, Calvino viu no sacerdócio universal de
todos os crentes uma forma de minar a hierarquia católica, apelidando o
sacerdócio de “uma infâmia nefasta e blasfémia incomportável, tanto contra
Cristo como contra o sacrifício que fez por nós através da sua morte na cruz”.
Ele pôs em prática as ideias de Lutero, formulando uma eclesiologia em que os
membros da Igreja elegem líderes leigos para governarem os seus pares.
A ideia do “sacerdócio universal de todos os crentes” tem,
de facto, raízes bíblicas. É por isso que os Reformadores apelam a ela. São
Pedro convida a Igreja a aceitar este chamamento. “Vós também, como pedras
vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo (…) vós sois a
geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido” (1 Pedro 2,
5-9).
O próprio Catecismo da Igreja Católica afirma que: “Toda
a comunidade dos crentes, como tal, é uma comunidade sacerdotal. Os fiéis
exercem o seu sacerdócio baptismal através da participação, cada qual segundo a
sua vocação própria, na missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei. É pelos
sacramentos do Baptismo e da Confirmação que os fiéis são «consagrados para
serem [...] um sacerdócio santo»”. (CIC 1546)
Porém, esta ideia deve ser aceite à luz do reconhecimento
de que Deus, de facto, instalou líderes para o seu povo, cuja autoridade não
pode simplesmente ser negada através da referência ao sacerdócio universal. Há
até uma passagem do Antigo Testamento que fornece um exemplo pertinente, impressionantemente
semelhante à linguagem invocada pela teologia protestante e pelos católicos
anti-episcopais:
E Coré, filho de Izar, filho de Coate, filho de Levi, tomou consigo a Datã
e a Abirão, filhos de Eliabe, e a Om, filho de Pelete, filhos de Rúben. E
levantaram-se perante Moisés com duzentos e cinquenta homens dos filhos de
Israel, príncipes da congregação, chamados à assembleia, homens de posição.
E congregaram-se contra Moisés e contra Arão, e disseram: Basta-vos, pois
que toda a congregação é santa, todos são santos, e o Senhor está no meio
deles; por que, pois, vos elevais sobre a congregação do Senhor? (Números 16, 1-3)
Moisés, de Miguel Ângelo |
Coré e a sua laia argumentam que Deus fez de todo Israel
um povo santo e que por isso Moisés e Aarão não têm qualquer direito a exercer
autoridade sobre eles. Trata-se de uma autêntica rebelião, não apenas contra os
líderes divinamente instituídos, mas contra o próprio Senhor. Moisés diz mesmo
aos rebeldes: “Assim tu e todo o teu grupo estais contra o Senhor” (Números 16,
11)
A resposta de Deus a esta traição é rápida e dramática:
E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra que
estava debaixo deles se fendeu.
E a terra abriu a sua boca, e os tragou com as suas casas, como também a
todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos os seus bens. E eles e tudo o
que era seu desceram vivos ao abismo, e a terra os cobriu, e pereceram do meio
da congregação. (Números 16:31-33)
Eis o que acontece a quem procura destruir as instituições
estabelecidas pelo próprio Deus, são consumidos, segundo as escrituras.
A liderança da Igreja Católica ocupa uma posição de
autoridade divinamente ordenada, tal como a de Moisés. Jesus, aliás, fala mesmo
dos líderes judeus como estando sentados “sob a cátedra de Moisés”, o que lhes
confere a autoridade de governarem o Povo de Deus.
Os nossos bispos (e o nosso Papa), não obstante os erros,
juízos errados e pecados que possam ter cometido, continuam firmemente sentados
nessa cátedra. Em várias passagens do Novo Testamento lemos que os líderes da
Igreja gozam de autoridade apostólica. São Paulo, por exemplo, fala do
episcopado como sendo conferido pela imposição das mãos (1 Timóteo 1,6 e 4,14).
Reconhecer a mão de Deus na contínua liderança da Igreja
não é, claro, um cheque em branco para os nossos líderes – eles serão julgados por
Deus pelos seus pecados e nós temos todo o direito em exigir que assumam os
seus erros e que sejam disciplinados quando esses erros forem particularmente
gravosos. Por vezes há até bispos e cardeais que devem ser removidos – não por
nós (lamento Lutero), mas por outros que tenham autoridade para tal.
Sejam quais forem as medidas tomadas contra os líderes
eclesiais que nos falharam, talvez um bom conselho neste tempo de crise seja
aquele dado por Jesus logo depois de se ter referido à “cátedra de Moisés”.
Nosso Senhor ordena: “Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis,
observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras,
porque dizem e não fazem” (Mateus 23,3).
Casey Chalk é um autor que vive na Tailândia, onde edita
um site ecuménico chamado Called to Communion. Estuda teologia em Christendom College, na Universidade de Notre Dame. Já
escreveu sobre a comunidade de requerentes de asilo paquistaneses em Banguecoque
para outras publicações, como a New Oxford Review e a Ethika Politika.
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