Anthony Esolen |
Não bastava que fosse adorado pelos vizinhos amonitas:
Cioso por ver de
Deus o altar vizinho,
Com fraudulenta
sedução pôde ele
De Salomão levar o
peito egregio
(Salomão, o mais
sábio d’entre os homens)
A edificar-lhe um
majestoso templo
Na montanha do
Opróbrio, bem defronte
Do Templo do grão
Deus, e a consagrar-lhe,
Como parque, de
Hinom o vale ameno
Que ficou desde
então, sob outro nome
De Tofete e Geena,
emblema do Orco.[1]
Consegue imaginar algo pior do que seduzir o construtor
do templo de Deus, Rei Salomão, a construir um templo para si, colado ao
verdadeiro? Pode-se estar mais próximo que isso?
Sim, pode. É aí que Milton quer chegar. O último demónio
que ele nomeia, supostamente o oposto do sanguinário e guerreiro Moloch, é o
lascivo, efeminado Belial, amante do vício pelo vício.
E onde é que Belial é adorado? A resposta é preocupante:
Em honra desse
monstro
Não se erguem
templos, nem altares fumam;
Porém, com refinada
hipocrisia,
É quem templos e
altares mais frequenta
Chegando a ser
ateus os sacerdotes,
Bem como de Eli
sucedeu aos filhos
Que de Deus os
alcáçares encheram
De atroz fereza, de
brutal lascívia!
Belial não precisa que lhe construam templos ou altares. Ele
já ali está, quando o padre se torna um verdadeiro ateu. Não que isso sirva de
desculpa para os leigos, porque Belial também se instalou nas sedes de governo
e nos costumes lascivos do povo:
Reina ele pelas
cortes, nos palácios,
E nas cidades onde
os vícios moram,
Onde a devassidão,
a infâmia, o ultraje,
Sobem por cima das
mais altas torres.
Ali, assim que
tolda a noite as ruas,
Os filhos de Belial
n’elas divagam
Pela insolência e
pelo vinho insanos.
O vício específico de que disfrutam os filhos de Belial é
perverso:
Testemunhas as ruas
de Sodoma
E a noite em Gaba
quando a virtude,
Por amparar os
hóspedes, decide
Dar às torpezas a
infeliz matrona,
Para evitar mais
feios atentados!
Temos então de um lado Moloch, o devorador de crianças,
brutal e sangrento, de templo encostado ao de Deus, e do outro lado o mal
sexual e antinatural de Belial, que penetra tanto templos como cortes e que
toma conta das ruas pela noite, determinando o estilo de vida das pessoas ou
levando-as a esconder-se em casa, se puderem.
Moloch e Belial; infanticídio e sodomia; sangue derramado
em vão e semente espalhada em vão; guerra pela guerra, lascívia pela lascívia;
um deus da fertilidade que come a sua prole e um deus da esterilidade, cujo
vício nem prole chega a conceder.
Como dizia o pregador, não há nada de novo debaixo do
Sol.
As pessoas têm perguntado se é possível que os padres que
tiveram relações sexuais com jovens, consensuais ou não, acreditavam em Deus.
Eu tenho tentado recordar a capacidade ilimitada do homem para o fingimento e autoengano,
para não falar de mera contradição. Mas talvez devêssemos olhar a questão de
outra perspetiva. Milton não disse que Finéias e Hofni, filhos de Eli, eram
ateus quando assumiram o seu cargo em Siló. Ele diz que eles se tornaram ateus.
Algumas pessoas perdem a sua fé em Deus por causa das
tribulações que sofrem. Desesperam, sucumbindo à sensação de abandono. Outros
perdem a fé em Deus por causa dos sucessos de que gozam. Presunçosos, são
seduzidos pelo sentimento de invencibilidade. Qual é o caso do padre?
Não estou a estabelecer uma regra universal. Cada padre é
um homem, como qualquer um de nós, e pode sofrer aquilo que qualquer um de nós
sofre. Mas se perguntarmos quais as ameaças específicas para a fé dos padres,
teremos de concluir que no nosso mundo elas vivem do lado do poder, do conforto
e do prestígio, e não do lado da fraqueza, privação física e humilhação.
Isto não é uma acusação. Não estou a sugerir que os
padres devam viver a pão e água, e que devem ser agredidos em via pública.
Estou apenas a constatar um facto. Não é a perseguição que leva os nossos
padres a perder a fé, é a complacência.
A Justa Ana com o Profeta Samuel |
Não pode voltar à sua antiga profissão, porque não
existe. Não pode vender os seus serviços, porque não existem. Não tem recursos
para voltar à escola, mesmo que pudesse aguentar a vergonha. Não está preparado
para trabalho físico, por isso as obras não são uma opção. Então fica quieto.
Se for sincero, reza, reza e mortifica-se, arranja um bom
director espiritual e tenta sobreviver à tempestade. Se for fraco e insincero,
deixa a sua fé enfraquecer cada vez mais enquanto tenta robustecer a sua
imagem, convencendo-se de que é o arauto de uma nova fé, uma nova forma de
crença. Só você sabe o que pertence verdadeiramente à fé e o que não pertence. Destrói. Tem ciúmes de pessoas que
têm devoções que não o movem. Secretamente, regozija com o falhanço dos outros.
Segue o mundo, porque tem de seguir alguma coisa. Todos
os seres humanos seguem uma bandeira, os ateus não são excepção. Mas o dia do
pequeno Samuel está para chegar, e não será para si qualquer conforto. Senhor
Deus, que seja em breve!
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os
seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to
Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 16 de Setembro
de 2018 em The Catholic Thing)
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