Pe. Paul Scalia |
“Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou
joio no meio do trigo”. É significativo que nosso Senhor comece as suas
parábolas sobre o Reino do Céu (Mt. 13,24-50) com uma referência ao inimigo. O
Reino do Senhor não é estabelecido facilmente (aliás, requer o seu próprio
sacrifício). Nem se defende com facilidade. O maligno anda sempre à espreita
para semear joio no Reino. Por isso a parábola do joio no trigo tem
ensinamentos não só sobre o Reino, mas sobre como o proteger.
Em primeiro lugar, o inimigo aproveita o facto de estarem
todos a dormir. Devemos ouvir nessa referência uma alusão não ao sono confiante
de uma criança, ou o pacífico sono dos justos, mas sim o adormecimento da
negligência – a sonolência espiritual que aflige os apóstolos no jardim, Dante
a meio da sua vida e o nosso mundo hoje.
A sonolência conduz à trapalhice. Um guarda sonolento
deixa entrar aqueles que não deve – e que não deixaria caso estivesse acordado.
Um pensador sonolento não faz distinções necessárias. A sua precisão sofre,
deixando passar coisas que lhe teriam chamado a atenção caso estivesse mais
desperto. Na parábola de Nosso Senhor, a sonolência dá ao inimigo a
oportunidade que procura. Assim também na Igreja o torpor dá uma abertura ao
inimigo. O nosso pensamento embrutecido, a incapacidade de fazer distinções e a
falta de clarividência são uma porta aberta para o joio do inimigo.
A parábola apela, por isso, à vigilância, uma virtude que
devia caracterizar a vida espiritual de todos os fiéis. Cada um de nós deve
estar desperto e atento, primeiro para ver o Senhor, mas também para se
proteger contra o maligno, não vá ele semear nos nossos corações e poluir
aquilo que Deus plantou em nós.
Contudo, no que diz respeito à Igreja como um todo, a
tarefa da vigilância cabe aos pastores. São eles que têm o dever de vigiar o
rebanho e o campo, de serem as sentinelas mencionadas pelos profetas (ver
Jeremias 6,17 e Ezequiel 3,17). Infelizmente, ao longo da história temos visto
esta parábola a desenrolar-se no seio da Igreja: o mal ganha entrada devido à
falta de vigilância. No seu tempo, o santo John Fisher lamentou que “a
fortaleza é traída até por aqueles que a deviam defender”. Essas palavras
aplicam-se, infelizmente, a muitos momentos na história da Igreja.
A parábola ensina-nos também sobre uma táctica essencial
do maligno: a confusão. Este é o seu cartão-de-visita. O Senhor traz luz e
claridade. O maligno traz escuridão e confusão. Ele divide aquilo devia estar
unido e mistura aquilo que devia ser distinto. Na parábola, o inimigo mistura a
semente boa com a má. A sabotagem tinha dois objectivos, ou os consumidores da
colheita sofreriam pela mistura malévola, ou os criados prejudicariam o
fruto bom ao tentar arrancar o mau.
O semeador e o demónio, Albin Egger-Linz |
A mesma táctica malévola aplica-se hoje. A confusão foi
semeada à nossa volta. Chamamos bom ao que é mau e mau ao que é bom. Até
chamamos homem à mulher e mulher ao homem. Os consumidores desta confusão
sofrerão, de facto, sofrerão a tristeza e a dor que deriva da confusão actual
sobre casamento, sexualidade e a pessoa. Na melhor das hipóteses sofrerão
apenas a tristeza de vidas desancoradas de qualquer sentido ou propósito.
E nós, os criados, tal como aqueles da parábola, somos tentados
a extirpar o mal de forma demasiado agressiva – e ao fazê-lo arriscamo-nos a
prejudicar precisamente aqueles que queremos ajudar. Parece aqueles filmes de
acção manhosos em que o vilão mantém os bons como reféns. Não nos atrevemos a
agir, por mendo de causar mais mal. Na verdade, podemos fazer muito mal quando
tentamos livrar o Reino de qualquer semblante de mal, de todo e cada joio
aparente. Na história da Igreja não há falta de heresias e seitas criadas por
tal zelo imprudente.
Reparem que com esta tentação o demónio procura ferir não
os medíocres nem os preguiçosos, mas sim os zelosos e fiéis – isto é,
precisamente os criados mais preocupados com a pureza e a integridade da fé.
O que nos leva a outra virtude essencial para os criados
do Senhor: paciência – a capacidade de sofrer enquanto esperam a intervenção do
Senhor. Sem paciência apressamo-nos e, tipicamente, estragamos tudo. Os criados
devem esperar pela colheita – o fim dos tempos – para ver as coisas a serem
postas em ordem, como o Senhor promete que acontecerá. A paciência é diferente
da inacção dos desatentos e dos despreocupados. Não é um encolher dos ombros ou
resignação. É o poder (virtus) de esperar pela vindicação do Senhor.
Claro que a palavra “vindicação” parece cruel aos olhos do
mundo, talvez até aos olhos de muitos católicos. Faz pensar em corações
empedernidos, desejosos de vingança. Mas devemos esperar pela vindicação, caso
contrário Nosso Senhor não a teria prometido. A esperança tem a certeza de que
Nosso Senhor virá revelar a sua justiça e a paciência espera pacificamente que
o dia chegue.
Mas é pela vindicação do Senhor que os criados esperam, não
pela das suas opiniões, posições ou partidos. Através da paciência centramo-nos
Nele, nas suas promessas e no seu poder. São estes os criados que o Senhor
deseja, aqueles que tanto vigiam o seu Reino como esperam pacientemente a sua
vinda.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 23 de Julho de
2017 em The Catholic Thing)
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