Casey Chalk |
A família alargada é composta agora por 17 pessoas, desde
bisavós até esta mais recente adição. Vivem em dois apartamentos minúsculos, de
um só quarto, a pouca distância da paróquia católica, encaixados como sardinhas
em lata à noite. Vieram para Banguecoque há quatro adventos, poucos dias antes
do Natal, depois de uma série de ataques violentos na sua cidade natal de
Karachi.
Um membro da família, um jovem médico, foi falsamente
acusado por fundamentalistas de ter rasgado intencionalmente uma página do
Alcorão – uma ofensa que no Paquistão é considerada blasfémia e punida como tal.
A sua cunhada, enfermeira num hospital de Karachi, foi acusada de ter tentado
forçar um doente muçulmano a quebrar o seu jejum de Ramadão e de o ter tentado
converter. Parentes do doente dispararam sobre ela e sobre o seu marido
enquanto tentavam fugir do hospital. Duas adolescentes da família foram
apanhadas e queimadas vivas em público. Foram emitidos fatwas e mandatos de
captura contra eles. Sabendo que as únicas opções eram a morte ou a conversão
forçada, fugiram.
Vivendo em Banguecoque desde Dezembro de 2012,
tornaram-se uma família de “faz-tudo” para a paróquia, fazendo biscates para a
igreja, distribuindo panfletos, ajudando com o ofertório, preparando a Igreja
antes de casamentos e funerais e limpando de seguida. Esta é uma família que
desafia as ideias feitas dos requerentes de asilo como pobres, fracos e
desamparados, à mercê da beneficência de doadores ocidentais. Pelo contrário,
eles são um grupo teso, resistente e com uma ética de trabalho incansável.
O pai da menina baptizada também não encaixa no
estereótipo de refugiado. Com estatura de culturista e bem-parecido, dá ares de
estrela de Bollywood e não de alguém que se esconde com medo dos seus algozes.
Se os jihadistas estivessem dispostos a lutar de forma justa, ele dava-lhes uma
tareia. Agora passa os seus dias a dirigir o trânsito junto à paróquia.
De certas formas a história desta família espelha o
paradoxo da Sagrada Família no Natal. Parecem-nos, à primeira vista, pobres e
modestos: José, o patrono simpático e mais velho da jovem virgem, Maria. Ela, a
camponesa judia, silenciosa e humilde. Mas à medida que a sua história
desenrola, com mensagens do Arcanjo Gabriel e as hostes celestes a proclamar a
glória de Deus na pequena Belém, reconhecemos que não se trata de uma família
normal. Rodeados de uma fortaleza angélica impenetrável, que recorda Eliseu,
Maria e José erguem-se em desafio aberto aos poderes do mundo. Eles não serão
intimidados, nem por todos os soldados ou todas as espadas do mundo.
E assim foi com o baptismo desta criança paquistanesa. Um
“sinal de contradição” semelhante à do menino Jesus. Tal como a apresentação de
Cristo no Templo, o seu baptismo é um verdadeiro sinal da fé e fidelidade da
sua família a Cristo. Estão em Banguecoque, a milhares de quilómetros de casa,
porque se recusaram submeter às exigências de extremistas muçulmanos que os
ameaçaram com conversão ou subjugação.
O baptismo em público desta menina recém-nascida, com
polícias tailandeses a poucos quarteirões, é um acto confiante e rebelde de
piedade cristã. Que proclama a todos os que procuram extinguir o Evangelho e os
seus aderentes: “Não terão os nossos corpos, nem as nossas almas”. Esta menina,
dizem eles, com uma santa arrogância, pertence a Cristo. Agora, revestida de
rectidão e cheia do Espírito Santo, ela carrega mais poder do que todas as
autoridades da terra. É, à sua própria maneira, “uma luz de revelação aos
gentios”, tal como foi o Cristo menino.
Católicos paquistaneses na Tailândia |
Tal e qual com os meus amigos paquistaneses: Eles
preferiam não ter de abandonar Karachi. Têm pouco interesse em fazer de
Banguecoque a sua casa permanente. Mas aqui estão eles, pela Graça de Deus. O
que torna a sua experiência tão espiritualmente potente é a sua fé inabalável
de que Deus está com eles, que não os abandonará e de que está a cumprir os
seus propósitos no meio daquilo que parecem ser as piores circunstâncias. Esta
é, parece-me, a chave para compreender o Advento e o verdadeiro peso do Natal.
Mas não estamos perante super-heróis de outro munto,
existindo numa qualquer realidade etérea, acima da nossa. As suas alegrias e os
seus desafios diários são os mesmos que os nossos. Depois do baptizado, um
membro da família com cinco anos arranca a correr pelo corredor central da
Igreja, até que o seu pai o apanha e puxa para junto dele com uma fúria
parental tão familiar: “Não corras aqui dentro! Seu mal-educado!”
A sua coragem pode ser transcendental, as suas dificuldades
particulares excepcionalmente amargas, mas a sua história mais geral de
sofrimento e de esperança é a nossa, tal como a história de Natal é nossa.
Todos esperamos um fim para a nossa caminhada, um lugar preparado por Deus onde
seremos acolhidos pelo nosso Salvador para sempre.
Mas mesmo agora, aqui mesmo, temos motivo para celebrar.
Todos nós cujo testemunho declara que por amor a Deus desprezámos até a própria
vida, “mesmo até à morte”.
Casey Chalk é um autor que vive na Tailândia, onde edita
um site ecuménico chamado Called to Communion. Estuda teologia em Christendom College, na Universidade de Notre
Dame. Já escreveu sobre a comunidade de requerentes de asilo paquistaneses em
Banguecoque para outras publicações, como a New Oxford Review e a Ethika Politika.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 27 de Dezembro de
2016)
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