Randall Smith |
Porventura não fizestes distinção entre vós mesmos, e não
vos fizestes juízes de maus pensamentos?” (Tiago 2, 1-4)
Na semana passada assistimos à humilhação pública do ator
Geoffrey Owens, ex-estrela do “Cosby Show”. Owens, que desempenhava o papel do
genro de Cosby no programa, viu serem publicadas fotografias suas a empacotar
compras no supermercado onde trabalha atualmente. Quando as fotografias se
tornaram virais foi inundado com comentários insultuosos.
Mas outros saíram em sua defesa. O antigo jogador de
futebol americano, e agora actor, Terry Crews, escreveu no Twitter: “Eu
trabalhei em limpezas já depois de ter jogado. Se fosse preciso, voltava a
fazê-lo. Não há qualquer vergonha em fazer trabalho honesto.”
As reacções iniciais às fotografias sugerem, porém, que
muitas pessoas julgam o valor do trabalho de acordo com o dinheiro que rende.
Segundo esta visão, a prostituição de luxo vale mais do que limpar quartos num
hotel.
No “Laborem Exercens”, a sua encíclica sobre o trabalho
humano, o Papa João Paulo II critica a ideia, comum no mundo antigo, de que o
trabalho físico é indigno de homens livres, sendo por isso reservado aos
escravos. O Cristianismo introduziu uma mudança fundamental a esta perspectiva,
porque Cristo, Deus incarnado, passou “a maior parte dos anos da vida sobre a
terra junto de um banco de carpinteiro, dedicando-se ao trabalho manual.”
“Em tal concepção quase desaparece o próprio fundamento
da antiga diferenciação dos homens em grupos, segundo o género de trabalho que
eles faziam”, escreve o Papa. “Em última análise, a finalidade do trabalho, de
todo e qualquer trabalho realizado pelo homem — ainda que seja o trabalho mais
humilde de um ‘serviço’ e o mais monótono na escala do modo comum de apreciação
e até o mais marginalizador — permanece sempre o mesmo homem.”
Seria de esperar que os católicos se distinguissem por
abraçar esta visão da nobreza do trabalho bom e honesto. Mas será assim?
Quantos pais católicos sentem orgulho quando os seus filhos ou filhas aceitam
empregos de salário baixo? Quantos não preferiam que o seu filho ou filha fosse
um executivo bem remunerado em vez de professor num liceu católico?
Quando eu era novo o estereótipo do católico era operário.
Agora parece que muitos valorizam tanto os trabalhos de executivo como o meu
pai, que era um típico protestante anglo-saxónico.
Quantos pais católicos não preferem enviar os seus filhos
para as universidades de topo em vez de uma escola católica qualquer, porque
querem tanto ver os seus filhos a ter “sucesso” segundo os padrões normais de
sucesso financeiro e estatuto social?
Por mim, todas as universidades católicas obrigariam os
seus alunos a ter formação em alvenaria ou canalização. Não porque acho que
deviam todos tornar-se canalizadores ou trabalhar nas obras, mas simplesmente
porque todos os alunos tirariam proveito em trabalhar com materiais reais, em
vez de simplesmente mudar imagens de um lado para o outro em realidades
“virtuais”.
Para além disso, os construtores e os canalizadores são
cidadãos desta democracia e também merecem todos os benefícios de uma educação
católica que respeite a sua vocação. Como é que os católicos deixaram que a
cultura protestante os convencesse de que o objectivo de uma educação católica
em artes liberais serve apenas para preparar futuros executivos?
Geoffrey Owens - nada de que se envergonhar |
Ontem fui com a minha mulher ao sapateiro local. O homem
não só domina a sua profissão, como é honesto. Consegue arranjar praticamente
tudo, incluindo carteiras ou fivelas de cabedal, e não hesita em avisar se algo
não vai ficar tão bem como queremos. É um homem que fornece valor real.
Podia dizer o mesmo sobre o nosso mecânico. Os advogados
caros da universidade onde trabalho só parecem dar conselhos maus, mas um
mecânico honesto e capaz é uma dádiva do céu. O meu mecânico não só consegue
arranjar praticamente tudo, como o faz de forma honesta. A primeira vez que o
procurei foi porque um limpa-vidros tinha enlouquecido. Nas outras oficinas
tinham-me dito que seria preciso mudar o mecanismo inteiro, e que custaria mais
de 400 dólares. Mas o Jim desmontou-o e apontou para uma bucha partida.
“Quanto?” perguntei. “Se conseguirmos encontrar uma igual, cerca de um dólar e
meio”, respondeu. Noutra ocasião arranjou o meu carro na véspera do meu
casamento. É o meu herói.
Temos ainda um homem que arranja coisas cá por casa.
Nunca deixo de me espantar com todas as coisas de que ele é capaz. Tem um valor
inestimável e já nos poupou centenas de dólares em reparações. Provavelmente
até salvou a casa mais do que uma vez. Também ele é o meu herói.
Recentemente um escritor católico expressou preocupação
pelo futuro do trabalho, dizendo que “alguns especialistas até prevêem que
dentro em breve todo o trabalho de que precisamos será feito por uma pequena
elite cognitiva, em colaboração com máquinas geniais”. Serão estes os mesmos
especialistas que previram que por esta altura estaríamos todos a morrer à fome
por causa da explosão demográfica, e que seríamos substituídos por computadores
inteligentes?
Não acreditem em nada disso. Há trabalhos que
simplesmente não podem ser transferidos para países em desenvolvimento ou dados
a um robot. Tomar conta do seu bebé, por exemplo, ou assentar tijolos para
fazer uma parede. Arranjar os seus canos ou ainda instalar uma tomada em sua
casa. Mais uma? Fazer a cama no seu quarto de hotel. Todos os executivos do
mundo podem ser substituídos antes de substituirmos as pessoas que fazem esses
trabalhos.
Pensem por momentos em todas as pessoas que fazem esses
trabalhos – trabalhos que fornecem valor real para as pessoas, empregos que
melhoram tanto a sua qualidade de vida – e dê graças a Deus.
As pessoas dizem para sermos como Cristo. Muito bem. Ele
começou como carpinteiro. Começemos, então, em casa. Ou melhor, no trabalho.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
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