Casey Chalk |
Em época de celebração dos 500 anos da Reforma
Protestante gosto de pensar na corrente de evangélicos que está a desaguar no
Tibre, abençoando não só a Igreja mas todo o diálogo ecuménico – tanto para
católicos como para protestantes – sobre a natureza da Tradição, o papel de
Maria e a necessidade de uma autoridade objectiva e apostólica.
A isto devemos somar a parentalidade. Quando me converti
do calvinismo ao catolicismo discerni uma assinalável mudança na catequese que
dava aos meus filhos, uma distinção tão importante que pode fazer toda a
diferença entre ter pequenos Cristos ou pagãozinhos à solta lá em casa.
Começa com o baptismo. Muitos evangélicos ainda praticam
o baptismo na infância, graças a Deus. Embora a maioria não acredite na
regeneração baptismal, não deixam de baptizar validamente com água e em nome do
“Pai, Filho e Espírito Santo”. Quer compreendam ou não, os seus filhos recebem
assim o Espírito Santo e herdam os dons teológicos da fé, esperança e amor,
sendo incorporados em Cristo.
Infelizmente muitos outros protestantes adiam o baptismo
até que as crianças alcancem a “idade da razão” e decidam por eles se querem
receber o sacramento. Por isso muitas crianças de famílias protestantes nunca o
fazem. Para as famílias que assim negligenciaram este rito mandatado por
Cristo, os seus filhos permanecem, para todos os efeitos, pagãos.
Mas esse é apenas o primeiro erro em muitos lares
protestantes. A maioria dos evangélicos, e certamente os da minha anterior
tradição calvinista, rejeitam imagens, ícones e instrumentos catequéticos que
historicamente têm sido usados por famílias cristãs para ensinar os caminhos de
Deus. Quem estuda a história sabe que a Reforma despiu os altares, derrubou
estátuas de santos e removeu Cristo da Cruz. Os terços foram destruídos,
relíquias postas de lado e as peregrinações abandonadas.
Na ânsia de purificar a fé e a prática cristã, os
reformados parecem ter negligenciado uma questão essencial: Como é que se
comunicam os fundamentos da fé cristã a uma criança de dois ou três anos?
Para os evangélicos que se mantêm em contacto de alguma
forma ou feitio com a tradição reformada anticatólica, o que permanece é apenas
uma casca, uma pobreza prática de catequese. Ainda se pode rezar com uma
criança pequena, ler livros religiosos ou cantar músicas sobre Deus. Estas são
todas práticas boas e belas, que na minha família também usamos. Mas são todas
de natureza cerebral.
E qualquer pai sabe que o cerebral não é o melhor caminho
para crianças pequenas. A este respeito podemos dizer que o Cristianismo
reformado revela um certo gnosticismo, enfatizando um conhecimento escondido e
abstracto à custa de um dos aspectos mais belos e essenciais da nossa fé: a
Encarnação.
Estas tendências protestantes revelam uma compreensão
incompleta daquilo que o Evangelista São João queria dizer quando se referia a
Cristo da seguinte forma: “O Verbo encarnou e habitou entre nós” (João 1,14)
ou, noutra passagem, “o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que
temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida” (1 João 1,1).
Já o Catolicismo, em contraste, é profundamente
sensorial: crucifixos, água benta, sinais da cruz, pagelas, imagens, terços e –
por fim – a Eucaristia. Jesus habitou um corpo e os seus milagres aconteceram
não só através das suas palavras, mas pelas acções, saliva e lama, peças de
roupa.
As devoções que reconhecem isto permitem que até as
crianças mais novas entrem na fé cristã. Talvez tenha sido isso mesmo que Jesus
estava a pensar quando exortou os apóstolos: “Deixai vir a mim as criancinhas,
não as impeçais, pois delas é o Reino de Deus”.
Não estava certamente a pensar em fazer-lhes um sermão
sobre um texto bíblico. Na verdade, Jesus impôs-lhes as mãos! (Mt. 19,14-15).
Pensem só, ser uma criança cujo corpo foi tocado por Nosso Senhor!
Catolicismo: Um banquete sensorial |
Em nossa casa essa rotina envolve arrumar o quarto,
vestir o pijama e lavar os dentes. Mas envolve ainda várias práticas
explicitamente católicas: ajoelhar e rezar diante de um crucifixo, cantar
músicas católicas de um cancioneiro já gasto e ler um livro que frequentemente,
e por escolha da minha filha, é profundamente católico.
Ainda não perguntei aos meus amigos o que lhes passa pela
cabeça quando vêem a minha filha a falar com Jesus crucificado como se
estivesse vivo, ou a pedir uma “Música de Maria” do cancioneiro, ou a aparecer
com um livro sobre “santos para raparigas” da sua estante.
Mas sei que a sua devoção é vibrante e verdadeira. Anda
constantemente com pagelas, benze-se com água benta na igreja – não uma vez,
nem duas, mas dezenas de vezes – e coloca copos de água com flores no nosso
altar caseiro, como presente especial para Jesus.
Recorda-me a jovem Cordelia no livro “Reviver o Passado
em Brideshead” de Evelyn Waugh, que na sua inocência e zelo doava dinheiro para
ajudar os missionários que ensinavam crianças em África, regozijando de cada
vez que uma delas era baptizada com o seu nome.
Caros leitores evangélicos, compreendam por favor que não
estamos perante tralha sentimental católica, sinos e incensos sem qualquer
substância teológica. Eu vivo na Tailândia e temos uma empregada filipina
pentecostal que fala sem rodeios sobre a sua fé. E ela já nos confessou várias
vezes o seu espanto pelo facto de a nossa filha mais velha saber tanto sobre Jesus
e sobre a Bíblia.
Sabe mais, diz-nos ela, do que as crianças na sua própria
igreja. Só posso concluir que isso se deve ao facto de toda esta parte
sensorial do Catolicismo fazer com que as histórias das Escrituras – que
habitualmente lhe lemos – ganhem vida na sua mente em desenvolvimento.
Se eu tivesse continuado a ser calvinista teria tentado
introduzir os meus filhos à fé e à prática cristã o mais cedo possível. Os meus
muitos amigos evangélicos fazem precisamente isso, com efeitos obviamente
positivos.
Mas numa família típica de evangélicos ou calvinistas os
pais trabalham sempre com uma mão atada atrás das costas – deixando os seus
filhos sem meios para contemplar uma religião que deveria ocupar não só as suas
mentes mas os seus corpos e todo o seu ser.
Casey Chalk é um autor que vive na Tailândia, onde edita
um site ecuménico chamado Called to Communion. Estuda teologia em Christendom
College, na Universidade de Notre Dame. Já escreveu sobre a comunidade de
requerentes de asilo paquistaneses em Banguecoque para outras publicações, como
a New Oxford
Review e a Ethika
Politika.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Sábado, 1 de Julho de 2017)
© 2017
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
Olá Filipe, obrigado por este serviço incrível que fazes. Quanto ao artigo traduzido, percebo a opinião do autor, (até fui consultar o link) no entanto, at the end of the day, creio que no nosso Portugal ainda falta muito para crianças de dois ou três anos entenderem o fundamento do evangelho sejam de onde forem. Mas, sinceramente, acredito que depende dos pais, no meu caso, como evangélico, passo os fundamentos do evangelho, quer lendo histórias, quer subindo a serra de Sintra, ou contando exemplos de vida, e não estou a ver grandes diferenças para crianças católicas que à partida não tomam a eucaristia,as que veem igrejas decoradas, enquanto os meus filhos vêem livros e filmes ilustrados, que veem os mais velhos a participar da eucaristia e que ouvem os pais a conversar com Deus tal como crianças que frequentam igrejas evangélicas. Por isso não vejo bem a grande diferença q o autor quer destacar.
ReplyDelete