Randall Smith |
Há alguns anos várias universidades confessionais
estiveram envolvidas em discussões sobre se deviam permitir a encenação a peça “Monólogos
da Vagina”. Muitas delas – algumas das quais católicas – foram coagidas a
permitir a peça controversa, com o argumento de que seria contra a “liberdade
académica” não o fazer.
Agora, porém, pelo menos uma universidade tomou a decisão
ousada de banir a peça, mas talvez não pelas razões que esperaria. Mount
Holyoke College, que se descreve como uma “universidade de artes liberais para
mulheres” decidiu agora que a peça “não é suficientemente inclusiva”.
Então? Não é uma peça só sobre mulheres? Ao que parece, não, não é.
A verdade é que o conselho de estudantes de Mount Holyoke
baniu a peça porque, “no seu cerne, o espectáculo oferece uma perspectiva muito
limitada do que significa ser mulher”.
Poderá estar a pensar “Viva! Mas porque é que as mulheres
haviam de ser reduzidas a uma parte do seu corpo. Não é precisamente disso que
muitas delas já se queixam?”
Claro que sim, mas o problema não é esse. Acontece que
Mount Holyoke baniu a peça porque exclui “mulheres” que – e não, não estou a
inventar – não têm vagina.
Ah... Calma... O quê?
Uma manchete louvou a decisão de Mount Holyoke, dizendo
que “Algumas universidades estão a ultrapassar a peça ‘cisnormativa’ Monólogos
da Vagina, de Eve Ensler”.
Eve Ensler, a autora da peça, defendeu-se dizendo “Penso
que é importante que se saiba que a minha intenção nunca foi escrever uma peça
sobre o que significa ser mulher. Esse nunca foi o objectivo de ‘Os Monólogos da
Vagina’”.
Ainda bem que isso ficou esclarecido. Afinal ela e os
manifestantes católicos estão de acordo nesse ponto. Mas afinal de contas sobre
o que é a peça?
“É uma peça”, explica Ensler, “sobre o que significa ter
uma vagina.” (Então afinal sempre é sobre uma parte do corpo). “Nunca se disse,
por exemplo, que a definição de mulher é alguém que tem uma vagina… Penso que
essa distinção é muito importante… Temos de ter muito cuidado com o que dizemos
quando utilizamos linguagem”.
Pois claro que sim. Muito, muito cuidado. Porque é cada
vez mais claro que toda a gente tem um alvo nas costas hoje em dia, enquanto a
elite intelectual joga o seu jogo interminável de superioridade ideológica, que
passa por ver quem consegue ser superior ao próximo quando toca a indignação
moralista por alegadas falhas na defesa escrupulosa da “ideologia do género”. E
como eu não consigo imaginar qualquer situação em que não estejamos a “utilizar
linguagem” – uma vez que usamos palavras para pensar – suponho que a solução
seja ter sempre “muito cuidado” com o que se pensa. A “liberdade” moderna, como
George Orwell já tinha previsto, requer que as pessoas estejam sempre à procura
de provas de “crime de pensamento”.
A verdade é que não me interessa muito o que a Mount
Holyoke faz ou deixa de fazer, nem acho que a cultura de um campus
universitário deve ser julgado com base na participação ou não dos seus alunos
nos “Monólogos da Vagina”, mas tenho duas preocupações.
A primeira é que aquilo que se está a perder neste caos
linguístico são as próprias mulheres – mulheres verdadeiras, reais, com as suas
necessidades específicas, algumas das quais biológicas. Enquanto homem não me
cabe a mim dizê-lo, mas penso que as mulheres o deviam fazer.
Claro que uma mulher não se reduz ao seu corpo, mas
requer um gnosticismo radical afirmar que o ser mulher – ou humano, já agora –
não tem absolutamente nada a ver com a corporeidade. As questões de saúde
femininas não são apenas emocionais, psicológicas ou culturais. Há realidades
biológicas e físicas sérias, também.
Bruce Jenner |
Mais ninguém está preocupado com o facto de haver pessoas
a ocupar o território que devia ser exclusivo das mulheres? Não me parece nada
claro que alguém como Bruce/Caitlyn Jenner tenha procurado aprender com
mulheres sobre o que é ser mulher; antes, foram os media que o elevaram a “mulher
do ano” no preciso momento em que alterou algumas (mas não todas) as partes do
seu corpo.
Rachel Dolezal, que era branca, não pôde reclamar para si
ser “negra”, apesar de ser muito dedicada à causa da justiça racial; mas Bruce
Jenner foi nomeado “mulher do ano” porque acrescentou um par de maminhas
falsas? Se isto não é reduzir a mulher a partes do seu corpo, então não sei!
As mulheres perdem meio litro de sangue todos os meses,
carregam filhos nos seus ventres durante nove meses, suportam horas dolorosas de
trabalho de parto e Bruce Jenner é a mulher do ano? Admito que não sou a pessoa
mais inteligente do mundo, mas não percebo.
Questiono-me o que é que se vai passar ao longo dos
próximos anos em áreas tão importantes como o desporto feminino, literatura
feminina, ou até escolas e universidades femininas (como a Mount Holyoke, para
dar apenas um exemplo óbvio)? Será que vão desaparecer por causa dos desejos e
dos planos de certos – como é que posso dizer isto de forma delicada – homens?
As mulheres atletas já começam a notar o potencial do problema.
Desculpem lá, mas isto é uma coisa que me preocupa, mesmo
que não tenha nada a ver com isso, por ser aquele tipo de homem que não é uma
mulher.
Mas há outra coisa que me preocupa também. Quando os
católicos se queixaram que “Os Monólogos da Vagina” violava os seus princípios
fundamentais, foram classificados como trogloditas. A “liberdade académica”
tinha de triunfar. Agora que um grupo conseguiu posicionar-se ainda mais à
esquerda que qualquer outro, o que é que aconteceu a esse grito de “liberdade
académica”? Era apenas uma arma de arremesso para utilizar contra os inimigos
naquele momento?
Acontece que eu acredito verdadeiramente na “liberdade
académica”. Mas se as pessoas se convencerem que ela se tornou apenas um
instrumento ideológico e não uma posição de princípio, então vão tornar-se
cínicas e, tal como aconteceu em “Pedro e o lobo”, deixarão de acudir quando
for invocada.
E isso é o que me preocupa verdadeiramente, porque todos
nos devemos preocupar com a existência de um diálogo livre e aberto.
Infelizmente, porém, há quem prefira monólogos – excepto quando
até isso se torna ideologicamente suspeito.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
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